Rafael Borges, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJBruno Mirandella / OAB-RJ
Publicado 20/06/2022 09:00
Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Rafael Borges é um dos signatários de uma proposta elaborada para reduzir as mortes causadas em ações policiais. O documento foi produzido após uma decisão no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 — a polêmica "ADPF das Favelas", que restringiu operações em comunidades durante a pandemia. Em entrevista a O DIA, o advogado fala sobre o conteúdo entregue ao governo: "As comissões de Segurança Pública e Direitos Humanos da OAB ouviram a sociedade civil e recolheram sugestões de quem lida com o tema para construir o documento".
O DIA: Uma das principais críticas à ADPF 635 é que ela impediria a polícia de fazer o seu trabalho. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
RAFAEL BORGES: Essa crítica não tem nenhuma consistência. É só ler a ADPF para ver que o patrulhamento não está proibido. Na verdade, ela determina um protocolo de atuação policial para preservar as vidas das pessoas que moram na comunidade e qualificar a atuação destes agentes. Foi somente durante a pandemia que ela impediu, e por um curto período de tempo, aquelas operações cinematográficas. E com resultados positivos, já que a letalidade caiu bruscamente e não houve aumento nos índices de criminalidade.
Por que a OAB se reuniu com a Defensoria e Ministério Público para redigir a proposta de redução da letalidade policial?
Isso foi uma ordem do Supremo Tribunal Federal. Quando o ministro Edson Fachin deu provimento à ADPF, ele determinou que o estado fizesse um plano de redução da letalidade policial. O governador Cláudio Castro chegou a redigir uma versão no final de março, mas ficou muito incompleta. Então, foi determinado que se fizesse segundo plano, ouvindo essas três entidades. As comissões de Segurança Pública e Direitos Humanos da OAB ouviram a sociedade civil e recolheram sugestões de quem lida com o tema para construir o documento. Para a OAB é fundamental se manifestar dando eco a outras vozes, não queremos nos manifestar apenas como entidade de classe.
Como explicar a letalidade policial no Rio de Janeiro?
Temos uma clivagem social e organização geográfica favorável à letalidade, pois a polícia consegue concentrar atividades violentas em determinadas regiões. A ADPF quer que a PMRJ saia dessa "honrosa" posição de "a que mais mata". Em 2021, as nossas polícias — militar e civil — mataram 1385 pessoas. A nossa polícia, de um estado do tamanho de Portugal, é 30% mais letal do que a dos EUA inteiro, um país continental. Fica evidente que a guerra ao tráfico é só uma peça de propaganda que dá respaldo para esse genocídio da população negra e favelada. Na verdade, a polícia entra para deixar claro que aquele é um espaço controlado pelo Estado. O recado é: "o Estado não está presente na forma de Saúde, Educação e Assistência Social, mas apenas na forma de polícia".
O documento pretende reduzir a letalidade em 70% em um ano. Não é muito ousado?
Esse percentual é uma meta intermediária: o objetivo final é acabar com a letalidade. Quando a ADPF foi respeitada, entre junho e novembro de 2020, também verificou-se uma redução de 70% das mortes. Ou seja, há dois anos, reduzimos a letalidade com uma canetada, sem qualquer política pública. É muito fácil reduzir. Ao analisar sob a ótica de métricas internacionais, a Cruz Vermelha diz que o aceitável em uma guerra é que tenhamos um militar morto para cada quatro civis. No ano passado, morreram cerca de 70 policiais, então o "aceitável" — em uma guerra — seriam 280 perdas civis.
Por que a atuação policial é diferente em áreas abastadas?
A polícia do mundo inteiro atua sobre corte social, mas ele é ainda mais forte no Rio por causa da nossa forte separação entre favela e asfalto. O policial tem um tipo de abordagem na Zona Sul, no Centro, e outro completamente diferente nas áreas "conflagradas", onde não existe respeito a protocolos e aos Direitos Humanos. Mandados de busca e apreensão, por exemplo, nem são cogitados nas favelas, onde as casas são "livremente" usadas como local de tocaia. Foi uma dessas operações que vitimou Kathlen Romeu. No Rio, as favelas funcionam como guetos, onde a pobreza fica contida e se reproduz.
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