Publicado 25/07/2022 09:00
Vivian Peres é advogada e coordenadora de programas do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), que publicou recentemente uma pesquisa apontando que 89% das pessoas negras abordadas pela polícia são vítimas de violência. O estudo denominado "Por que eu?" ouviu 510 pessoas no Rio de Janeiro e 508 em São Paulo, entre maio e junho de 2021. Em entrevista a O DIA, a advogada oferece um panorama de como foram relatadas as abordagens policiais pelos entrevistados, apontando para uma diferenciação no tratamento entre pessoas brancas e negras. Ela também elabora os impactos e alternativas para um cenário de violação de direitos.
O DIA: Qual é a importância desse tipo de pesquisa?
VIVIAN: As pesquisas e os dados tornam possível incidir sobre os problemas que aparecem como diagnóstico. Informações são necessárias para que possamos dialogar e entender como resolver.
Qual é a explicação para negros serem 4,5 vezes mais propensos a serem abordados por policiais?
Ao olhar para esses números, entendemos que existe um filtro racial para abordar. Os dados mostram que, em termos de percepção das pessoas abordadas, a sensação de pessoas negras é sempre pior. Além disso, elas entendem em número maior que as abordagens são péssimas ou ruins. Não que seja intencional: estruturalmente temos um racismo que marca diversas atuações. Até quando analisamos o Judiciário isso é confirmado. Percebemos a existência de todo um aparato estatal que reforça a lógica da nossa construção social.
O que quer dizer "duplo protocolo", expressão usada no levantamento?
Falamos de dois protocolos pois são duas abordagens distintas, a depender se a pessoa é negra ou branca. O código do processo penal autoriza a realização de buscas pessoais, desde que exista a fundada suspeita. Mas faltam critérios objetivos para escolher quem será abordado. Quando a lei coloca um termo genérico como "fundada suspeita", abre margem para todo tipo de justificativa. Quando traçamos o perfil, percebemos que 8 em cada 10 pessoas negras já foram abordadas, enquanto 2 em cada 10 pessoas brancas já passaram pela mesma experiência.
A que tipo de condutas consideradas abusivas as pessoas negras estão mais sujeitas?
Já foram relatados casos de registro de imagens, partes íntimas tocadas, documentos que são fotografados pela polícia no momento da abordagem, por exemplo. Isso é complicado. Há casos em que esses registros foram parar indevidamente em álbuns de suspeitos — ou seja, mesmo sem ter cometido qualquer crime, têm a imagem apresentada a testemunhas para reconhecimento quando acontece algum crime na região.
Como os relatos colhidos se relacionam? Algo chama atenção?
As pessoas negras relatam que têm mais medo de serem abordadas, pois de fato o são. Ouvimos as formas como as pessoas tentam se prevenir caso sejam abordadas: sempre levam um documento, universitários costumam carregar livros na mochila, enfim, buscam elementos para provar o tempo inteiro que não são pessoas que estão cometendo crimes. Os relatos mostram sensação de insegurança constante. Também usam estratégias como fazer caminhos específicos para ir para casa, se comunicar em rede para evitar blitz, ou outras medidas para evitar ao máximo ser o alvo uma abordagem que pode resultar em catástrofe.
Como a qualidade da abordagem policial pode melhorar?
Primeiro, deve-se investir em treinamento das polícias. Não só entender o protocolo de "fundada suspeita", mas também elaborar uma forma de conduta mais eficaz. É preciso ter parâmetros claros que estabeleçam como conduzir uma abordagem. Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apontam que só 1% das abordagens realizadas resulta em prisão em flagrante, mostrando uma absoluta ineficácia da seleção inicial. Ou seja, enquanto sociedade, investimos numa política de segurança ineficaz, que viola os direitos de uma parcela da população. Já existe um projeto de lei em trâmite que discute uma reformulação do Código de Processo Penal inteiro, mas alterar um código inteiro é uma coisa que leva tempo.
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