Publicado 15/08/2022 09:00
Depois de mais de duas décadas de jornalismo, o romancista e escritor de não ficção Rodrigo Alvarez decidiu homenagear a profissão no novo livro, "O candidato". Em sua primeira incursão na literatura propriamente dita, o correspondente internacional — filho de um dos pioneiros da urna eletrônica no Brasil — faz um exercício de imaginação com um personagem que volta ao passado antes do golpe militar de 1964. Convivendo com figuras ilustres, como ex-presidentes e gênios da bossa nova, o protagonista resgata a memória do país. Em entrevista a O DIA, ele adianta a trama: "o herói é jornalista e vai tentando mudar o passado por meio do discurso, da defesa dos fatos".
O DIA: Seus primeiros livros são sobre cristianismo. Por que escrever um romance político?
RODRIGO: Achei urgente escrever. Eu queria me manifestar sobre tudo que está acontecendo no Brasil — as questões em torno da nossa democracia, das nossas instituições. Achei importante me colocar dentro dessa história. A ficção é muito poderosa para discutir a realidade. Comecei a imaginar um personagem que voltava ao tempo em que o país parecia perfeito; éramos tão otimistas no final dos anos 50. O Brasil era a menina dos olhos do mundo com a bossa nova. O que tinha dado errado? O que aconteceu para o país primeiro entrar numa ditadura que nos tomou 21 anos, e em um governo atual autoritário, que despreza as instituições, os artistas, o jornalismo?
O que acha da mistura de religião com política?
Escrevi sobre religião de um ponto de vista histórico, pautado no estudo de textos, arqueologia, até porque vivi quatro anos em Jerusalém. Não sou um devoto que escreve como um fiel. Sempre olhei para o passado com a tentativa de entender melhor o presente e pensar o futuro. Talvez eu esteja um pouco obcecado por essa ideia. O Almeidinha, personagem do meu livro, é paraibano, redator de discursos, jornalista e cientista político. Inteligentíssimo e atrapalhado. Brasileiro em essência. Ele nos traz uma realidade alternativa do momento que vivemos.
Seu personagem principal volta ao passado, sabendo do golpe militar que aconteceria em breve. Como foi essa escolha?
Parti do princípio: e se a gente não tivesse tido uma ditadura? O que estaríamos vivendo hoje? O desejo de quem volta no tempo é conseguir mudar alguma coisa na história. Tendo essa possibilidade mágica, será que se eu conseguisse que Juscelino lesse outro discurso no dia da inauguração de Brasília, Jânio não teria sido eleito, não teria renúncia, não teria Jango e não teria golpe? É importante ressaltar que o herói é jornalista e vai tentando mudar o passado por meio do discurso, da palavra, da defesa dos fatos.
Por que resgatar a história?
O Brasil é conhecido pela sua memória curta. Temos a característica de estar sempre recomeçando: quantos golpes já vivemos até hoje? Agora, estamos vivendo o pior governo da nossa república, que louva a ditadura. É preciso lembrar a quem defende isso quantos brasileiros foram mortos. Como escritor, historiador, e jornalista, faço esse papel. O livro é totalmente factual, o fictício é a trama num ambiente real do Brasil em 1958, até o personagem voltar à atualidade. O texto também passa o tempo todo pela música do país, que é uma das mais ricas do mundo. É uma homenagem aos nossos artistas, tão desrespeitados pelo atual presidente.
Como o filho de um dos pioneiros da urna eletrônica enxerga os ataques ao sistema eleitoral?
Não apenas pelo fato de o meu pai ter trabalhado intensamente para criar uma urna confiável, eu fico muito triste quando vejo que até as nossas conquistas estão sendo colocadas em cheque. Vejo com muita preocupação os ataques à Justiça, à imprensa e essa tentativa de desestabilizar o sistema judiciário como um todo, que acaba chegando ao sistema eleitoral. O livro fala disso de modo divertido, que é uma característica da ficção.
Como escritor, o que você quer discutir com o leitor de "O candidato"?
Uma ficção não precisa propor uma discussão. Eu quero contar uma história inventada em um país real, algo que acho interessante. Mas entendo que, ao passar por essa jornada, o leitor vai chegando às suas próprias conclusões. É um livro que faz as pessoas pensarem.
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