Publicado 22/08/2022 09:00
Elis Monteiro é especialista em marketing digital. Apesar de ter começado a carreira como jornalista, hoje é professora de MBA — pós-graduação em gestão de empresas e projetos — em instituições como FGV, IED, Ibmec, Coppead, e PUC-RS. Em entrevista a O DIA, ela explica do ponto de vista técnico como funciona a dinâmica das redes no cenário eleitoral, apontando erros comuns de campanhas virtuais, além de alertar para os riscos que essa ferramenta representa. "É preciso pensar em mobilização, fazendo com que as pessoas não só queiram comprar o produto, mas também transmitir aquilo adiante, pois o digital é um meio disseminador", reitera a especialista.
O DIA: As eleições de 2018 foram marcadas por uma importância inédita das redes sociais. Elas ainda terão peso este ano?
ELIS: As redes vão fazer cada vez mais sentido para o eleitor. Como já existem acordos entre o TSE e redes sociais — não de cerceamento, mas de acompanhamento de distribuição em massa e mentiras —, o campo está menos nebuloso do que no passado. Os políticos foram atrás das campanhas na rede porque muitos casos deram certo, infelizmente, algumas vezes pelo mal. Mas imaginamos que este ano haja mais monitoramento.
Qual é o maior erro dos políticos no uso das redes?
Muitos ainda aplicam no digital a mentalidade da campanha tradicional. As tomadas de decisão em relação ao digital ficam com quem não está habituado ao meio, enquanto os nativos digitais acabam só sendo usados como "peões", em vez de pensar a estratégia. Não dá certo: a mentalidade digital tem que ser 100%. É preciso pensar com a cabeça do eleitor usuário da rede para conseguir atingi-lo. Até hoje, vi pouquíssimas campanhas que já fizeram a transição. A extrema direita, por um lado, já é digital e sabe mover as pessoas usando o viés de confirmação. O campo progressista, por outro lado, está milênios atrás na comunicação.
O que marca uma boa postura e atuação no meio digital?
A primeira coisa é vender o político como um produto útil: é preciso lapidar para torná-lo mais acessível, entendendo as aflições do outro lado. O eleitor não vota na melhor pessoa do planeta, e sim em quem será capaz de atender suas necessidades. Outra coisa: política é time, torcida, é paixão. É preciso pensar em mobilização, fazendo com que as pessoas não só queiram "comprar" o produto, mas também transmitir aquilo adiante. O digital é disseminador, então cada pessoa tem que ser vista como um vetor. Além disso, falta ser menos prolixo. Nas redes, falar difícil significa não falar, as pessoas não dão atenção. Então é preciso ser objetivo, rápido e atingir a emoção em cheio.
Como se faz uma boa estratégia digital?
O ideal é começar um ano antes. É preciso fazer um diagnóstico, planejamento e mudar a identidade digital. Outro ponto é que os políticos precisam se familiarizar com a ferramenta para se apropriar das redes — que devem ser feitas de 30% a 40% por eles. Isso requer disciplina, para conhecer a linguagem e a estratégia.
Como as contas falsas e robôs influenciam o debate político?
Esse é um dos maiores problemas. Os especialistas imaginam que cerca de 40% dos seguidores são bots. A indústria em torno disso é tão grande que todos fecham os olhos, já que os patrocínios são feitos em torno do número de seguidores. Atualmente, os robôs têm capacidade de se comportar como uma pessoa, fazendo comentários e elogios. Há quem recorra ao impulsionamento de visualizações, mas é uma estratégia ruim, pois dá ao candidato uma impressão errada sobre seu alcance. E pode resultar em frustração, já que bot não vota.
E qual o perigo do uso político da internet para a sociedade?
É a destruição do conceito de democracia. Antes, acreditávamos que a internet era um bem para a humanidade. E realmente foi, até que começou a ser testada como ferramenta antidemocrática e isso se espalhou pelo mundo. Ou acreditamos nas nossas instituições — e elas têm que ser fortes para impor limites — ou vai ser cada vez mais difícil evitar que a sociedade se torne não-democrática. Cada pessoa é um vetor de educação digital para o próximo. Precisamos ensiná-las a checar informações e conscientizá-las de que na internet há interesses por trás dessa disseminação.
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