Publicado 03/10/2022 09:00
Casos de violência política, apologia ao nazismo e outros atentados têm sido crescentes no Brasil. Por isso, o autor Joe Mulhall foi convidado para falar, em entrevista a O DIA, sobre as características do extremismo e os perigos da intolerância. Em seu último livro "Tambores à distância: viagem ao centro da extrema direita mundial", o jornalista fala sobre o que testemunhou ao se infiltrar na Ku Klux Klan, marchar com neonazistas, estudar os Estados Unidos de Trump e a expansão do Estado Islâmico. "Líderes vão espalhar informações falsas e abalar a fé da população nessas instituições, fazendo as pessoas pensarem que a democracia não funciona para elas", ressalta.
O DIA: Quais são as características dos movimentos de ultradireita?
JOE: Ultradireita é um termo amplo, que vai desde a direita populista radical até os neonazistas. Eles compartilham um senso de a nação estar em crise, de precisar ser salva e reconstruída. Essencialmente, se veem como patriotas, e acreditam que o próprio país é o melhor de todos. Além disso, agem contra um "inimigo" percebido, como os judeus, muçulmanos ou mesmo os povos originários. Para eles, a nação é apenas um grupo específico de pessoas, que não inclui todos os que geograficamente moram lá. Também há uma misoginia profunda: as mulheres não são tratadas como iguais, e há repulsa por aquilo que é tido como uma quebra dos papéis tradicionais de gênero. Quando esses elementos são combinados, temos a ultradireita.
Você diria que o mundo está se tornando mais extremista?
O mundo sempre teve extremos, mas pode-se observar um crescimento da ultradireita nas últimas duas décadas, em vários países ao mesmo tempo. A exemplo da ascensão do Trump nos Estados Unidos, do Modi na Índia, ou na Polônia, Hungria e, agora, Itália. A diferença é que muitos países grandes começaram a se embrenhar na política ultradireitista.
Como o extremismo afeta a sociedade como um todo?
Quando a extrema direita está no poder, algumas coisas acontecem para sabotar as instituições democráticas. Primeiro, eles são eleitos e mantêm as eleições, embora não acreditem nelas. Depois, usam o poder para atacar comunidades marginalizadas — como a LGBTQIA+ — e erodir avanços democráticos, como as políticas raciais.
O que acontece quando as bases da sociedade são questionadas?
Uma vez que isso acontece, é difícil voltar atrás. Líderes vão espalhar informações falsas e abalar a fé da população nessas instituições, fazendo as pessoas pensarem que a democracia não funciona para elas. Pela história, sabemos que esse é o primeiro estágio: descredibilizar a democracia, abrindo caminho para a permanência no poder.
É fácil radicalizar alguém? Pessoas próximas podem evitar?
Os obstáculos para se juntar a movimentos de ultradireita estão diminuindo. Antes, você teria que viver no mesmo lugar para ver os protestos ou ler o material — mas agora você pode acompanhar o conteúdo de alguém que está em Londres, ou nos Estados Unidos. Isso significa que os meios estão mais acessíveis, então você pode ser um extremista em qualquer lugar do mundo. As redes sociais têm responsabilidade enorme nesse sentido, pois ainda falham na missão de restringir conteúdo de ódio — precisamos que as pessoas parem de consumir isso. No plano pessoal, para resgatar alguém do extremismo, precisa achar um mensageiro em que a pessoa confie. Normalmente, esses grupos fazem oposição às mídias tradicionais, então uma matéria de jornal não será a luz no fim do túnel.
O que a sociedade pode fazer para conter o extremismo?
Existem várias formas. Pessoas odeiam quem elas não conhecem. Então, se você vive em uma comunidade em que diferentes grupos compartilham o mesmo senso de identidade, o ódio não vai prevalecer. Os grandes partidos políticos têm que fazer a sua parte: ouvir e dar voz à população, interagir com ela. Assim, as pessoas não terão por que recorrer a essas "alternativas". E vale ressaltar: extremistas são pintados como monstros, mas na verdade são exatamente como nós. Só lembrando que esses grupos convencem pessoas normais a fazerem coisas horríveis, é que podemos de fato reverter a situação.
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