Oswaldo Munteal, doutor em História SocialArquivo Pessoal
Publicado 31/10/2022 09:00
Depois de um segundo turno acirrado, para ajudar a entender o atual cenário político e como superar os desafios de um país polarizado, o professor de História da UERJ nos convida a uma reflexão envolvendo o passado do Brasil até a contemporaneidade. Oswaldo Munteal conta, em entrevista a O DIA, como foi o processo envolvendo o golpe militar, a redemocratização, e como isso se relaciona à eleição de 2022. Além disso, o professor ponta caminhos para o debate de Segurança Pública na política. "O processo de redemocratização foi importante para tomar consciência de seus direitos, mas ainda estamos muito na infância da nossa democracia".
Estas eleições foram as mais acirradas? De onde vem essa sensação?
Não, acredito que a disputa mais acirrada foi entre o Collor e o Lula, em 1989. Também tivemos a da Dilma contra o Aécio e, agora, do Lula contra o Bolsonaro. O PT tem sido um partido que está sempre protagonizando as disputas. Mas acredito que essa sensação se relacione à agenda dos costumes imposta pelo atual presidente — que envolve questões raciais, LGBTs, de drogas, aborto, por exemplo. Isso colocou a oposição do governo dele muito na defensiva. Outro aspecto que contribui para o acirramento é a política econômica. O debate Bolsa Família versus Auxílio Brasil. Além disso, a agressividade do presidente Bolsonaro e a capacidade retórica do ex-presidente Lula. Os dois são bons oradores para os respectivos públicos.
Como o senhor avalia o estado da sociedade no momento do golpe de 1964?
O que eu considero é que a sociedade estava desorganizada para contrapor a força de golpe. O governo do presidente Goulart tinha alta aprovação — ele caiu por causa de suas qualidades, e não de seus defeitos. O que o derrubou foi a defesa das reformas de base, um plano de governo que incluía reforma agrária, reforma fiscal, taxação das grandes fortunas, reformas universitárias, entre outros. O Brasil naquele momento não tinha nem partido de oposição — nós não tínhamos condições logísticas, ideológicas e organização de sociedade para contrapor o regime militar.
O que mudou na sociedade entre 1964 e 1985 para pavimentar a redemocratização?
O enorme desgaste do regime militar, da república dos generais, e a crescente inflação. Além disso, havia uma pressão no Congresso Nacional: tínhamos dois partidos, o dos militares (Arena) e o MDB. A política externa também contribuiu. Aconteceu uma redemocratização patrocinada pelos EUA: o presidente Carter estava falando de defesa dos direitos humanos no mundo inteiro. A arte se manifestou, a sociedade tomou mais corpo, houve a crise do petróleo entre 1973 e 1974. E, claro, a luta pelas Diretas Já. No palanque, falavam: "Todo poder emana do povo e perante ele será governado".
O que podemos aprender com a História para reunir uma sociedade dividida?
A história do Brasil é muito baseada no consenso — temos grande capacidade de absorver a derrota e transformar isso em acordo. Tratando-se de uma sociedade tão despolitizada, acredito que não vai ser tão difícil reunir todo mundo. A polarização vai se esgotar; logo, ninguém mais vai falar de esquerda ou direita, segunda-feira é dia de trabalhar. O processo de redemocratização foi importante para tomar consciência de seus direitos, mas ainda estamos na infância da nossa democracia. Há muito senso comum e uma rasa uma percepção sobre esquerda e direita.
Qual o papel da Segurança Pública no acirramento político?
Influencia a imagem que os candidatos projetam. Como a população brasileira considera muito a imagem, o Bolsonaro assumiu muito um xerifão, enquanto o Lula mira no paizão: a segurança dele é a alimentar. Os dois candidatos fugiram muito do tema de segurança pública, que é um ponto sensível para a esquerda e abominável para a direita. O Bolsonaro fala muito de arma e bandido, mas nunca de políticas públicas. Nesse debate, a gente só consegue chegar a estratégias com o diálogo — é o caminho ideal para atingirmos os batalhões, os quartéis. Porque a desmilitarização da polícia jamais acontecerá. É um caso de Estado: devemos procurar soluções não só de combate ao crime, mas de acesso das pessoas à máquina pública.
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