Psicóloga Lívia MarquesDivulgação
Publicado 05/12/2022 09:00 | Atualizado 05/12/2022 15:29
Em um período eleitoral de ânimos inflamados, pôde-se perceber que o cenário político influencia diretamente na saúde mental da população. Para ajudar a entender quais impactos psicológicos surgiram a partir da polarização e explicar como retomar relações que foram prejudicadas nesse período, a psicóloga Lívia Marques, que exerce atividade clínica há mais de 14 anos, conversa com O DIA. A discussão também aborda a necessidade de empatia no sistema democrático e o recorte racial das eleições deste ano: "As pessoas que não têm lugar de voz são as mais afetadas, pois estão no estresse de minorias".
O DIA: A senhora notou uma diferença em como a política afetou a saúde mental nas eleições?
LÍVIA: Deu pra perceber uma diferença em relação à ansiedade disfuncional, aquela que causa perdas no dia a dia. Percebemos um lugar de angústia e mau processamento de emoções. Por exemplo, a raiva e o ódio surgiram sem que houvesse possibilidade de diálogo.
Como ficou a discussão racial nesse tempo de eleição?
As pessoas que não têm lugar de voz são as mais afetadas, pois estão no estresse de minorias. Quando falamos de racismo estrutural e genocídio percebemos o impacto nessa população. Além disso, temos as operações policiais nas comunidades, a falta do Estado em alguns lugares… A maior parte da população periférica é negra. Outro exemplo é o dos indígenas, com apropriação de terras, perseguição e desmatamento. O próximo governo precisa conversar com o povo. Diversidade não é manter homens cisgênero brancos nos lugares de decisão. Política é feita no dia a dia, por pessoas que constroem diálogo, possibilidades e empatia. Precisamos pensar na nossa construção.
O que explica os bloqueios das rodovias e pessoas acampadas em quartéis pedindo intervenção militar?
Foi uma mobilização de pessoas que não concordaram com os resultados, mesmo que as urnas tenham sido conferidas. E tiveram pessoas pedindo "intervenção psiquiátrica já". A gente precisa separar o que é doença e discurso antidemocrático. A pessoa estar adoecida não é um aval para cometer crimes. Então, é preciso analisar caso a caso para trazer funcionalidade. Pensando nos discursos propagados, quando se fala em "destruição da família brasileira", é interessante questionar: quais famílias estão sendo ameaçadas? Quem está sendo incluído e quem está sendo excluído?
Como as famílias que passaram por brigas internas causadas pelas eleições podem se reconciliar?
Vamos precisar perceber que cada um tem seus limites. O que desenvolvemos ao longo da vida é a possibilidade de contorná-los: traçar até onde posso ir até onde o outro pode vir. É necessário ser empático e, para além disso, pensar quais relações ainda fazem sentido. Devemos investigar nossos desejos: o quanto eu quero isso? O quanto eu consigo parar para ouvir as pessoas? O quanto eu estou disponível a construir? Faz parte do processo entender que limite não é agredir o outro. É exatamente esse o ponto: empatia. E isso não quer dizer abaixar a cabeça, mas entender o equilíbrio.
A Copa do Mundo é uma oportunidade para refazer laços?
O Brasil tem a tradição de Copa do Mundo e o futebol fala sobre pessoas que estão em grupos periféricos, que não têm oportunidades. Além disso, futebol também é festa. Pode proporcionar união de crianças, ajudar a retomar o abraço quando sai o gol e a perceber que programas sociais são importantes para darmos um gás nesses lugares periféricos, investir mais nesses lugares. É um momento de comemoração e de acreditar que todos somos pessoas possíveis. Vi muita gente no dilema: bota ou não bota a blusa do Brasil, que foi apropriada na eleição pelo eleitorado de direita? Estamos vendo o que podemos fazer, mantendo o respeito, aprendendo a lidar com a frustração.
Como fazer com que as pessoas se sintam seguras novamente dentro da democracia?
O país ficou muito polarizado. O caminho é o diálogo e as configurações de limites — do meu e do outro. Eu não tenho como deixar a inclusão de lado quando penso sobre democracia, nem a Constituição de lado quando penso em redemocratização.
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