Michele Prado, autora, pesquisadora e integrante do Stop Hate BrasilArquivo pessoal
Publicado 22/05/2023 09:00
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Autora do livro "Tempestade digital", Michele Prado é integrante da iniciativa Stop Hate Brasil, de prevenção à radicalização online. Ela também faz parte do grupo de pesquisa Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, e busca se especializar no radicalismo ideologicamente motivado. No recente trabalho "Extremismo violento e não-violento e terrorismo online", explora as práticas de grupos radicais em aplicativos de mensageria. Em entrevista a O DIA, Prado fala sobre suas observações. "Falta mais foco no combate ao extremismo no país, como uma lista de radicais, capacitação de agências de segurança e investimento em estratégias de prevenção".
O DIA: Quais as características do extremismo do século 21?
Michele: O extremismo atual não possui hierarquia rígida nem líderes definidos. Há uma tendência crescente de ambiguidade e falta de filiação ideológica clara. As pessoas constroem uma "salada" de ideologias, selecionando e combinando elementos que se encaixam em suas queixas e visões de mundo. E a disseminação de conteúdos extremistas pela internet potencializou esse cenário: mesmo alguém num lugar isolado pode se radicalizar e realizar atos violentos, ainda que não esteja formalmente ligado a um grupo. Aqui no país mesmo, tivemos uma adolescente alvo de busca e apreensão que estava em processo de ideação de atentado contra uma escola. Era uma menina negra que se autorradicalizou online e desenvolveu simpatia pelo neonazismo: um paradoxo. Isso revela o desafio que é prevenir e aplicar a lei diante desse extremismo fluido e descentralizado.
Por que adolescentes e pessoas acima de 60 anos estão mais vulneráveis à radicalização?
Os adolescentes estão mais suscetíveis devido à busca por identidade e aceitação social. Tem ainda a pouca familiaridade com eventos históricos, que diminui a resistência a conteúdos de ódio. Além disso, nos últimos anos enfrentamos uma pandemia que interrompeu o contato social direto. Essa falta de exposição a diferentes perspectivas aumentou a propensão à manipulação para o envolvimento com conteúdo extremista. E no caso das pessoas acima de 60 anos, alguns acabam diminuindo o contato social após a aposentadoria, buscando refúgio nas conexões online, o que pode levar ao isolamento em bolhas de informações, onde teorias conspiratórias e narrativas extremistas se propagam.
Por que alguns grupos extremistas usam termos e processos inspirados em jogos?
Não é nem o jogo em si que causa a radicalização: o risco vem da construção de comunidades online. Nos chats, agentes maliciosos podem se aproveitar do anonimato para lançar iscas que influenciam e manipulam jovens mais vulneráveis, promovendo ideias extremistas. A pessoa vai consumindo aquele conteúdo violento e, gradativamente, perde a sensibilidade. E a indústria gamer é muito menos colaborativa do que as plataformas. Só duas grandes empresas produzem relatórios de transparência com perfis derrubados: a WildLife e o Xbox.
Como a legislação deveria tratar os canais privados de mensageria?
Antes de qualquer regra local, as plataformas deveriam modificar seus produtos, por exemplo, limitando as ações de criminosos diante de evidências empíricas do planejamento de um ato violento. Muitos têm uma percepção equivocada de que o ambiente online está separado da vida real. No Brasil, o projeto de lei da regulamentação das plataformas (o PL das Fake News) ajuda a reduzir o problema, mas não resolve completamente. Há muitas lacunas no combate ao terrorismo em nosso país, como a falta de uma lista das organizações radicais. Também é preciso capacitar agências de segurança e investir em pesquisas. Reconhecemos que o extremismo sempre existirá e os agentes maliciosos sempre buscarão alternativas para disseminar o ódio. Portanto, é crucial analisar essas falhas para desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção e combate. Muitos contrários à regulamentação alegam que "já existem dispositivos legais" para lidar com isso, mas, na prática, sequer é possível abrir certos inquéritos justamente pela falta de uma lista de organizações terroristas proscritas. No contexto presencial, as pessoas costumam respeitar o contrato social e seguir as regras, mas na internet acham que são inalcançáveis.
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