Mônica Alexandre, subsecretária-adjunta da OAB-RJ e presidente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas (Acat)Thiago Fantoni
Publicado 05/06/2023 09:00
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Primeira negra na diretoria da OAB-RJ, Mônica Alexandre é responsável pelo primeiro censo da Seccional, além de presidir a Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas. Oriunda de uma favela na Ilha do Governador, foi a primeira da família a frequentar uma faculdade, e possui duas graduações: em Direito e História. Focada na luta social, escreveu "Trazendo Carolina Maria de Jesus para o Direito", que reúne artigos de 15 advogadas, inspirados nas obras de Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do país. Em entrevista a O DIA, a carioca fala da importância da autora. "Ela representa a luta das mulheres negras, e sua voz é crucial para nos expressarmos".
O DIA: Qual é o peso de ser uma pioneira?
Mônica: Há uma expectativa bem alta e a margem para erros é muito menor. E como mulher preta, as questões de gênero e raça se tornam ainda mais relevantes. A pressão e a dor são intensas quando cometemos falhas, pois não temos um apoio. Para lidar com isso, faço terapia regularmente. Também me conecto profundamente com minha ancestralidade e religiosidade, sabendo que não estou aqui por acaso. É fácil pensar em abandonar tudo. Porém, resgato uma grande força quando penso no impacto que posso causar como exemplo para pequenas garotinhas ou jovens estudantes de Direito.
Como é ser a primeira mulher negra na diretoria da OAB-RJ?
É uma responsabilidade muito grande, e por ser negra, enfrentei desafios como ter meus votos questionados e ser constantemente sabatinada, coisa que meus colegas brancos não viviam. Muitas vezes, colocavam em dúvida a minha capacidade técnica para estar lá, o que era extremamente doloroso para mim. Embora agora haja mais advogadas na OAB, ainda somos minoria. Por isso, defendo a importância das cotas e da paridade. Como parte dos meus planos para ver mudanças no campo jurídico, escrevi "Trazendo Carolina Maria de Jesus para o Direito", coletânea que visa ampliar nossa representatividade e fortalecer nossa voz.
Qual é o efeito de a OAB pautar a diversidade internamente?
Há mais de 90 anos de Ordem nunca houve uma mulher na diretoria, portanto, ocupar esse espaço é um grande avanço, tanto simbólica quanto politicamente. Dentro da advocacia, lidar com questões de gênero é um desafio contínuo. Trata-se de um ambiente predominantemente masculino, competitivo, que sempre foi muito vedado às mulheres. Quando defendemos uma tese diferente, muitas vezes somos silenciadas: os homens desligam o microfone, gritam e minimizam nossas posições como "mimimi". Para garantir que nossas teses prevaleçam, precisamos nos unir e dialogar individualmente para conquistar os votos necessários.
Como surgiu a ideia de idealizar um Censo da OAB-RJ?
A ideia surgiu para mostrar que a Ordem não é uma elite, composta só de brancos e ricos. A iniciativa, apoiada pelo Conselho Federal da OAB, busca conhecer e trabalhar com minorias, compreendendo suas demandas. Há falta de acessibilidade e representatividade nas subseções, inclusive com jovens enfrentando dificuldades no mercado de trabalho e idosos sendo excluídos por falta de habilidades tecnológicas. Por meio do Censo é possível pleitear mudanças focadas nos grupos com maiores demandas, como fornecimento de apoio a advogados cegos e surdos, por exemplo. Vai além de "contar pessoas": é uma oportunidade de quebrar paradigmas.
Ao seu ver, qual é a importância de advogados lerem Carolina Maria de Jesus?
As obras dela são um soco no estômago para muitos de meus pares que desconhecem a realidade das favelas. Ela relata nosso cotidiano e representa a luta das mulheres negras. Sua voz é crucial para expressarmos nossos tormentos e destacarmos nossa capacidade intelectual. Mas, para brancos, é uma desconhecida em sua maioria. O apagamento de nós, negros, é muito grande. Inclusive, na semana passada, durante um jantar após um congresso em Goiânia, passei por um caso de racismo velado que evidencia isso. Sendo a única negra no restaurante, fui abordada por uma mulher loira que me questionou sobre onde poderia sentar, mesmo eu estando vestida de forma colorida e africanizada, enquanto a garçonete — branca — ao meu lado usava uniforme. Se você não está preparado psicologicamente, isso é uma dor.
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