Publicado 16/10/2023 05:00
Aspásia Brasileiro Alcântara de Camargo é professora, socióloga e importante militante dos quadros do tucanato fluminense. Foi secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No estado, foi secretária de Cultura no governo Moreira Franco, na década de 1980. Ainda exerceu os mandatos de deputada Estadual e vereadora da capital por duas vezes. Em entrevista à coluna, Aspásia refletiu sobre o Rio, milícias, meio ambiente e o atual momento da democracia brasileira. "O regime democrático entrou em descenso e nossa democracia se resume hoje às promessas de campanha eleitoral. Temos muita eleição e pouco governo e a representação política se degradou com a tomada do poder pelos clãns familiares que passam de pai para filho. Cometemos ainda neste ciclo descendente da democracia dois graves erros; não disciplinar os partidos políticos e desprezar a modernização de nossa economia produtiva que vem sendo vítima da desindustrialização".
A senhora já deu grande contribuição para a implementação da democracia em nosso país. O que houve com o PSDB? Por que a agremiação no Rio de Janeiro nunca conseguiu o espaço regional que obteve nacionalmente?
O regime democrático entrou em descenso e nossa democracia se resume hoje às promessas de campanha eleitoral. Temos muita eleição e pouco governo e a representação política se degradou com a tomada do poder pelos clans familiares que passam de pai para filho. Cometemos ainda neste ciclo descendente da democracia dois graves erros: o primeiro foi não disciplinar os partidos políticos, que se multiplicaram como metástases e em benefício próprio, agora com farta mesada que estimula o fisiologismo desbragado. Fomos e continuamos a ser uma democracia do troca-troca patrimonial. O segundo erro foi desprezar a modernização de nossa economia improdutiva que vem sendo vítima da desindustrialização. Nossas elites desprezaram a inovação tecnológica e a boa educação. Será que vamos perder agora uma segunda chance de nos integrar ao mundo da era digital? Só uma urgente reforma política pode nos salvar. O que houve com o PSDB? Nada diferente do que ocorreu com os outros partidos que surgem com a democracia e que, no curso dos anos, foram vítimas da crise partidária brasileira. Alguns definharam, outros morreram, fundindo-se com “partidos mutantes”, sem programa e sem rumo. O MDB encolheu; o PFL desapareceu; e o PSDB levou um tombo nas eleições de 2018, ao pretender disputar a presidência liderando um centro indefinido, conservador e imobilista. Mesmo o PT de Lula é uma sombra do passado. Não tem prefeituras de capital e dispõe apenas de uma frágil minoria no Congresso. Falta vitalidade e dinamismo ao governo que prefere mirar no retrovisor. Por isso continuo apostando no PSDB e em sua vocação para as reformas que podem salvar nossa democracia da insolvência. Partidos e nações podem rejuvenescer, e este tem sido o mantra de Xi Jiping ao tentar restaurar a China imperial. Eu aposto no rejuvenescimento dos partidos e do PSDB, que propõe ao Brasil uma nova economia para liderar um novo ciclo de desenvolvimento, mantendo a sua marca de bom gestor das políticas públicas. Por o PSDB nunca prosperou no Rio? Porque seu núcleo hegemônico sempre foi São Paulo, onde ele nasceu. As prévias de 2022 foram um confronto de São Paulo contra um candidato que vinha do Sul do Brasil. Ser o “samba de uma nota só” foi um equívoco que não devemos repetir. O PSDB precisa do Rio de Janeiro, do Nordeste, de Raquel Lyra, da Amazônia, de Artur Virgílio, do Sul e do Centro Oeste, hoje bem representados. Ele precisa estar presente em todo o Brasil. O PSDB nunca penetrou como devia no Rio de Janeiro porque permanecemos embalsamados pela nostalgia do passado, sob a influência do velho PTB e do brizolismo que tentou ressuscitar com a redemocratização, mas fracassou. O Rio já não era mais a caixa de ressonância política do Brasil. E, de lá para cá, nosso isolamento político nos distanciou do Brasil e de Brasília. Nossa classe política estagnou e retrocedeu ao passado. O estado e a cidade vêm decaindo no ranking da economia brasileira. É hora de mudar de rumo e de propor a criação de uma cidade federal semelhante a outras cidades do mundo: Hamburgo, Dresden, São Petersburgo e até Buenos Aires. Só um pacto federativo poderia reconstruir a economia regional e a governança de uma cidade e um estado esquartejados entre os poderes, federal, estadual e municipal que rivalizam e não cooperam uns com os outros.
O Rio de Janeiro vive uma eterna crise política, econômica e de identidade diante do país. Por que isso acontece e como sair dessa situação?
A crise de identidade começou com a mudança da capital e se agravou com a fusão, iniciando uma decadência econômica e política que se instalou com governantes despreparados para inovar na economia e para defender os interesses do Rio em Brasília. A mudança da capital e a criação de um novo estado (1975) teriam exigido altos investimentos, como ocorreu na Alemanha, que apostou 300 bilhões de euros em sua unificação. Nós, ao contrário, tivemos desinvestimentos, fuga de empresas, transferência do Banco Central, perda do mercado financeiro e da publicidade. E um irresponsável abandono da segurança publica por parte do governo federal. O Rio é uma cidade ocupada, onde o aeroporto Santos Dumont e a área portuária engordam os cofres do clientelismo politico federal. O governo federal nos apagou de seu mapa politico, e nós mesmos não sabemos aproveitar nossa exuberante capacidade criativa.
A imagem do Rio está muito identificada com a ação de traficantes e milicianos. Como romper esse binômio da criminalidade?
Foi no Rio que tudo começou, mas agora o câncer da violência se espalhou como metástase pelo Brasil - e quem comanda este processo é o PCC de São Paulo, sempre mais empresarial do que os outros. O Estado brasileiro perdeu a mais nobre de suas funções: o controle de seu território, e a culpa desta tragédia é a omissão federal, que sempre atribuiu equivocadamente aos estados a função de combater contrabando, drogas e armas - e que é exclusivamente sua. É urgente criar no Brasil uma força federal de segurança semelhante ao FBI, que acabou com as gangs americanas dos anos 30. Geraldo Alckmin propôs uma guarda nacional nas eleições de 2018, mas não foi ouvido. E por que não investimos pesadamente em tecnologias de segurança capazes de reduzir e controlar o crime? Hoje tráfico e milicias estão tomando o poder, e, em breve, seremos, talvez, obrigados a negociar abertamente com eles, como fez a Colômbia com as FARC. Por enquanto, os políticos estão sendo obrigados a conviver com eles em suas campanhas eleitorais. Pobre democracia! A polícia é a Jenny que todos criticam, dividida entre civis e militares, ganhando parcos salários e trabalhando em horário irregular; morrendo muito e vivendo de bico. Seria recomendável reestruturar toda organização policial, mas o corporativismo resiste, e que governo democrático ousaria fazê-lo? Mais um ponto inquietante da fragilidade democrática.
A senhora tem dito que há uma crise metropolitana e que as cidades estão desorganizadas pelo loteamento político. A senhora pode dar exemplos?
Adoramos inventar em leis como o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Metrópole, mas não conseguimos fazê-las funcionar. Entre nós, as boas leis em geral “não pegam”. Nosso federalismo é minimalista e protege as pequenas cidades, enquanto a população se concentra nas áreas metropolitanas, párias de nossa federação. Somos hoje líderes mundiais das chamadas Strong Cities, que exigem governança, fundos próprios e um tratamento especial que nunca tiveram. E os pequenos municípios precisam se aglutinar em torno de polos dinâmicos nas “regiões de desenvolvimento”. Essa é outra reforma de nosso federalismo que não podemos postergar.
A sua biografia está identificada com o meio ambiente. Qual deveria ser a agenda ambiental para este momento que o Rio deveria abraçar?
Tenho orgulho de ter sido a mãe do desenvolvimento sustentável ao presidir, em 1996, o Conselho de Desenvolvimento Sustentável que elaborou a Agenda 21, um fantástico documento que mobilizou cerca de 20 mil participantes, mas permaneceu na gaveta. Foi dali que surgiu uma nova visão da economia verde com inclusão social, depois consagrada na Rio +20, e que se transformou nos 17 ODS e na ESG, que está revolucionando as empresas. Desde a crise de 2008, venho defendendo um New Deal Verde, capaz de ativar a economia e ressuscitar o desenvolvimento que perdemos, mas agora em bases sustentáveis. Estamos indo para o bom caminho com a economia verde, mas precisamos ser pragmáticos para não perder o bonde da história. Aguardamos, impacientes, a Bolsa de Valores Verde do Rio que o governo do estado pretende em breve anunciar.
O Rio de Janeiro tinha viés progressista no passado, mas permitiu a chegada com força da direita. O que houve?
Nunca fomos tão “progressistas” assim. Frequentamos assiduamente o centro conservador e a direita. Tivemos Carlos Lacerda, Negrão de Lima; Chagas Freitas e o seu MDB adesista; e aquele fascínio por Brizola, que era trabalhista, mas namorou o presidente Figueiredo e o presidente Collor. Brizola gerou dissidências ao centro, como Marcelo Alencar, que migrou para o PSDB; e Cesar Maia, que aderiu ao PFL. Eduardo Paes sempre esteve ao centro, mas agora este centro ficou tão insosso que não sabemos qual é o seu verdadeiro lugar. Brizola e sua vontade de ser presidente isolaram o Rio da Aliança Democrática, agravando nossa desindustrialização e o empobrecimento das últimas décadas. Somos bajuladores e apoiamos qualquer governo federal, quando não brigamos com eles! Nossa alma insurgente também continua em estado latente, ora denunciando “o sistema”, ora subordinando-se a ele. Sofremos a “doença infantil do esquerdismo”. As tendências radicais mais recentes aparecem como vingança simbólica do povo indefeso contra governos ineficientes e oligárquicos, que praticam a corrupção endêmica.
O bolsonarismo terá chances de vitória na eleição do ano que vem?
Tudo é possível, mas o fato é que mais da metade da população rejeita o radicalismo e está na orfandade. Precisamos conquistá-la para o centro político democrático. Existe um descontentamento profundo da população com nossa viciada classe política, que insiste em vender a ideia de que tudo vai bem diante de um país que não cresce e do caos de nossas cidades. No Rio, vemos despontar à direita um candidato bem preparado, como Carlos Portinho; e, à esquerda, um libertário como Tarcísio Motta. O prefeito Eduardo Paes é uma força gravitacional, que engole os partidos à sua volta, no toma-lá-dá-cá de um ecossistema político clientelista. Mas isso não é bom para o seu governo: grandes coalizões de governo são politicamente débeis e imobilistas, porque quanto maior o número dos que conseguem subir na mesma carroça, mais lentamente ela anda. De minha parte, continuo descrente de partidos que muito prometem, mas que até aqui foram incapazes de liderar importantes e boas reformas. Aposto em um candidato do centro democrático para discutir seriamente um novo ciclo de desenvolvimento para o Rio de Janeiro. Creio também que só um choque tecnológico seria capaz de incinerar rapidamente o velho clientelismo, em favor da boa educação e de uma nova economia.
O regime democrático entrou em descenso e nossa democracia se resume hoje às promessas de campanha eleitoral. Temos muita eleição e pouco governo e a representação política se degradou com a tomada do poder pelos clans familiares que passam de pai para filho. Cometemos ainda neste ciclo descendente da democracia dois graves erros: o primeiro foi não disciplinar os partidos políticos, que se multiplicaram como metástases e em benefício próprio, agora com farta mesada que estimula o fisiologismo desbragado. Fomos e continuamos a ser uma democracia do troca-troca patrimonial. O segundo erro foi desprezar a modernização de nossa economia improdutiva que vem sendo vítima da desindustrialização. Nossas elites desprezaram a inovação tecnológica e a boa educação. Será que vamos perder agora uma segunda chance de nos integrar ao mundo da era digital? Só uma urgente reforma política pode nos salvar. O que houve com o PSDB? Nada diferente do que ocorreu com os outros partidos que surgem com a democracia e que, no curso dos anos, foram vítimas da crise partidária brasileira. Alguns definharam, outros morreram, fundindo-se com “partidos mutantes”, sem programa e sem rumo. O MDB encolheu; o PFL desapareceu; e o PSDB levou um tombo nas eleições de 2018, ao pretender disputar a presidência liderando um centro indefinido, conservador e imobilista. Mesmo o PT de Lula é uma sombra do passado. Não tem prefeituras de capital e dispõe apenas de uma frágil minoria no Congresso. Falta vitalidade e dinamismo ao governo que prefere mirar no retrovisor. Por isso continuo apostando no PSDB e em sua vocação para as reformas que podem salvar nossa democracia da insolvência. Partidos e nações podem rejuvenescer, e este tem sido o mantra de Xi Jiping ao tentar restaurar a China imperial. Eu aposto no rejuvenescimento dos partidos e do PSDB, que propõe ao Brasil uma nova economia para liderar um novo ciclo de desenvolvimento, mantendo a sua marca de bom gestor das políticas públicas. Por o PSDB nunca prosperou no Rio? Porque seu núcleo hegemônico sempre foi São Paulo, onde ele nasceu. As prévias de 2022 foram um confronto de São Paulo contra um candidato que vinha do Sul do Brasil. Ser o “samba de uma nota só” foi um equívoco que não devemos repetir. O PSDB precisa do Rio de Janeiro, do Nordeste, de Raquel Lyra, da Amazônia, de Artur Virgílio, do Sul e do Centro Oeste, hoje bem representados. Ele precisa estar presente em todo o Brasil. O PSDB nunca penetrou como devia no Rio de Janeiro porque permanecemos embalsamados pela nostalgia do passado, sob a influência do velho PTB e do brizolismo que tentou ressuscitar com a redemocratização, mas fracassou. O Rio já não era mais a caixa de ressonância política do Brasil. E, de lá para cá, nosso isolamento político nos distanciou do Brasil e de Brasília. Nossa classe política estagnou e retrocedeu ao passado. O estado e a cidade vêm decaindo no ranking da economia brasileira. É hora de mudar de rumo e de propor a criação de uma cidade federal semelhante a outras cidades do mundo: Hamburgo, Dresden, São Petersburgo e até Buenos Aires. Só um pacto federativo poderia reconstruir a economia regional e a governança de uma cidade e um estado esquartejados entre os poderes, federal, estadual e municipal que rivalizam e não cooperam uns com os outros.
O Rio de Janeiro vive uma eterna crise política, econômica e de identidade diante do país. Por que isso acontece e como sair dessa situação?
A crise de identidade começou com a mudança da capital e se agravou com a fusão, iniciando uma decadência econômica e política que se instalou com governantes despreparados para inovar na economia e para defender os interesses do Rio em Brasília. A mudança da capital e a criação de um novo estado (1975) teriam exigido altos investimentos, como ocorreu na Alemanha, que apostou 300 bilhões de euros em sua unificação. Nós, ao contrário, tivemos desinvestimentos, fuga de empresas, transferência do Banco Central, perda do mercado financeiro e da publicidade. E um irresponsável abandono da segurança publica por parte do governo federal. O Rio é uma cidade ocupada, onde o aeroporto Santos Dumont e a área portuária engordam os cofres do clientelismo politico federal. O governo federal nos apagou de seu mapa politico, e nós mesmos não sabemos aproveitar nossa exuberante capacidade criativa.
A imagem do Rio está muito identificada com a ação de traficantes e milicianos. Como romper esse binômio da criminalidade?
Foi no Rio que tudo começou, mas agora o câncer da violência se espalhou como metástase pelo Brasil - e quem comanda este processo é o PCC de São Paulo, sempre mais empresarial do que os outros. O Estado brasileiro perdeu a mais nobre de suas funções: o controle de seu território, e a culpa desta tragédia é a omissão federal, que sempre atribuiu equivocadamente aos estados a função de combater contrabando, drogas e armas - e que é exclusivamente sua. É urgente criar no Brasil uma força federal de segurança semelhante ao FBI, que acabou com as gangs americanas dos anos 30. Geraldo Alckmin propôs uma guarda nacional nas eleições de 2018, mas não foi ouvido. E por que não investimos pesadamente em tecnologias de segurança capazes de reduzir e controlar o crime? Hoje tráfico e milicias estão tomando o poder, e, em breve, seremos, talvez, obrigados a negociar abertamente com eles, como fez a Colômbia com as FARC. Por enquanto, os políticos estão sendo obrigados a conviver com eles em suas campanhas eleitorais. Pobre democracia! A polícia é a Jenny que todos criticam, dividida entre civis e militares, ganhando parcos salários e trabalhando em horário irregular; morrendo muito e vivendo de bico. Seria recomendável reestruturar toda organização policial, mas o corporativismo resiste, e que governo democrático ousaria fazê-lo? Mais um ponto inquietante da fragilidade democrática.
A senhora tem dito que há uma crise metropolitana e que as cidades estão desorganizadas pelo loteamento político. A senhora pode dar exemplos?
Adoramos inventar em leis como o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Metrópole, mas não conseguimos fazê-las funcionar. Entre nós, as boas leis em geral “não pegam”. Nosso federalismo é minimalista e protege as pequenas cidades, enquanto a população se concentra nas áreas metropolitanas, párias de nossa federação. Somos hoje líderes mundiais das chamadas Strong Cities, que exigem governança, fundos próprios e um tratamento especial que nunca tiveram. E os pequenos municípios precisam se aglutinar em torno de polos dinâmicos nas “regiões de desenvolvimento”. Essa é outra reforma de nosso federalismo que não podemos postergar.
A sua biografia está identificada com o meio ambiente. Qual deveria ser a agenda ambiental para este momento que o Rio deveria abraçar?
Tenho orgulho de ter sido a mãe do desenvolvimento sustentável ao presidir, em 1996, o Conselho de Desenvolvimento Sustentável que elaborou a Agenda 21, um fantástico documento que mobilizou cerca de 20 mil participantes, mas permaneceu na gaveta. Foi dali que surgiu uma nova visão da economia verde com inclusão social, depois consagrada na Rio +20, e que se transformou nos 17 ODS e na ESG, que está revolucionando as empresas. Desde a crise de 2008, venho defendendo um New Deal Verde, capaz de ativar a economia e ressuscitar o desenvolvimento que perdemos, mas agora em bases sustentáveis. Estamos indo para o bom caminho com a economia verde, mas precisamos ser pragmáticos para não perder o bonde da história. Aguardamos, impacientes, a Bolsa de Valores Verde do Rio que o governo do estado pretende em breve anunciar.
O Rio de Janeiro tinha viés progressista no passado, mas permitiu a chegada com força da direita. O que houve?
Nunca fomos tão “progressistas” assim. Frequentamos assiduamente o centro conservador e a direita. Tivemos Carlos Lacerda, Negrão de Lima; Chagas Freitas e o seu MDB adesista; e aquele fascínio por Brizola, que era trabalhista, mas namorou o presidente Figueiredo e o presidente Collor. Brizola gerou dissidências ao centro, como Marcelo Alencar, que migrou para o PSDB; e Cesar Maia, que aderiu ao PFL. Eduardo Paes sempre esteve ao centro, mas agora este centro ficou tão insosso que não sabemos qual é o seu verdadeiro lugar. Brizola e sua vontade de ser presidente isolaram o Rio da Aliança Democrática, agravando nossa desindustrialização e o empobrecimento das últimas décadas. Somos bajuladores e apoiamos qualquer governo federal, quando não brigamos com eles! Nossa alma insurgente também continua em estado latente, ora denunciando “o sistema”, ora subordinando-se a ele. Sofremos a “doença infantil do esquerdismo”. As tendências radicais mais recentes aparecem como vingança simbólica do povo indefeso contra governos ineficientes e oligárquicos, que praticam a corrupção endêmica.
O bolsonarismo terá chances de vitória na eleição do ano que vem?
Tudo é possível, mas o fato é que mais da metade da população rejeita o radicalismo e está na orfandade. Precisamos conquistá-la para o centro político democrático. Existe um descontentamento profundo da população com nossa viciada classe política, que insiste em vender a ideia de que tudo vai bem diante de um país que não cresce e do caos de nossas cidades. No Rio, vemos despontar à direita um candidato bem preparado, como Carlos Portinho; e, à esquerda, um libertário como Tarcísio Motta. O prefeito Eduardo Paes é uma força gravitacional, que engole os partidos à sua volta, no toma-lá-dá-cá de um ecossistema político clientelista. Mas isso não é bom para o seu governo: grandes coalizões de governo são politicamente débeis e imobilistas, porque quanto maior o número dos que conseguem subir na mesma carroça, mais lentamente ela anda. De minha parte, continuo descrente de partidos que muito prometem, mas que até aqui foram incapazes de liderar importantes e boas reformas. Aposto em um candidato do centro democrático para discutir seriamente um novo ciclo de desenvolvimento para o Rio de Janeiro. Creio também que só um choque tecnológico seria capaz de incinerar rapidamente o velho clientelismo, em favor da boa educação e de uma nova economia.
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