Publicado 01/04/2024 05:00
Reitor da UFRJ desde o ano passado, Roberto Medronho é graduado em medicina pela universidade, além de mestre e doutor pela Fiocruz. Em entrevista à coluna, Medronho falou sobre o déficit no orçamento que a instituição enfrenta. "Se não recebermos suplementação orçamentária, teremos verba para custeio apenas até julho", disse. O reitor falou ainda sobre o Parque Tecnológico da UFRJ, que "conta com empresas multinacionais e nacionais de todos os portes, além de startups oriundas das 4 incubadoras da UFRJ, onde têm encontrado um ambiente propício para o desenvolvimento de soluções inovadoras e a realização de pesquisas e desenvolvimento de alto impacto".
SIDNEY: Reitor, qual a situação orçamentária que o senhor e sua equipe encontram? Qual a grandeza dos 3 principais problemas?
ROBERTO MEDRONHO: Atualmente o custeio de nosso funcionamento anual envolve R$ 521 milhões, enquanto que nosso orçamento para isso continua sendo de apenas R$ 283 milhões, representando um déficit anual de R$ 238 milhões. Isso é claramente insuficiente para fecharmos o ano. Se não recebermos suplementação orçamentária, teremos verba para custeio apenas até julho. Não significa que a Universidade irá parar no meio do ano, pois deixaremos de incorrer em algumas despesas, para que cheguemos ao final do ano com aulas e pagando bolsas, terceirizados, alimentação e transporte estudantil, limpeza, vigilância e outras despesas essenciais ao nosso funcionamento. O grande problema é que anteriormente à nossa gestão, acertadamente a UFRJ já vinha cortando na carne para não fechar. O problema agora é que estamos cortando no osso. Ações fundamentais estão sendo muito reduzidas. Nossas despesas com água e energia neste ano estão estimadas em R$ 55 milhões e R$ 80 milhões, respectivamente, portanto é fundamental uma atenção maior a isso, pois se reduzirmos em 10% esse tipo de consumo, geramos R$ 13,5 milhões para outras despesas. Uma das mais importantes políticas de inclusão social, ao lado do Bolsa Família, foram as ações afirmativas. A demografia de nossos estudantes agora está bem mais semelhante à da população. Quem em sua grande maioria entrava na UFRJ? Aqueles que tinham recursos financeiros e estudavam em escolas particulares e/ou cursos preparatórios. Agora, não. Alunos negros, estudantes de escolas públicas e com situação socioeconômica mais vulnerável ocupam 50% das vagas. Isto é fantástico! Qual o problema atual? Verba para as ações de permanência destes alunos: bolsas, restaurantes universitários, residências estudantis entre outras ações. Nossa infraestrutura predial, de rede elétrica e de dados é muito preocupante. Há um estudo muito interessante feito pelo nosso Escritório Técnico da Universidade (ETU) que está analisando nossas edificações. Em 2023, foram analisados 514.816 m² (52%) da área dos espaços edificados utilizados pela UFRJ em suas atividades acadêmicas e administrativas. Desse quantitativo avaliado, 219.139 m² corresponde à área de bens imóveis da UFRJ que estão em estado de conservação considerado muito ruim, necessitando de reabilitação predial do tipo profunda para recuperar sua condição de segurança e habitabilidade. O que piora ainda mais a situação é que dos 18 imóveis que obtiveram índice que indica a necessidade de reabilitação predial do tipo profunda, 9 desses imóveis possuem tombamento em algum nível (federal, estadual ou municipal). Ou seja, precisamos da autorização destes órgãos para fazer as devidas intervenções e como são intervenções diferenciadas, isto encarece muito o processo de reabilitação. Por exemplo, temos uma decisão judicial transitada em julgado na qual o juiz determina que façamos a recuperação do HESFA (antigo Hospital Escola São Francisco de Assis, atual Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis). Abrimos um processo licitatório e nenhuma empresa se habilitou. Para recuperar essas edificações analisadas (lembrando que são apenas 52% do total), foi estimado um investimento no valor de R$ 795.781.041,00. Dessa estimativa, R$ 567.354.439,00 (71%) seriam o necessário para reabilitar as anomalias do tipo grave que representam situações de risco imediato para os usuários dos imóveis. Infelizmente, como o nosso orçamento tem sido historicamente insuficiente, despesas de um ano são transferidas para anos seguintes. Pior, serviços são adiados ou cancelados, haja vista a situação crítica de nossa infraestrutura predial, de rede elétrica e de dados, que passaram a demandar muitos recursos agora. Considerando essa situação e o fato de não termos ainda notícias sobre eventual suplementação orçamentária, estamos envidando todos os esforços por recursos alternativos ao nosso orçamento para darmos continuidade a nossas atividades. Além disso, solicitamos ao MEC o repasse integral das receitas próprias. Por incrível que pareça, o que nós arrecadamos só podemos gastar mediante autorização do MEC. Este ano foi estipulado o valor de 64 milhões. O que arrecadarmos a mais, o dinheiro vai para o MEC. Isto é um desestímulo para ampliar nossas receitas próprias.
Qual a evasão e retenção na graduação hoje? E o que é possível fazer em 2024?
Os dados mais recentes divulgado pelo INEP são de 2022. A graduação da UFRJ possui 41,3% de retenção e 11,7% de evasão. O INEP só deve divulgar no segundo semestre os dados de 2023. A UFRJ tem trabalhado em um amplo projeto para acolhimento e acompanhamento de estudantes que iniciará como projeto piloto já em 2024.1 com objetivo de diminuir esses índices. É preciso um acompanhamento mais próximo dos estudantes e garantir a efetividade do corpo de professores orientadores desde o início do curso. A redução das reprovações no primeiro ano de graduação, ampliação do número de auxílios para os estudantes de baixa renda e a promoção de ações de acolhimento, apoio pedagógico e saúde mental são preponderantes para mantermos nossos estudantes na Universidade. Estamos construindo ações com os centros e unidades para apoiar os cursos nos desafios acadêmicos que podem levar a retenção e a evasão. É preciso repensar os currículos e as metodologias educacionais de forma a efetivamente integrar ensino, pesquisa e extensão. Instituímos uma Comissão específica para fortalecer os cursos noturnos da UFRJ. Sabemos que os motivos para evasão e retenção são multifatoriais e estamos atuando em conjunto para reduzir essas questões.
Que faz e o que significa para a estrutura universitária a Ebserh - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares?
A UFRJ tem 9 unidades hospitalares e de saúde. Poucos municípios têm essa rede. Ao longo dos vários anos, fruto do subfinanciamento crônico, nossas unidades foram perdendo recursos financeiros e a reposição de pessoal foi muito insuficiente. Para não fechar leitos, gestores anteriores contrataram pessoal de saúde de forma precária. Isto aconteceu em todas as Universidade Federais que tinham hospitais. Existem acórdãos que determinam a extinção dessas contratações. Em resposta a isto, o governo federal criou a Ebserh. Aprovamos por ampla maioria no conselho universitário a contratação da Ebserh para três hospitais: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) e Maternidade Escola. Assim, conseguiremos contratar 1.246 profissionais de saúde pelo regime CLT por concurso público para essas três unidades. Este quantitativo já foi aprovado pelo MGI. Dessa forma, regularizaremos a situação do que chamamos de pessoal extra-quadro, teremos investimento na recuperação e modernização de nosso parque de equipamentos médicos e recuperação de nossas edificações prediais, da rede elétrica, da rede de dados entre outros benefícios. Com isto, abriremos no prazo de um ano após a assinatura do contrato 100 leitos nessas unidades, beneficiando muito a população que demanda o SUS. Fruto dessa negociação, já conseguimos elevar o teto financeiro para as ações de média e alta complexidade em mais 27,5 milhões. A recuperação de nossas unidades hospitalares trará benefícios enormes também para a formação de profissionais de saúde e para a pesquisa nessa área. Estamos muito otimistas que em um ano nossos hospitais estarão em situação bem melhor que a atual. Ressalto a grande contribuição que nosso HUCFF e demais unidades deram no enfrentamento à covid-19.
Mesmo reitor da UFRJ, o senhor não deixou de ser professor e pesquisador. Como enfrentar as epidemias e pandemias que assolam o Rio de Janeiro? Qual a ordem de prioridade na sua avaliação?
Vivemos hoje a ocorrência de três vírus: dengue, SARS-CoV-2 e Influenza. Nossos serviços de saúde já têm uma sobrecarga em função de várias doenças e agravos, que atingem a população, como hipertensão arterial, diabetes, câncer, acidentes, entre outros. Quando advém uma epidemia, aumenta o estresse no sistema. Na atual epidemia de dengue, efetuar o diagnóstico precoce e iniciar imediatamente a hidratação oral ou venosa, dependendo da gravidade. Isto, claro, mantendo o combate ao vetor da doença. Na verdade, o melhor programa de combate ao Aedes aegypti é a melhora do saneamento ambiental, como, por exemplo, água encanada com abastecimento regular e coleta de lixo eficiente. Com isto, poderíamos evitar dengue, chikungunya, zika e a forma urbana da febre amarela. Em relação às doenças transmissíveis, uma das questões mais importantes é a vacinação. Temos um Programa Nacional de Imunização que é referência mundial. Infelizmente, a campanha de descrédito contra as vacinas contribuiu muito para a redução da cobertura vacinal para várias doenças, como exemplo, podemos citar o sarampo. Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conferiu o certificado de eliminação da doença, mas foi retirado em 2019, devido a um surto da doença. No sarampo, contribuiu também o fato da doença ter persistido em outros países, inclusive, europeus. E, com a globalização, facilitou sua disseminação. É fundamental que possamos esclarecer mais a população da importância da vacina, que é um dos bens mais valiosos produzidos pela ciência. Foi a vacina que nos tirou do isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. Já a vacina contra Influenza, reduz enormemente a hospitalização e letalidade da doença.
O Parque Tecnológico da UFRJ é sempre uma promessa. Por que as coisas não avançam na velocidade que a academia e sociedade gostariam? O que falta para isso?
Inicialmente gostaria de esclarecer que o nosso Parque Tecnológico da UFRJ não pode ser considerado apenas uma promessa. Nos seus 20 anos, ele está consolidado como um dos ambientes de inovação mais prósperos e dinâmicos do Brasil. Nos seus anos iniciais, o Parque recebeu grandes empresas do setor de óleo e gás como Petrobras, Halliburton, TechnipFMC, Schlumberger e outras. Mas já em 2015 deu-se início à diversificação de setores e hoje conta com centros de pesquisas de empresas como Ambev, Senai Cetiqt, MJV, Manserv e diversas outras empresas ligadas a setores como segurança de dados, saúde e agora a Fiocruz. Foram mais de R$ 900 milhões investidos na criação, geração e operação de centros de pesquisas instalados no Parque. O Parque gera atualmente cerca de 1.400 empregos através das suas empresas residentes e, desses empregos, mais de 300 são para mestres e doutores, fazendo assim a fixação de mão-de-obra de alta qualificação. Ao longo de 2022, foram mais de 480 depósitos de patentes. Desde sua inauguração, as empresas do Parque já investiram cerca de R$ 250 milhões em projetos de cooperação com as Unidades acadêmicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fortalecendo nosso ecossistema de inovação. O Parque Tecnológico da UFRJ conta com empresas multinacionais e nacionais de todos os portes, além de startups oriundas das 4 incubadoras da UFRJ, onde têm encontrado um ambiente propício para o desenvolvimento de soluções inovadoras e a realização de pesquisas e desenvolvimento de alto impacto. O Parque também está firmemente comprometido com a promoção de práticas sustentáveis e responsáveis em todas as operações. Uma das iniciativas-chave é o Programa de Projetos Especiais, que tem apoiado projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) na UFRJ desde 2021, contribuindo significativamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Anualmente, investimos cerca de R$ 1,5 milhão nesses projetos, já tendo apoiado 54 iniciativas. Recentemente, anunciamos a chegada de importantes centros de pesquisas que vão contribuir não só para o crescimento do Parque, mas também para o desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro. Posso destacar aqui o Centro Excelência em Fertilizantes, fruto de um investimento de mais de R$ 300 milhões, com o objetivo de impulsionar a inovação no agronegócio. Destaco também a parceria com a Fiocruz assinada no início desse ano para a instalação de um centro de pesquisas da Fiocruz em nosso Parque Tecnológico, com o objetivo de desenvolvimento de produtos, serviços e tecnologias para atendimento às demandas do SUS, em parceria com a UFRJ. O Parque também firmou acordo de cooperação com a Embratur para o desenvolvimento de atividades e aceleração de startups voltadas para o turismo. O Parque também acaba de receber o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), uma Organização Social, sem fins lucrativos, que pertence à pasta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Entre as atividades previstas, está a integração dos projetos de monitoramento e observação oceânica, e a construção de uma plataforma de dados abertos com informações e indicadores da pesquisa oceânica, além de viabilizar o compartilhamento de laboratórios para análises de amostras e testemunhos de sedimentos. Entre os vários projetos recentes de empresas residentes no parque, podemos destacar uma parceria entre a Petrobras e a TechnipFMC para o desenvolvimento e realização de testes para separação de óleo e gás no fundo do oceano e a reinjeção de gás rico em CO2 no reservatório. Trata-se de uma tecnologia pioneira que poderá revolucionar o mercado de óleo e gás brasileiro, tornando-o mais sustentável e abrindo caminhos para a transição energética. Já o centro de pesquisas da Ambev, desenvolveu, em conjunto com pesquisadores da UFRJ, um projeto para capturar CO2 durante o processo de fabricação de cervejas. Eles desenvolveram um sistema de cultivo de microalgas em efluente industrial e a formulação de um biofertilizante capaz de substituir a ureia na fertilização das plantações de cevada. O projeto foi premiado como "Top 3" de melhores cases na categoria Empresas-Universidades/ICTs no 1° Congresso Internacional de Cases de Open Innovation, realizado na Rio Innovation Week 2023. Entendemos que existem desafios a serem superados, mas o Parque se manteve em pleno crescimento mesmo em diferentes governos e oscilações nas políticas de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e à inovação no Brasil. Estamos trabalhando fortemente para resultados ainda mais expressivos nos próximos anos, gerando pesquisas, empregos, inovação e contribuindo para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do país.
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