João Batista Araujo e OliveiraDivulgação/Instituto Alfa e Beto
Publicado 26/08/2024 05:00
O professor e pesquisador João Batista Araujo e Oliveira é um especialista em Educação, já tendo exercido a função de secretário-executivo do Ministério da Educação na década de 90. Desde 2006, se dedica ao Instituto Alfa e Beto, que criou para promover o conceito de educação baseada em evidências com foco em intervenções voltadas para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental com ênfase na alfabetização e leitura. Para João Batista, a alfabetização no Brasil é um "desastre", a verdadeira "crônica de uma morte anunciada".
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SIDNEY: Os políticos e a sociedade falam muito do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Mas o Ideb é uma fórmula matemática que tira um índice de aprovação e reprovação e a nota da Prova. Qual a nota da aprendizagem mesmo no Brasil?
JOÃO BATISTA: As notas da aprendizagem são dadas pela Prova Brasil. Há uma nota para cada rede de ensino em cada município. Numa prova escolar tradicional, as notas vão de zero a 10. O resultado de um aluno só depende dele. Todos podem tirar zero, cinco ou 10 numa mesma prova. Já na Prova Brasil a fórmula é diferente: o resultado de um aluno depende do resultado de outro. Se todos acertam uma questão, a nota dessa questão é mais baixa. Isso permite saber se alunos ou redes de ensino estão muito à frente ou muito atrás das outras. Há uma matriz que descreve os conhecimentos relacionados a cada nível de ensino. A Prova Brasil apresenta notas para as séries iniciais, séries finais e ensino médio nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. Na edição de 2023, as notas de Matemática foram de 225, 259 e 273, respectivamente para esses três níveis de ensino. Esses números se referem às redes públicas das capitais. As notas da rede do município do Rio de Janeiro foram de 224 e 258 para as séries iniciais e finais. As notas do ensino médio (rede estadual) foram de 252. Isso situa o Rio de Janeiro nas posições 8º, 5º e 26º em relação a outras capitais. Cabe observar que a nota do ensino médio é mais baixa do que a nota do 9º ano do ensino fundamental – na escala comparativa da Prova, o que evidencia um estado de calamidade pública no ensino médio da capital.
No caso dos municípios fluminenses, como o senhor avalia os resultados das redes municipais e o da rede estadual?
Nos anos iniciais no estado do RJ, as redes municipais são responsáveis por 68% da matrícula, o restante dos alunos se encontra na rede privada. Nos anos finais, 54% é rede municipal, 27% é privada e 18% é estadual. Na Prova Brasil de 2023, os resultados de Matemática foram de 219 pontos para as redes municipais nas séries iniciais. Para as séries finais, foram de 247 e 250 pontos nas redes estaduais e municipais, respectivamente. Portanto os municípios do interior se situam um pouco abaixo da capital nesses dois níveis. Outro dado relevante: a média dos alunos de escola pública de 9º ano equivale à média dos alunos do 5º ano das escolas privadas. Por isso é necessário entender a escala usada para essa prova. Ela permite dizer que um aluno médio de escola pública do 9º ano sabe tanto quanto um aluno médio do 5º ano de escola privada. Trata-se de um abismo. Isso vale para o Rio de Janeiro e para o Brasil em geral. Ou melhor, para os dois brasis… E ainda há uma informação adicional relevante: os resultados dos alunos das escolas públicas e privadas, no Brasil, ficam muito aquém dos resultados de alunos dos países desenvolvidos. Isso significa que estamos muito atrasados em matéria de educação. Além disso, nosso sistema educacional é muito desigual – especialmente no que diz respeito ao desempenho das escolas públicas e privadas.
Os mandatos de prefeitos, estar em um 1º ou 2º, faz diferença no resultado educacional?
Com a ajuda do IDados fizemos uma comparação entre prefeitos que estão concluindo o segundo mandato em todo o Brasil. De modo geral, os municípios com prefeitos em segundo mandato têm resultados um pouco melhores. A explicação mais razoável é que a continuidade administrativa – e não necessariamente a pessoa do prefeito ou a reeleição – podem contribuir para melhorar a educação. A descontinuidade prejudica. No entanto, não há um partido político que sistematicamente ofereça melhores resultados educacionais.
Na rede municipal do Rio foi proibido celular na sala de aula. Como o senhor vê essa iniciativa? Como avalia o uso da tecnologia na educação?
As evidências científicas são robustas: vídeo e celular tiram a atenção. E atenção é o requisito básico para poder aprender. A tendência mundial é proibir o uso de celulares na escola – e deveria também ser proibido ou fortemente limitado para crianças de até 11 ou 12 anos nas casas. Comprovadamente eles causam dano ao cérebro. E, se houver uso na escola, esse uso deve ser supervisionado. A tecnologia pode ajudar a educação e possivelmente a inteligência artificial irá revolucionar a escola. Mas ainda não chegamos lá. Até o presente, um bom currículo, um bom livro didático e um bom professor constituem as tecnologias mais robustas – desde que o diretor da escola assegure um clima adequado para aprender dentro da escola. São desafios básicos que a escola pública tem dificuldade para superar. Colocar tecnologia sem corrigir essas lacunas tem pouca chance de dar certo.
A alfabetização é uma etapa extremamente importante. E é de responsabilidade dos municípios. Como o senhor avalia a alfabetização no Brasil?
Um desastre – como demonstram todas as pesquisas sobre o tema. E é a crônica de uma morte anunciada – desde pelo menos os PNCs (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997) que o Ministério da Educação não se acerta nessa questão. As universidades não ajudam, ao difundir concepções equivocadas sobre o que seja alfabetizar e como alfabetizar. A alfabetização virou refém de ideologias. Existem no Brasil alguns municípios que há décadas alfabetizam seus alunos no 1º ano do ensino fundamental. Toda escola deveria fazer isso. E a escola que não o faz deveria ser fechada, não merece existir. Simples assim.
Qual o grande gargalo da educação no Brasil atualmente? E no Rio de Janeiro?
Vou dar uma resposta simples para uma pergunta complexa. O grande gargalo é que o Brasil perdeu a noção do que seja uma escola e de como operar uma rede de escolas. E, de certa forma, a sociedade também perdeu essa noção. Exige-se demais da escola – menos o essencial. O Rio de Janeiro não é diferente – na capital, além disso, há o problema de gigantismo da rede que requer estratégias adequadas de gerenciamento; no interior, as mazelas políticas entravam os avanços. Não há respostas simples. No Brasil, temos alguns poucos exemplos de redes municipais de ensino que funcionam de forma razoável. São poucas, mas existem. Nelas, há um currículo claro, diretores bem escolhidos e preparados, ensino estruturado, acompanhamento e supervisão próxima das escolas e consequências – na forma de incentivos e correções. E, quase sempre, tem pouco das outras coisas – eventos, paetês e balangandãs que tumultuam o dia-a-dia escolar. E tem mais: em todos esses exemplos, os alunos são alfabetizados no 1º ano. Este é o cartão de visita de qualquer município que queira melhorar a educação. E quem não consegue fazer isso não deveria ter o direito de administrar nem uma escola e muito menos uma rede de educação.
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