Publicado 03/11/2025 05:00
Jornalista, escritor e documentarista, Edilson Martins desde os anos 60 trabalha na grande mídia, tendo a Amazônia e as questões indígenas como pautas principais. Recebeu o prêmio Vladimir Herzog, o mais importante da TV brasileira, pela direção do documentário "Chico Mendes — Um Povo da Floresta", um dos mais exibidos, nos anos 90, no mundo. Parte de sua obra está no portal da ONU. Entre os oito livros publicados estão "Nós do Araguaia", com Bispo Dom Pedro Casaldáliga e "Nossos Índios, Nossos Mortos".
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SIDNEY: O seu livro "Nossos Índios, Nossos Mortos", publicado há 50 anos, foi considerado um marco por denunciar a violência contra os indígenas e a devastação na Amazônia, em plena ditadura militar, sob o ponto de vista dos próprios povos originários. A nova edição, relançada recentemente, traz novidades?
EDILSON MARTINS: O livro foi publicado no rigor da ditadura militar. Portanto, foi um feito não ter sido censurado. Havia uma razão: quem fazia as denúncias não era o autor, o jornalista. Os depoimentos procediam dos próprios índios, eles foram os protagonistas das denúncias. Ao tempo em que Rondon, marechal do Exército, era o ícone dessa Arma, que por sinal liderava o Golpe. Rondon era um índio, descendente dos Terena. Ficava estranho censurar os irmãos do ícone do Exército. Quando estive preso, entre o final dos anos 60 e o começo dos anos 70, ouvi essa versão de oficiais graduados no interior de um quartel (antigo DOI-Codi), na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Claro, nestes 50 anos muitas coisas mudaram, os povos originários avançaram em sua inserção à sociedade abrangente, que somos todos nós. Estão, alguns grupos, nas universidades, têm um ministério para chamar de seu, fazem parte até da Academia de Letras. E, no entanto, o processo de extermínio, de ocupação de suas terras e de subjugação prossegue, não menos perverso. Vide onde existem reservas com minerais preciosos. Yanomami, no estado do Amazonas, na divisa com a Venezuela, é um exemplo brutal. A nova edição foi remoçada, passo por um processo até de releitura, em alguns temas. E há fatos novos, como uma ocorrência com a ministra do meio Ambiente, Marina Silva.
No livro, há uma entrevista com os irmãos Villas-Bôas, com quem o senhor conviveu. Como os indigenistas eram na intimidade?
Convivi com os irmãos Villas-Bôas, trabalhamos juntos durante mais de 30 anos - eles como fonte, eu como repórter. Fomos amigos, quase irmãos, diante de uma luta comum. Os sertanistas, daqueles tempos, e continuam assim, pelo que sei, fazem uma opção preferencial de defesa intransigente dos povos originários. Tornam-se, portanto, pessoas especiais.
O senhor também conviveu com Chico Mendes e foi o último repórter a entrevistar o ambientalista. Como foi esse último registro?
Chico Mendes foi meu amigo. Sua última entrevista me foi concedida na tentativa de impedir, ou pelo menos adiar, seu assassinato. Essa entrevista alerta o mundo sobre a estupidez dos inimigos da natureza, dos fazendeiros, das primeiras frentes do agronegócio que terminaram prevalecendo.
O senhor viveu uma situação inusitada com o cacique Raoni. O que aconteceu?
Conheci Raoni na primeira metade dos anos 70. Muito jovem. Era um deus grego. O Parque Nacional do Xingu, criado em 1962, por Jânio Quadros, já estava começando a ser invadido por grileiros, especuladores de terras, as cabeças de ponte do agronegócio. Embora hospedado na aldeia de seu povo, os Txucarramãe, depois de entrevistar esses pretensos invasores, e retornar de um distância de selva de pelo menos uns 100 km, Raoni e seus irmãos desconfiaram que eu era aliado deles. Corri risco de vida. Depois, tudo esclarecido, nos tornamos grandes amigos.
O senhor integrou o icônico "Pasquim", tabloide que marcou época com sua irreverência, humor e anarquia. Quais as lembranças que guarda daquela época?
O Pasquim foi um rio que passou na vida de todos os que disseram não à ditadura. Foi um tempo intenso e desconfio que muito contribuiu nos anos de trevas.
Quais as suas expectativas para a COP 30?
A COP30 vai ser um grande e fundamental evento. Existem os inimigos desses eventos, a gente da Terra plana, os negacionistas, os capitalistas da família Trump e Bolsonaro. No entanto, é a primeira vez que um seminário planetário acontece na Amazônia. Não é pouca coisa.
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