Iniciativas resgatam cultura dos Povos Origináriosreprodução do acervo da Biblioteca Nacional
Publicado 12/01/2024 12:34 | Atualizado 12/01/2024 13:26
Historicamente negligenciados, mas culturalmente ricos e resilientes, os Povos Originários ganham duas frentes importantes para salvaguardar seus registros históricos e culturais, mantidos, em maior parte, pelo esforço dessas comunidades em transmitir seus valores via oralidade através das gerações.
A Fundação Biblioteca Nacional lançou recentemente dossiês digitais. Dois sobre indígenas: "Povos Originários" e "Tradução de Cantos e Narrativas dos Povos Originários para o Português" além dos focados na cultura afrodescendente: "Literatura Matriz Afro-brasileira" e "Comunidades Quilombolas".
Biblioteca Nacional
Esses atalhos de conteúdo estão alinhados com os indicadores para a Cultura, conforme estabelecido na Agenda 2030 da UNESCO. Ao reunir itens iconográficos e textos analíticos esses locais tornam ferramentas valiosas para pesquisadores, guiando os estudiosos por essas trilhas temáticas
Todo o conteúdo segmentado foi selecionado através de pesquisas, varreduras e identificação no imenso acervo espalhado por diversos espaços pertencentes à Fundação. Agrupar produtos correlatos otimiza o que antes estava pulverizado ou perdido. Essa concentração facilita não apenas a localização, mas também o trabalho de comparação e contextualização, transformando essa iniciativa em uma valiosa ferramenta para perpetuar e fomentar novos trabalhos sobre essa parte da história do Brasil tão negligenciada.
"Os dossiês digitais representam o diálogo entre a pesquisa e o acervo, sendo uma parte da reflexão entre o acervo e a sociedade. A Biblioteca Nacional desempenha um papel fundamental na construção da nossa sociedade, e esses dossiês são um convite para explorar nossa própria história", destaca Naira Silveira, coordenadora geral do Centro de Pesquisa e Editoração da FBN.

Indígenas não querem apito
Esses espaços resultam de um esforço conjunto realizado por profissionais de diversos setores da Biblioteca Nacional. Além da localização desse material, estão sendo efetuadas alterações descritivas e de categorização. A ação visa também a adequação à realidade sociocultural atual. Uma das alterações principais é a substituição do termo 'índio', que até recentemente predominava nas falas e materiais, sendo atualizado para 'indígenas'.

A Biblioteca Nacional é uma referência mundial em informações bibliográficas, incluindo questões terminológicas, destacando a importância dessas atualizações.
"Qualquer mudança na política informacional tem um impacto significativo no trabalho dos bibliotecários. Para realizá-las, contamos com a avaliação de uma comissão interna de tratamento da informação, composta por técnicos de diversas áreas da BN. Assim, com embasamento técnico e teórico proveniente das pesquisas de nossa equipe, promovemos mudanças terminológicas. Essa atualização considera o histórico de termos usados, uma vez que nosso catálogo reflete uma época: somos uma instituição de Estado e guardiã da memória nacional", afirma Gabriela Ayres, coordenadora-geral do Centro de Processamento e Preservação da FBN.

Museu ainda do Índio
Apesar de a expressão ser considerada incorreta e politicamente inadequada, ela ainda persiste amplamente, inclusive em livros didáticos e na principal referência sobre o tema, o Museu do Índio, que até hoje, envolto em burocracia, não se adequou.  Apesar de fechado ao público aguardando adequações estruturais e de segurança, essa instituição federal localizada no Rio de Janeiro, mantém o acesso de pesquisadores aos documentos e peças de arte.
Além disso, acaba de disponibilizar a publicação "Alquimia na Floresta: os Suruwahá e os Venenos", que explora os conhecimentos tradicionais desse povo sobre o manejo e uso de plantas venenosas, destacando-os como verdadeiros alquimistas da floresta.
Veneno que Cura
Os Suruwahá possuem habilidades singulares para lidar com plantas que contêm substâncias provocadoras de ardência, acidez, toxicidade, calor e queimação. "Plantas desafiadoras que, ao longo das gerações, inspiraram a busca por misturas, temperos e métodos inovadores de processamento de venenos, colaborando entre si e com os humanos", define o texto de apresentação da obra. O conhecimento avançado deles sobre o tema vem sendo aproveitado pela comunidade científica.

O livro é resultado de uma pesquisa de documentação cultural iniciada em 2018 na Terra Indígena (TI) Zuruahã, no estado do Amazonas, coordenada pelo antropólogo Miguel Aparício. Esse trabalho interdisciplinar envolveu a comunidade em encontros e oficinas, resultando em um levantamento minucioso do ponto de vista da comunidade. O acervo visual desse trabalho ainda vai ser transformado em um exposição digital.
Essa é uma das realizações do Projeto de Documentação de Culturas Indígenas (Prodocult), desenvolvido pelo Museu do Índio/Funai em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Suruwahá
Originam-se da união de vários coletivos indígenas que habitavam separadamente as terras firmes do interflúvio Purus-Juruá, nas proximidades dos rios Cuniuá e Riozinho. Inicialmente dispersos, eles se uniram por uma questão de sobrevivência diante das inúmeras ameaças sofridas.

No início do século XX, especialmente após a crise da borracha em 1912, frentes econômicas avançaram no território desses povos em busca de novos recursos, como látex de sorva, óleo de copaíba, castanha-do-brasil, quelônios e peles de animais silvestres. Os Suruwahá foram impactados por essa expansão extrativista, sendo alvos de ataques armados e doenças letais.

Os sobreviventes desses massacres e epidemias refugiaram-se no território Jukihidawa e, entre 1930 e 1980, mantiveram-se isolados como estratégia de defesa. Em 1980, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) entrou em contato com o povo e desenvolveu um programa de proteção para garantir sua sobrevivência. Em 1983, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) estabeleceu oficialmente o contato.
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