Publicado 29/03/2023 06:00
Nada é mais interessante do que conhecer outras vidas. Vidas íntegras, com começo, meio e fim, interessam ainda mais. Boas anedotas são deliciosas, mas para formar juízos não são adequadas — deixam a sensação de filme interrompido, livro largado, série abandonada.
A faculdade do juízo, essa potência que nos permite dizer se alguém teve ou não sucesso, se alguém foi ou não feliz, se, enfim, gostamos ou não de algo ou alguém, é diferente do julgamento vulgar que aprova ou desaprova vidas inteiras como se anjos e demônios recolhessem em segredo as opiniões de todos sobre todos, numa bizarra democracia celestial, para computarem os votos num pleito que decide se as almas irão para o céu ou para o inferno. Graças a Deus, a voz do povo não é a voz de Deus.
Se um personagem foi feliz ou não foi, só dá para saber ao final. Sófocles fechou assim a famosa peça Édipo Rei: “não consideremos feliz nenhum ser humano enquanto ele não tiver atingido, sem sofrer os golpes da fatalidade, o termo de sua vida”.
A vida perfeita não é só a vida feliz, exitosa, rica e em paz, mas a que se completou. O perfeito é o que está feito, aquilo a que nada se pode acrescentar, e de que nada se pode retirar. Nisso reside o sucesso das biografias — elas registram e contam histórias de vida, e nós nos deleitamos e nos compadecemos, sorrimos e sofremos, e com isso formamos livremente nossos próprios juízos.
Ao juízo sobrevém a imitação. Cícero quis ser Demóstenes. Lula quis ser Getúlio. Neymar quis ser Pelé. É uma simplificação, claro. Nossas influências são múltiplas. Mas há sim casos de metas de vida surgirem a partir do conhecimento de biografias.
Júlio César, ditador romano que pôs fim à mais célebre das repúblicas, só queria ser como Alexandre, o Grande, que, por sua vez, se inspirava em Aquiles. O livro de cabeceira de d. Pedro I era a Eneida, e seu apelido em um de seus grupos era Rômulo. Juscelino Kubistchek também se enxergava como um Rômulo — inclusive, o dia de Brasília é o dia de Roma (e de Tiradentes). Já Pedro II gostava de ser comparado com Marco Aurélio. José Bonifácio se comparou a Tales e Pitágoras.
É por essas e outras que valorizo guardar referências dos mais destacados profissionais e dos líderes regionais mais admiráveis. Foi assim que Plutarco resgatou a honra dos gregos sobre os romanos. Ele contou mais de sessenta histórias de vida de gregos e romanos, em pares assemelhados em suas atividades, para provar que os gregos eram tais quais os romanos, ou ainda maiores.
A autoestima brasileira ganharia muito em saúde se contássemos as biografias de nossos maiores patrícios, sem medo de compará-los com os que representam países muito mais ricos, muito mais antigos. Mas não sejamos tão periféricos — biografias de todo o mundo são interessantes ao brasileiro. E quanto mais conhecemos vidas em detalhes, mais humanos nós nos tornamos, e também mais capazes de fazer emergir o que, em nós, há de único.
A faculdade do juízo, essa potência que nos permite dizer se alguém teve ou não sucesso, se alguém foi ou não feliz, se, enfim, gostamos ou não de algo ou alguém, é diferente do julgamento vulgar que aprova ou desaprova vidas inteiras como se anjos e demônios recolhessem em segredo as opiniões de todos sobre todos, numa bizarra democracia celestial, para computarem os votos num pleito que decide se as almas irão para o céu ou para o inferno. Graças a Deus, a voz do povo não é a voz de Deus.
Se um personagem foi feliz ou não foi, só dá para saber ao final. Sófocles fechou assim a famosa peça Édipo Rei: “não consideremos feliz nenhum ser humano enquanto ele não tiver atingido, sem sofrer os golpes da fatalidade, o termo de sua vida”.
A vida perfeita não é só a vida feliz, exitosa, rica e em paz, mas a que se completou. O perfeito é o que está feito, aquilo a que nada se pode acrescentar, e de que nada se pode retirar. Nisso reside o sucesso das biografias — elas registram e contam histórias de vida, e nós nos deleitamos e nos compadecemos, sorrimos e sofremos, e com isso formamos livremente nossos próprios juízos.
Ao juízo sobrevém a imitação. Cícero quis ser Demóstenes. Lula quis ser Getúlio. Neymar quis ser Pelé. É uma simplificação, claro. Nossas influências são múltiplas. Mas há sim casos de metas de vida surgirem a partir do conhecimento de biografias.
Júlio César, ditador romano que pôs fim à mais célebre das repúblicas, só queria ser como Alexandre, o Grande, que, por sua vez, se inspirava em Aquiles. O livro de cabeceira de d. Pedro I era a Eneida, e seu apelido em um de seus grupos era Rômulo. Juscelino Kubistchek também se enxergava como um Rômulo — inclusive, o dia de Brasília é o dia de Roma (e de Tiradentes). Já Pedro II gostava de ser comparado com Marco Aurélio. José Bonifácio se comparou a Tales e Pitágoras.
É por essas e outras que valorizo guardar referências dos mais destacados profissionais e dos líderes regionais mais admiráveis. Foi assim que Plutarco resgatou a honra dos gregos sobre os romanos. Ele contou mais de sessenta histórias de vida de gregos e romanos, em pares assemelhados em suas atividades, para provar que os gregos eram tais quais os romanos, ou ainda maiores.
A autoestima brasileira ganharia muito em saúde se contássemos as biografias de nossos maiores patrícios, sem medo de compará-los com os que representam países muito mais ricos, muito mais antigos. Mas não sejamos tão periféricos — biografias de todo o mundo são interessantes ao brasileiro. E quanto mais conhecemos vidas em detalhes, mais humanos nós nos tornamos, e também mais capazes de fazer emergir o que, em nós, há de único.
Rafael Nogueira é professor de História, presidente da Fundação Catarinense de Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional
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