Colunista Rafael Nogueirareprodução
Publicado 10/05/2023 06:00
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As inovações trazem também novas liberdades: depois que Gutemberg inventou a imprensa, os papeis impressos começaram a proliferar, e século após século, cada vez mais ideias, reportagens, reflexões, descrições, diários e histórias foram sendo gestados pelas liberdades de pensar e de escrever, impulsionadas pela de imprimir.

Foi assim também com os meios de transporte. Não precisamos retroceder à invenção da roda — as navegações trouxeram a primeira globalização; as ferrovias abriram novos horizontes para a liberdade de locomoção, e a indústria automotiva, assim como a aviação, revolucionou o século XX, unindo numa já não tão grande aldeia global o que parecia irremediavelmente distante.

Cada liberdade é uma joia frágil. Usada com moderação, dura para sempre; manuseada sem cuidado, ela pode se quebrar em mil pedaços. Afora o uso, devemos então guardá-la num cofre. E a todo tempo protegê-la dos que a querem roubar.

O conhecimento de suas razões e finalidades, a ordem política que discute, fixa e aplica as leis, o hábito que as culturas dos povos desenvolvem: tudo isso ajuda a conservá-las, ou pelo menos a evitar que não se destruam.
Liberdade absoluta, sabemos todos que não existe: se eu escrever fora deste espaço, não tem artigo; se eu me alimentar só do que meu apetite me leva a querer, arruinarei minha saúde; se avançar no sinal vermelho, possivelmente levarei uma multa, ou, no mínimo, criarei riscos desnecessários.

Sempre as autoridades se debateram entre proibir e regular novidades. Livros já foram suprimidos, proibidos e queimados por serem considerados perigosos. Hoje vivemos os dilemas das redes sociais e da inteligência artificial. Como lidar?

Os poderosos não surpreendem; já querem tirar o maior proveito para si, criminalizando quem os incomoda. Com base nas mais vagas generalidades, querem proibir as opiniões não aprovadas pelos censores. Claro, os pretextos podem ser nobres: acontecem crimes no espaço virtual, e temos uma democracia para proteger. Mas leio isso como se dissessem: "fechemos a praça, ali cometeram um crime", sem nada perguntar ao povo.

Um povo conduzido por representantes não eleitos é a última coisa que eu chamaria de democracia. Sejamos, porém, menos simplistas. A internet é uma novidade, uma jovem de menos de 30 anos. Só que, em vez de proibir e perseguir, precisamos analisar, entender, debater. Temos que amadurecer com ela.

Saímos ontem das fotos de sushi para a política; moda essa que também deve passar. Nosso dever histórico, assim, é ampliar o espaço público da nova ágora para que nos incomodemos uns aos outros mesmo, mas sem os excessos das acusações criminosas e dos melindres histriônicos. Uma ética virtual, uma internetiqueta, me parece ter mais futuro para lidarmos melhor com a diversidade, para que conhecimentos se criem e se disseminem cada vez mais, para que experiências sejam compartilhadas, para que enganos sejam combatidos por meio da defesa aberta da verdade.

Não matemos os nossos Sócrates em nome da democracia. Afinal, uma boa democracia combina com liberdade de pensar, de falar, de publicar, e não, nunca, com perseguição a opositores, que é o mal que os demagogos causam justamente para levá-la ao fim.
Rafael Nogueira é professor de História, presidente da Fundação Catarinense de Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional
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