Publicado 24/05/2023 06:00
Já diz o ditado: "Em time que está ganhando não se mexe". Essa é a segurança que nos dá a tradição. Inovar é sempre encarar riscos, perigos e azares, por vezes tendo apenas uma intuição em que se agarrar. Criatividade e incerteza são gêmeas siamesas. Porque toda ideia nova tende ao rechaço, é muito mais confortável manter aquilo com que todos já se acostumaram. Ainda mais quando é algo prático e funciona.
Mas não foi só com o conforto em mente que agiram os navegantes portugueses do século XV, os bandeirantes e sertanistas dos séculos XVI e XVII, os políticos e revolucionários dos séculos XVIII e XIX, os cientistas e os astronautas do século XX, os programadores de redes e de inteligência artificial das últimas décadas.
Mas não foi só com o conforto em mente que agiram os navegantes portugueses do século XV, os bandeirantes e sertanistas dos séculos XVI e XVII, os políticos e revolucionários dos séculos XVIII e XIX, os cientistas e os astronautas do século XX, os programadores de redes e de inteligência artificial das últimas décadas.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”, escreveu Fernando Pessoa ao falar das viagens marítimas. É uma mentalidade parecida à dos gênios criativos da cultura. E um drama. Os principais desafios são dois: atingir altos objetivos estéticos e alcançar reconhecimento e dinheiro.
Nem sempre o músico, o escritor, o ator conseguem satisfazer altos níveis de exigência. Muitos se afogam na turbulência da crítica. E da autocrítica. Machado de Assis exemplifica bem esse tipo em seu conto “Um homem célebre”. Pestana era um músico famoso que sofria por só conseguir compor obras medíocres. Não o satisfazia que elas fossem do gosto do povo — queria agradar Beethoven, Cimarosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, Haydn.
Outros sofrem do inverso — não conseguem financiar a si mesmos. Afora os que captam recursos do Estado, e os que têm empresários e marketeiros para chamar de seus, artistas sofrem. Não haveria um Victor Meirelles não fosse o olheiro do Império que o levou à Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde se destacou, ganhou prêmios, indo depois à Europa, de onde veio para pintar o que lhe vinha ao coração, e a história e a geografia do Brasil.
Quanto aos empresários, todos sabemos: eles enxergam onde podem ganhar alguma coisa junto, profissionalizando o que parece bom a eles e potencialmente agradável ao público. Isso sempre foi assim, e em alguma medida sempre será, mas hoje essa dinâmica mudou um pouco: são os criativos também na economia que melhor sobrevivem e lucram.
Esses dias ouvi de uma pessoa de currículo excepcional que com o passado não temos mais a aprender. Imediatamente, me veio à mente que, na política, junto com as novidades da internet, usamos técnicas semelhantes às que Cícero usava; na ciência, um Darwin dizia que tirou maior proveito das leituras de Aristóteles do que Lineu; Freud encontrou o símbolo de sua descoberta num mito de quase três mil anos atrás.
Criar é lançar-se com uma fé louca na direção de um objetivo em que só o sonhador confia. Mas existem meios de fazer do sonho realidade, e entre eles está o estudo acurado do passado. Aqueles que buscavam as mesmas coisas noutros tempos nos orientam com seus erros e acertos, e nos confortam por compartilharem de nossa loucura.
Loucura porque sempre as circunstâncias têm algo de novo, de original. Falta-nos, por vezes, encarar mares nunca antes navegados com audácia de quem faz o que ninguém fez, mas tendo junto de si a experiência do grupo mais numeroso de seres humanos: o dos mortos.
A sabedoria dos séculos é a melhor fonte da criatividade.
Nem sempre o músico, o escritor, o ator conseguem satisfazer altos níveis de exigência. Muitos se afogam na turbulência da crítica. E da autocrítica. Machado de Assis exemplifica bem esse tipo em seu conto “Um homem célebre”. Pestana era um músico famoso que sofria por só conseguir compor obras medíocres. Não o satisfazia que elas fossem do gosto do povo — queria agradar Beethoven, Cimarosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, Haydn.
Outros sofrem do inverso — não conseguem financiar a si mesmos. Afora os que captam recursos do Estado, e os que têm empresários e marketeiros para chamar de seus, artistas sofrem. Não haveria um Victor Meirelles não fosse o olheiro do Império que o levou à Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde se destacou, ganhou prêmios, indo depois à Europa, de onde veio para pintar o que lhe vinha ao coração, e a história e a geografia do Brasil.
Quanto aos empresários, todos sabemos: eles enxergam onde podem ganhar alguma coisa junto, profissionalizando o que parece bom a eles e potencialmente agradável ao público. Isso sempre foi assim, e em alguma medida sempre será, mas hoje essa dinâmica mudou um pouco: são os criativos também na economia que melhor sobrevivem e lucram.
Esses dias ouvi de uma pessoa de currículo excepcional que com o passado não temos mais a aprender. Imediatamente, me veio à mente que, na política, junto com as novidades da internet, usamos técnicas semelhantes às que Cícero usava; na ciência, um Darwin dizia que tirou maior proveito das leituras de Aristóteles do que Lineu; Freud encontrou o símbolo de sua descoberta num mito de quase três mil anos atrás.
Criar é lançar-se com uma fé louca na direção de um objetivo em que só o sonhador confia. Mas existem meios de fazer do sonho realidade, e entre eles está o estudo acurado do passado. Aqueles que buscavam as mesmas coisas noutros tempos nos orientam com seus erros e acertos, e nos confortam por compartilharem de nossa loucura.
Loucura porque sempre as circunstâncias têm algo de novo, de original. Falta-nos, por vezes, encarar mares nunca antes navegados com audácia de quem faz o que ninguém fez, mas tendo junto de si a experiência do grupo mais numeroso de seres humanos: o dos mortos.
A sabedoria dos séculos é a melhor fonte da criatividade.
Rafael Nogueira é professor de História, presidente da Fundação Catarinense de Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional
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