Colunista Rafael NogueiraReprodução
Publicado 17/01/2024 00:00
Para a desgraça geral, a liberdade de pensamento tem recebido pouca atenção, tanto nos bancos escolares, quanto nos tribunais e nas análises acadêmicas. O desinteresse é em parte histórico, mas também é consequência da suposição errada de que nossos pensamentos estão imunes a qualquer interferência externa. Os avanços tecnológicos recentes, entretanto, estão redefinindo essa suposição, oferecendo novas e inesperadas maneiras de acessar, alterar e manipular nossos pensamentos.
A penetração da tecnologia no cotidiano ameaça nossa liberdade de pensar, e gera um impacto potencialmente significativo em indivíduos e sociedades, sobretudo nas que se pretendem democráticas. Surge, assim, a urgência de definir o que é liberdade de pensamento — internacionalmente consagrada como um direito humano.
À medida que a compreensão dos processos mentais se aprofunda, a gente precisa reavaliar as necessidades práticas para proteger essa liberdade.
Entre os religiosos, alguns menosprezam o desenvolvimento intelectual, tomando por base a dicotomia (falsa) entre obediência à revelação e liberdade de pensamento. Só que a devoção não exclui a inteligência, e a história atesta que razão e fé sempre coexistiram, pelo menos desde os escolásticos até figuras contemporâneas como o Papa João Paulo II. Àqueles que ainda resistem ao que digo, convido-os a encarar a maravilha da inteligência humana como um daqueles dons divinos que nos exigem uso responsável.
Vinha eu dizendo que os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos apresentam ameaças ao livre pensar. E isso em diversas áreas: desde política, e eleições, até medicina, vigilância, campanhas públicas, segurança, gestão de riscos, seguros, marketing e publicidade. Questões éticas e legais complexas dão origem a conceitos como "liberdade cognitiva", "direito à autodeterminação mental", "neuroética", entre outros.
Quando, por exemplo, um representante do Estado declara que um tal direito não é absoluto (como acontece toda hora) e, a partir disso, começa ele mesmo a dizer quais serão e quais não serão as exceções, abrem-se as portas para o abuso. Da mesma forma, é irrazoável permitir que o setor privado manipule populações inteiras por meio de algoritmos, inteligência artificial e propaganda sub-reptícia. O modo como o Estado deve impor limites, ou até se deve mesmo, é questão complexa; mas ninguém questiona que seja preciso pelo menos promover uma educação que una a sabedoria dos séculos a uma lógica e uma ética não indiferentes aos desafios do mundo atual.
Há ainda um outro tipo de ameaça ao pensamento: a autocensura. Geralmente como resposta a pressões externas, a temores de perseguição e retaliação, ou à desconformidade com o politicamente correto. Isso é também reação à vigilância digital, à manipulação algorítmica, ou ao simples medo daquela modalidade de linchamento que hoje chamam de "ser cancelado". Esse tipo de ameaça leva as pessoas a restringir suas mais autênticas expressões, prejudicando sua saúde cognitiva, a diversidade cultural, a livre troca de ideias.
No século XX, temíamos censores estatais e aparatos policiais; no século XXI, continuamos temendo a mesma coisa, mas com um acréscimo: o censor também está em nós.
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