Publicado 04/09/2024 00:00
Luís Vaz de Camões moldou as identidades portuguesa e lusófona, servindo como um espelho histórico, uma bússola moral e uma obra-prima literária atemporal. Mas o poeta anda meio esquecido. Nos 500 anos de seu nascimento, revisitei sua obra, e fiquei espantado pela variedade de suas facetas, influências e contribuições.
PublicidadeNascido em um período de grandes transformações, Camões foi testemunha e cronista da Era dos Descobrimentos. Portugal, nação que liderava as explorações marítimas, buscava afirmar sua identidade e poder por meio das conquistas ultramarinas. Educado nas letras clássicas pelo seu tio, reitor da Universidade de Coimbra, ele desenvolveu sua mente nas mais variadas artes e ciências.
Camões viveu no chamado Renascimento, um período marcado pela redescoberta dos valores greco-romanos, pela valorização do indivíduo e pelo florescimento das artes e das ciências. A influência de Petrarca, com o soneto, e de Ariosto, com a oitava, são evidentes na obra camoniana, que explora temas cosmográficos e simbólicos, típicos da época.
As aventuras de Camões, em suas viagens por África, Índia e Extremo Oriente, o capacitaram com a matéria-prima que preencheu sua imaginação, dando a perspectiva necessária para compor Os Lusíadas. Com suas 8816 linhas de versos decassílabos em oitavas, Camões utilizou uma técnica poética rigorosa que dialoga diretamente com os grandes épicos da literatura mundial, como a Ilíada de Homero e a Eneida de Virgílio. Buscou a Beleza, mas também o Bem.
Os Lusíadas é mais do que uma exaltação das glórias portuguesas. Em muitos aspectos, a obra reflete a mediocridade da época de Camões, como observado por seu biógrafo João Morgado. O épico serve como um espelho de povos, a partir do qual os leitores são convidados a comparar suas realizações, enquanto povo, com as glórias dos lusíadas. Foi celebrando a grandeza de Portugal, que Camões advertiu seus leitores sobre os perigos da corrupção e do excesso de ambição.
A obra de Camões moldou o cânone da língua portuguesa, diferenciando-a do castelhano e do latim, mas também influenciou profundamente a cultura e a identidade de Portugal e de suas colônias. Sua poesia foi retratada na arte, na música e até no cinema. Ele ajudou a consolidar uma visão de mundo, um ethos que ainda ressoa com os leitores contemporâneos, que olham para as grandezas de outrora buscando inspiração para o mundo de hoje.
A relevância de Camões não se restringe ao passado. No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, celebrado em 10 de junho, a nação portuguesa se une para homenagear não apenas o poeta, mas também a língua e a cultura que ele ajudou a moldar. Além disso, a primeira edição de Os Lusíadas está cuidadosamente preservada na Biblioteca Nacional, um tesouro literário que continua a ser fonte de inspiração para gerações de escritores e leitores.
O Prêmio Camões, criado em 1988, é outra prova da perpetuidade da obra camoniana. Destinado a autores de língua portuguesa que tenham contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da lusofonia, o prêmio já consagrou figuras como Jorge Amado, Mia Couto e Lygia Fagundes Telles. Em 2020, a comissão responsável pela definição do premiado elegeu um camoniano: o dr. Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Tive a honra de lhe dar notícia, como presidente da BN e representante do Brasil para a gestão do prêmio.
Outro ponto de grande interesse é a biografia de João Morgado sobre Camões, que vai além da mera estética literária. Ela revela como o poeta utilizou sua obra para criticar seu tempo, trazendo à luz as glórias passadas e as falhas presentes, em um esforço para orientar a moral e a política de sua época.
Assim como Alexandre, o Grande, encontrava inspiração e sabedoria em A Ilíada, e Júlio César na história de Alexander, nós, lusófonos, encontramos em Os Lusíadas uma fonte de inspiração moral. Dizem até que Pedro II pediu enfaticamente que trouxessem a ele sua edição rara de Os Lusíadas, antes do exílio.
Camões nos instiga a pensar que a verdadeira grandeza não está nas conquistas individuais mais mundanas, e sim naquelas que, feitas em conjunto, em meio a cristianíssimos sacrifícios de toda ordem, transcendem o tempo, fazendo de homens deuses, ideal de vida pagão.
Celebrado este ano por seus 500 anos de nascimento, Camões nos legou uma obra que não é apenas um monumento literário, nem um mero ufanista, mas um espelho para os povos de língua portuguesa. E, por que não, para todos os povos.
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