RAFAEL NOGUEIRA NOVADIVULGAÇÃO
Publicado 23/10/2024 00:00
É muito comum que as pessoas me perguntem: “Por que o Brasil não é mais desenvolvido?” Logo em seguida, alguém costuma apontar os portugueses como culpados. “Ah, se fôssemos colonizados por franceses, ingleses ou holandeses, seria diferente!” Mas seria mesmo?
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A cultura ibérica deu ao mundo um misto de religiosidade profunda e convivência festiva. A chegada de Cabral simboliza bem isso. Marcada pela diplomacia, não pela exploração violenta, o cavaleiro da Ordem de Cristo celebra sua conquista com uma missa em torno de uma cruz, convidando os nativos para que dela participassem. Ele os recebeu, trocou presentes e fez mesuras, como se fossem Embaixadores de países ocidentais.
Logo após esse primeiro contato, conforme diz Tito Lívio Ferreira, a Ordem de Cristo financiou, além desta, outras expedições, implementando no Brasil as primeiras instituições, como as câmaras de homens bons, estabelecendo um municipalismo que, lidando com os problemas empíricos, incorporou os indígenas em muitos processos.
Parte da riqueza cultural do Brasil deriva desse modelo de colonização que valoriza o encontro entre europeus, africanos e indígenas, produzindo assim uma estética única e profundamente brasileira, visível não só nas obras de artistas como Aleijadinho e nas igrejas coloniais, mas também no samba e na bossa nova de um João Gilberto.
No entanto, o Brasil herdou também o desprezo pelo trabalho braçal. Historicamente, as elites brasileiras viam o serviço manual como indigno, e o resultado disso é claro. Temos mais faculdades de Direito do que a China, os EUA e a Europa juntos. A busca por cargos públicos é vista como um caminho para o status e a estabilidade, enquanto o trabalho produtivo, o comércio e a indústria são menos valorizados.
Essa herança também deixou sua marca na educação. Ao contrário das colônias espanholas, o Brasil ficou sem universidades durante séculos, o que impediu o florescimento intelectual.
Países como o Japão, mesmo sem recursos naturais, prosperaram por sua ênfase no conhecimento técnico e científico. No Brasil, falta essa atitude cultural que valorize a educação prática e a inovação tecnológica.
Mas culpar a colonização por todos os nossos problemas é ingênuo. Muitos países colonizados por ingleses, franceses ou holandeses enfrentam dificuldades ainda maiores. Países como a África do Sul, colonizada por ingleses e holandeses, sofreram muito mais com segregações e violências étnicas, e a Índia, também sob o domínio britânico, enfrenta ainda hoje desafios em alcançar altos níveis de prosperidade.
O que diferencia as nações prósperas são tantos fatores combinados de maneira tão complexa, que não se pode reduzir a quem as colonizou. Os portugueses saíram daqui há 200 anos; desde então, as escolhas foram feitas por gerações de brasileiros. Os EUA, a Alemanha e o Japão tinham indústrias e infraestruturas ainda rudimentares no século XIX, mas, como aponta Thomas Sowell em Raça e Cultura: uma visão mundial, publicado neste mês pelo Clube Ludovico, em menos de um século, saíram de condições adversas e superaram muitas nações desenvolvidas.
Alguns argumentam que os povos das regiões frias prosperaram mais do que os das quentes, mas isso contraria a geografia humana. As primeiras grandes civilizações, como o Egito, floresceram em regiões quentes. E, se analisarmos a Europa, veremos que os países mais desenvolvidos estão em climas amenos, com abundância de água e alimentos. Tanto as regiões mais frias quanto as mais quentes do mundo não produziram civilizações mais avançadas. E, insisto: sucesso e insucesso dependem de fatores múltiplos combinados com sucessivas tomadas de decisão, não podendo se reduzir a questões climáticas.
Como diz Coutinho em seu artigo "Chega de Desculpas", publicado nove anos atrás, culpar os portugueses hoje é uma forma de fugir de uma responsabilidade que é toda brasileira. Se fôssemos seguir essa lógica da culpabilização do colonizador, poderíamos voltar indefinidamente aos povoadores do território português; até os castelhanos, deles aos árabes, aos visigodos, aos romanos, aos celtas. Mas essa linha não tem fim.
Culpar os portugueses por nossos problemas de hoje é como um adulto culpar os avós por suas próprias escolhas.
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