Publicado 30/10/2024 00:00
Por que os EUA se tornaram a maior potência do mundo, enquanto o Brasil amarga na pobreza? A pergunta, bastante inexata, geralmente é feita por ressentimento e inveja, e, por isso, costuma ser respondida com lugares-comuns irracionais. Mas acredito ser possível chegarmos mais perto de entender se olharmos para com prudência e sobriedade.
PublicidadeJá vimos que não se limita a uma diferença simples de colonizadores. A ideia de colônia de povoamento e colônia de exploração não explica nada. De um lado, diz a tese, a colonização anglo-saxônica foi um esforço de construção, a fundação de uma nova nação através do trabalho de “homens e mulheres do bem”, decididos a se estabelecerem de forma definitiva em solo americano. De outro, a colonização ibérica é pintada como predatória, com portugueses e espanhóis retratados como bandidos ou aventureiros ávidos por riquezas, loucos para logo voltar.
Na colonização portuguesa, os que cruzaram o Atlântico não tinham como ver a América só como uma oportunidade temporária de riqueza, até porque a distância e a logística complexa dificultavam o retorno ao lar europeu; aqui se plantava uma nova vida, com descendência e continuidade. Ao Brasil vinham não apenas aventureiros, mas também parentes de nobres e membros de ordens religiosas influentes, encarregados de estabelecer os pilares da fé católica e de construir um modelo de vida sólido. E falando em solidez, igrejas e conventos erigidos com bases firmes e bem estruturadas são sua metáfora perfeita.
Em contraste, a América inglesa se tornou um refúgio para dissidentes religiosos e fugitivos. Os colonos, protestantes de várias denominações, buscavam na América um lugar sem perseguição. Alguns falavam na Canaã prometida, terra onde pudessem reconstruir a “sociedade perfeita” bem longe da Inglaterra. Era um grupo fragmentado, sofrido e empenhado em erguer uma sociedade moralmente rigorosa.
A tentativa de estabelecimento oficial na Virgínia, a mais parecida com nossas capitanias hereditárias, falhou miseravelmente. A colônia foi devastada pela fome, ataques indígenas e doenças. Com a retomada dos esforços colonizadores sob o impulso dos Stuart, o empreendimento tornou-se uma operação empresarial: a Companhia de Londres e a Companhia de Plymouth buscavam explorar as novas terras visando lucros. Deu tudo errado, e acabaram servindo para coordenar a migração de excedentes populacionais de uma Inglaterra superpovoada.
O caso de Massachusetts é paradigmático. Enquanto o Brasil português vivia uma integração gradual entre indígenas e europeus, como nos casos de Catarina Paraguaçu e Bartira, e nos esforços dos jesuítas, os massachusetanos insistiam em uma rígida separação, com ferrenho controle cultural e religioso, o que levou a diversos atos de caça às bruxas. Literalmente.
Esse contexto também gerou uma sociedade profundamente preocupada com a educação, necessária para a leitura da Bíblia e para a boa formação de líderes religiosos. Isso levou à fundação de universidades, como Harvard. O objetivo era, sobretudo, religioso, mas como o nível de instrução formal superou os mais altos da época, começou a impactar outras áreas da sociedade. Já na América Lusa, o esforço catequético e pedagógico jesuítico era descontinuado por Pombal.
É curioso que a nossa Vila Rica era, no século XVIII, mais rica e populosa do que Nova Iorque. A elite do Brasil ostentava vida literária, prosperidade econômica e mestiçagem. Vendo do que Lisboa era capaz, Londres impôs um pacto colonial parecido às suas 13 colônias, mas o fez com muita injustiça, no momento errado, exigindo dos colonos americanos uma obediência tributária que, após o sacrifício na Guerra dos Sete Anos, os revoltava. Ao contrário dos portugueses, os ingleses intervieram de maneira tardia e desastrosa. E o resultado foi a primeira independência das Américas.
O Brasil, afinal, começa sua trajetória mais forte, com mais território, população e riquezas – porém, talvez, tenha faltado um maior apreço pelo conhecimento, e pelas instituições que o cultivam e difundem, sem as quais não se acendem os destinos mais prósperos.
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.