Carina Alves publica primeiro livro de poesias: ’Uma celebração da minha própria voz’Kayra França/ Divulgação
Publicado 20/10/2024 05:00 | Atualizado 20/10/2024 08:03
Rio - A escritora Carina Alves, de 45 anos, conhecida por suas premiadas obras de literatura infantojuvenil, recentemente se aventurou em outro ramo da escrita, ao lançar o primeiro livro de poesias, "brinco de ser UMA". Além disso, a carioca é doutora em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), psicóloga e ativista social. Ao DIA, ela fala sobre os reconhecimentos internacionais, o trabalho relacionado a inclusão e diversidade, os desafios e as inspirações da mais nova obra.
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"Escrever meu primeiro livro de poesias foi um processo profundamente conectado às minhas vivências e às pessoas que encontrei ao longo da jornada. A inspiração veio de momentos cotidianos, de pequenos detalhes que costuram a vida, mas que nem sempre temos a chance de observar com profundidade. As paisagens de Portugal e do Brasil, com seu céu amplo e pôr do sol mágico, sempre me encheram de uma vontade de transformar o que sinto em palavras", conta.
Ela também afirma que o processo de escrita foi guiado por uma busca de autenticidade, vontade de se permitir ser vulnerável e abraçar o seu "eu". "O livro é, portanto, uma celebração da minha própria voz, das trocas que a vida me proporcionou, e da voz de muitas outras mulheres incríveis que me acompanharam nessa jornada. Eu 'brinco de ser UMA' mas sempre chego com todas as mulheres junto comigo. São muitas vozes em uma!".
Além de explorar temáticas sobre o amor, arte, esperança e devaneios, Carina revela que, através dos poemas, também quis transmitir as 'experiências' de outras mulheres. "'brinco de ser UMA' é mais do que um livro de poesias. É uma forma de dar voz às muitas mulheres que carrego dentro de mim. Quando escrevo, não sou apenas uma. Trago comigo as experiências de todas aquelas que foram julgadas, ameaçadas, abandonadas. Mulheres que tiveram suas histórias silenciadas, mas que agora encontram espaço para se manifestar através das minhas palavras".
O livro que foi bem-recebido em Portugal e Brasília, foi lançado no último final de semana na Flip 2024, na Casa Gueto, em Paraty. A carioca, então, relembra como foi o contato com os leitores nesses eventos. "A recepção do público brasileiro ao meu livro 'brinco de ser UMA' foi simplesmente fantástica. No lançamento em Brasília, fui acolhida por um público diverso e caloroso, que vibrou junto comigo em cada verso. A partir desse momento, criei laços com muitos poetas e poetisas, enriquecendo ainda mais minha jornada literária. Depois, na Flip, em Paraty, esse movimento se expandiu. Estar em um espaço tão emblemático para a literatura brasileira e compartilhar minha obra com tantas pessoas foi transformador. Cada troca, cada encontro com outros escritores e escritoras fortaleceu meu propósito de continuar escrevendo e dando voz às mulheres que carrego em mim". Agora, a escritora inicia turnê em outras cidades do Brasil, incluindo São Paulo, Fortaleza, Minas Gerais e Paraíba.
Entre os vários títulos, Carina publicou "A Menina Potiguara" e "O Menino Que Escrevia Com Os Pés", voltados para o público infantojuvenil. Junto com os escritores Allan Damasceno e Mônica Pereira, ela também lançou as obras "Caminhos possíveis para incluir: Diversidade e Inclusão" e "Caminhos possíveis para incluir: inclusão social e protagonismo". 
Assim, a escritora reflete de que maneira transmite a acessibilidade através dos livros. "Transmito acessibilidade nos meus livros de diversas formas, refletindo meu compromisso com a inclusão e o diálogo com diferentes públicos. Uma dessas formas é o uso de uma linguagem clara, simples e poética, que permite que pessoas de diferentes idades, níveis de letramento e experiências de vida possam se conectar com minhas palavras. Minha escrita acessível não significa simplificação, mas sim a habilidade de abordar temas complexos, como identidade, diversidade, vulnerabilidade e empoderamento, de forma que as pessoas possam se identificar e sentir-se acolhidas. Além dos formatos acessíveis em braille, libras, pictograma, fonte ampliada, audiodescrição e audiolivro".

Em um desses encontros, ela relata uma situação que mais marcou. "Durante uma das ações do 'Literatura Acessível', em uma escola pública de Minas Gerais, uma menina de cerca de 10 anos veio até mim após uma contação de histórias. Ela estava visivelmente emocionada e disse que nunca tinha lido um livro antes, e que nunca tinha visto o 'brownie' - era o braille - pois em sua casa não havia livros e, até então, ela não tinha tido acesso a nenhum. Ela me contou que aquele momento fez com que ela se sentisse especial, como se as histórias fossem também dela, como se pudesse, de alguma forma, fazer parte daquele universo", lembra.
"A forma como ela se identificou com as personagens e a emoção nos seus olhos me mostraram, de uma maneira muito pessoal, o poder renovador da leitura. Esse relato foi uma confirmação de que o trabalho que faço, levando literatura a quem não tem acesso, pode mudar vidas e plantar sementes de futuro. Essa menina me mostrou que, muitas vezes, o impacto de um livro vai muito além das palavras impressas – ele pode dar às pessoas uma nova forma de enxergar a si mesmas e o mundo", acredita.
"Literatura Acessível"
O projeto "Literatura Acessível", que em 2022 recebeu da UNESCO Paris e do Governo da China o Prêmio Confúcio de Alfabetização, foi criado para democratizar o acesso à leitura e à literatura para pessoas que muitas vezes são privadas desse direito. "A iniciativa busca levar livros, contação de histórias e oficinas literárias para escolas públicas, comunidades em situação de vulnerabilidade social, bibliotecas e outros espaços onde a leitura nem sempre faz parte da rotina. Acredito que a literatura tem o poder de abrir portas, portais, ampliar horizontes e dar voz a quem é frequentemente silenciado", diz Carina.
"O foco é garantir que crianças, jovens e adultos possam experimentar o prazer da leitura de maneira inclusiva e lúdica. Desde oficinas em para crianças com e sem deficiência, formação de professores, jogos, aplicativos com recursos de acessibilidade, o 'Literatura Acessível' desenvolveu uma metodologia para que todos possam participar e se sentir parte desse universo. Mais do que distribuir livros, queremos construir, conectar histórias e realidades, tornando a literatura uma ferramenta de empoderamento e inclusão social", completa. 
Prêmios
Em julho deste ano, Carina também recebeu a Medalha de Mérito em Congresso da Pró-Inclusão, em Portugal. O prêmio é entregue aos profissionais que apresentam um percurso de vida dedicado à educação, inclusão e equidade de Direitos Humanos. "Receber prêmios e reconhecimentos internacionais é uma sensação de profunda gratidão. Cada conquista é o reflexo de uma jornada feita de muita luta, muitas trocas, aprendizados e encontros que me impulsionam a continuar. Esses reconhecimentos não são apenas um elogio ao meu trabalho, mas uma celebração de todas as vozes que carrego comigo, especialmente as que buscam espaço. Sinto-me honrada e, acima de tudo, motivada a seguir compartilhando meu trabalho com o mundo, acreditando no poder transformador da palavra, do acolhimento aos que estão ao meu redor e principalmente nos direitos humanos".
Instituto Incluir
Carina é a presidente do Instituto Incluir, uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2018. Com sede no Rio de Janeiro, também atua em várias cidades do Brasil e do mundo. Através da diversidade e inclusão, o projeto social tem o objetivo de levar a "educação e literatura a todos, especialmente às populações que vivem em situação de extrema desigualdade", segundo a escritora.
Com 20 anos de ativismo social, apesar dos reconhecimentos, os desafios não foram e nem são fáceis. Carina conta que além das barreiras relacionadas as desigualdades estruturais e à falta de recursos para garantir a continuidade dos projetos, trabalhar em comunidades vulneráveis exige lidar com questões que vão além do âmbito social. A precariedade dos serviços básicos, o desinteresse de certas esferas em apoiar as iniciativas e falta de políticas públicas efetivas são algumas das questões enfrentadas.
A ativista social também relata que outro desafio significativo é a resistência cultural à inclusão. "Muitas vezes, as pessoas e as instituições têm dificuldade em entender a importância de se criar espaços verdadeiramente inclusivos, seja na educação, no esporte, na cultura ou em outros campos. Essa resistência demanda paciência e muita conscientização para construir uma mentalidade mais aberta e acolhedora".

Além disso, há a questão do 'esgotamento emocional'. "Atuar por tantos anos como ativista social implica lidar com situações extremamente delicadas e dolorosas, e manter a motivação constante, por vezes, é um ponto desafiador. No entanto, cada pequena vitória – seja uma criança que se encanta com um livro ou uma mulher que encontra força na rede de apoio – me faz lembrar o motivo pelo qual continuo nesse caminho, mesmo diante de tantas dificuldades".
*Reportagem da estagiária Mylena Moura, sob supervisão de Isabelle Rosa
 
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