Publicado 19/06/2024 06:00 | Atualizado 19/06/2024 08:50
Rio – Ícone que atravessa gerações, Chico Buarque, no auge de seus 80 anos, completados nesta quarta-feira (19), continua a fazer sucesso entre os fãs, independente da idade. Com suas composições geniais e melodias que tocam o coração, o artista se tornou um ídolo tanto por sua voz quanto por seu posicionamento político.
PublicidadePara comemorar o aniversário do cantor, O DIA conversou com alguns fãs de Chico para entender o amor e a devoção que ele carrega de seus admiradores, mesmo após quase seis décadas de carreira.
Entre jovens e adultos há algo em comum: Chico Buarque fez parte da infância e adolescência de milhares de brasileiros. Para a aeroviária Maria Cecília Alencar, de 59 anos, moradora de Ribeirão Pires (SP), o amor pelo cantor começou a crescer dentro de si aos 14 anos.
"Eu nem sabia quem era Chico Buarque, mas depois que eu descobri, com 14 anos, que eu gostava da música dele e não sabia quem era. Um dia eu ouvi a música 'Geni E O Zepelim', e ela me deu um impacto tão grande. Eu falei: gente, que música é essa? Achei tão genial que procurei. E na minha época, com essa idade, não tinha internet, não tinha nada, então tinha que ouvir no rádio ou comprar um LP. Era tudo mais difícil, não era como hoje, que você vai na internet e sabe quem é", conta ela, que administra uma página de fãs no Instagram, a @chicoparatodos.
Para a professora universitária Claudia Souza, de 54 anos, moradora do Rio, o "primeiro encontro" com Chico Buarque não foi diferente. Ela conta que seu gosto musical atual foi formado por influência de seus pais. "Meu pai e minha mãe ouviam muita MPB em casa. Praticamente a gente não escutava música estrangeira, então já fui apresentada aos cantores da MPB bem nova. Maria Bethânia, Chico Buarque, Caetano, a gente ouvia indo para a praia no carro", lembra ela.
Já a advogada Paula Priscila de Melo, de 30 anos, moradora de Campina Grande (PB), teve seu primeiro contato com o artista ainda criança, na escola. "Quando eu estava na escolinha, teve um musical do Chico Buarque chamado 'Os Saltimbancos', e eu gostava muito de gato, e achava a música 'História de Uma Gata', que faz parte de 'Os Saltimbancos', a coisa mais linda do mundo. Na época, eu tinha 7 anos e mais tarde eu me aprofundei na obra de Chico Buarque, por causa das aulas de português e história, e pude compreender a complexidade do sentido dessa música", pontua ela, que administra a página de fãs ao lado de Maria Cecília.
A advogada Monalyza Karyne de Alencar Vieira, de 43 anos, moradora de Fortaleza (CE), também conheceu o artista ainda na infância, principalmente através de programas televisivos infantis. "Na década de 80, a gente ouvia muita MPB. Os programas infantis divulgavam álbuns musicais com composições de Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Toquinho. Então, nós tivemos uma cultura muito rica durante a infância. A infância foi muito bem instruída, bem musicada", conta ela, que também administra uma página de fãs no Instagram, a @acervochicobuarque.
A operadora de automação Marta Gabriela de Mattos, de 40 anos, moradora do Rio, conta que teve seu primeiro contato com Chico Buarque aos 6 anos de idade. "Eu morava em Minas Gerais e estava no carro do meu irmão, viajando para o Rio, quando escutei 'O meu guri' e fiquei intrigada. Falei: 'meu Deus, que música é essa? Quem está cantando?' E comecei a querer escutar tudo do Chico e me apaixonei instantaneamente. E sou completamente apaixonada desde então. A minha vida é Chico Buarque desde que eu era criancinha", afirma.
Assim como Claudia, a estudante de psicologia Letícia Farias, de 19 anos, moradora do Rio, se apaixonou por Chico Buarque por influência dos pais. "Eu comecei a ouvir Chico Buarque porque o meu pai é muito fã dele, ele sempre ouvia e sempre me deixou isso. E aqui em casa a gente sempre ouviu muita MPB. Então foi muito inevitável. É um sinônimo de estar em casa", diz ela, que apesar de não ser uma fã muito assídua, admira e escuta o cantor sempre que pode.
O Chico político
Entre um dos pontos mais admirados pelos fãs de Chico Buarque está o posicionamento político do cantor. Ele, que foi um dos maiores ativistas na época da ditadura militar (1964-1985), principalmente através das músicas, continua a deixar claro suas preferências políticas nas redes sociais. O artista foi um dos grandes críticos do ex-presidente Jair Bolsonaro e apoiador de Lula nas Eleições de 2022.
"Esse lado político dele, de utilizar sua obra, as músicas para cantar e fazer valer os nossos direitos, numa época tão triste, que foi a ditadura militar de 64, Chico Buarque deu voz a quem naquele momento não poderia falar, porque muitas canções dele passavam ilesas, já que os militares não compreendiam o duplo sentido delas", diz Paula.
"O Chico Buarque tem dois lados que são importantíssimos: de um lado, ele consegue capturar a experiência feminina nas músicas, do outro, é a inteligência dele quando faz as letras de protesto contra a ditadura militar. Ele fez de um modo tão bem construído que dificultava os próprios sensores, que não conseguiam capturar a essência do que estava falando ali. O que aparece é a complexidade da letra e a sutileza que fez com que algumas músicas fossem aprovadas e elas estavam ali subentendidas tudo estava subentendido", completa Claudia.
"Ele fala o que está acontecendo de uma maneira tão simples, tão natural, que você fica: como é que esse cara consegue falar uma coisa pesada dessa, desse jeito? Sabe? Eu acho incrível", afirma Maria Cecília. "Eu acho que o Chico deixa um legado sobre política. Eu acho que ele é atemporal, o maior exemplo disto foi nas Eleições de 2022. A gente estava revivendo músicas da década de 1970/1980 que eram tão atuais que a gente cantava e lembrava dos anos que passamos no último governo", destaca Letícia.
A vivência feminina
Outro ponto que deixa os fãs de Chico Buarque admirados é a forma com que ele compõe as músicas e, mesmo sendo homem, consegue expressar uma vivência feminina como nenhum outro. "Como aquele homem sabe tudo sobre uma mulher? Eu me sinto invadida. O que é isso? Como você sabe que eu fiquei assim?", brinca Letícia sobre as letras do artista.
"O que eu mais gosto no Chico Buarque é o modo como as letras dele capturam a vivência feminina, ele é um homem que captura a experiência feminina de um modo apropriado. Quando você pega uma letra do dele, por exemplo 'A história de Lily Braun', ele fala da experiência feminina de uma forma tão apropriada, que é como se ele capturasse essa essência do modo como a mulher vive as relações. É incrível", afirma Claudia.
O papel na Música Popular Brasileira
Um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira, Chico Buarque arrasta uma multidão de fãs por onde passa. Suas composições atravessam gerações e tocam desde os mais velhos aos mais jovens. Sobre o papel do artista na MPB, Maria Cecília foi enfática: "Ele resume toda a música brasileira. A gente tem várias pessoas maravilhosas que nem ele, mas, para mim, ele resume todo mundo, todos os cantores, tudo".
"Eu o acho fantástico, extremamente inteligente, contundente e tão sensato. Isso não é para qualquer um e não nós não temos outro igual. E acho que não teremos. Pode ser meio prepotente, mas eu acho que o Chico Buarque é o maior de todos os tempos. Temos músicos maravilhosos, mas o ele é o melhor, porque consegue descrever a realidade com uma métrica, uma poesia, uma perfeição que nenhum outro nunca conseguiu. Ele é absurdo", fala Gabriela.
"Eu acho que ele é o maior artista brasileiro vivo atualmente. Culturalmente falando, ele reflete, a nossa identidade nacional. É o que o mundo lá fora deseja. A gente sempre 'macaqueava' o primeiro mundo, mas quando se trata de música, a gente é referência a mundial", diz Paula. "Todo mundo já ouviu ele, ele é essência", afirma Letícia. "É cativante poder ser fã de uma personalidade, compositor e escritor como ele", completa Monalyza.
O físico se mistura ao digital
Enquanto muitas pessoas ainda mantém uma coleção de discos e livros físicos de Chico Buarque, outras aderiram à tecnologia e preferem cultivar momentos no meio digital, como é o caso de Claudia. "Na adolescência eu tinha discos, mas não tenho mais, não sou saudosista. Agora só uso o Spotify, que me dá praticidade de baixar aquelas listas e ouvi-las quantas vezes eu quiser, do jeito que eu quiser. Até um tempo atrás, eu trabalhava em Petrópolis e já teve dia de eu ouvir Chico no Spotify até chegar em casa. E vinha cantando alto quando estava dirigindo. E às vezes tem músicas que eu coloco um milhão de vezes para poder ouvir e compreender".
Diferente dela, Maria Cecília não consegue se desfazer de sua coleção. "Eu tenho todos os discos. Tenho livros, fotos, o que puder imaginar. Não tenho tudo, mas tenho muita coisa. Imagina uma adolescente? Era só o que eu fazia: comprar coisa do Chico Buarque. O cara é um gênio e temos que aproveitar enquanto ele está aqui nessa Terra com a gente", afirma.
"No meu Spotify, Chico Buarque é um dos mais tocados. Inclusive, acho que foi em abril, eu estava no 5% top fãs dele. A minha avó tem muitos CDs e DVDs do Chico Buarque. Ela tem uma coleção inteira e a gente tenta roubar, mas ela não deixa", brinca Letícia.
Paula é outra que mantém uma coleção de itens físicos de Chico Buarque. "Tenho, quase a coleção completa dele, tanto de disco, como de CD e DVD. Além dos livros dele também, inclusive alguns autografados", conta. "Tenho alguns vinis, inclusive um 'Caravana' autografado por ele e por todas os músicos. Eu guardo com muito carinho. É uma recordação para a vida", completa Monalyza.
Parte da história de vida dos fãs
Para Maria Cecília, seu amor por Chic se tornou tão profundo, que ela acabou tomando para si o sobrenome do artista nas redes sociais. Ela, que se apresenta como Ciça Buarque em seus perfis, explica o motivo para tal.
"O Chico é meu artista favorito, sem sombras de dúvidas. Não foi à toa que me colocaram esse apelido. Não fui eu quem me apelidou, embora todo mundo pense isto. Eu trabalhava no aeroporto e todo mundo me chamava de Buarque, por causa do Chico, de tanto que eu o ouvia. E quando surgiu o Facebook, que eu coloquei o meu nome, ninguém me achava. Aí um amigo falou: 'por que você não põe Ciça Buarque?' E foi só eu trocar o nome que me acharam. Mudaram meu nome e eu nem sabia, fui saber na rede social", brinca.
Para Claudia, as músicas de Chico Buarque, além de colocá-la para pensar, trazem também um ar nostálgico. "Quando a gente ia para a praia, meus pais colocavam MPB para tocar no rádio do carro e em certa altura do caminho, sempre tocava uma música do Chico e isto ficou gravado na minha memória", relembra.
Já Paula, relembra uma situação inusitada que viveu ao lado do cantor. "Teve um ano, acho que foi 2016, eu viajei com um grupo de amigos para assistir a um show no Rio e fui no campinho dele. A gente procurou saber os dias e os horários que ele frequentava e fomos. Quando ele terminou de jogar bola, a gente foi lá conversar com ele e minha amiga virou e falou assim: 'Chico, sabia que nós somos suas raparigas?' Ele riu muito, ele batia na perna, ele rolava. E então eu tive que explicar que aqui na Paraíba tem bloco carnavalesco em homenagem a ele, que se chama 'As Raparigas de Chico Buarque' Então ele começou a rir e achou tão engraçado", divertiu-se.
Aos risos, Monalyza revela que tem histórias íntimas que envolvem o cantor e conta que também passou por uma situação inusitada. "Em 2018, eu estive em João Pessoa e fiquei hospedada no mesmo hotel que o Chico Buarque. Ao chegar lá, a primeira pessoa que eu me deparei nos corredores foi o Chico, ele caminhando com a Carol Proner. Eu levei um susto, não sabia como reagir, mas tive que manter a compostura. Fiz "a egípcia" e segui a diante. Não o incomodei em nenhum momento, mas ele pressentiu que eu era uma fã muito louca", diz.
Gabriela foi outra que passou por um momento inusitado ao lado de Chico Buarque. "Uma vez eu encontrei com ele na rua, foi no dia 31 de dezembro do ano 2000. Eu fui passar o réveillon no Leblon, na casa da tia de um amigo meu, e ela era vizinha do Chico Buarque. Eu não sabia, ninguém tinha me falado. Num dado momento, eu saí, e fui descer a rua, que é uma ladeira, para ir comprar na padaria. Quando eu saí do prédio dela, que eu coloquei o pé na calçada, vi Chico Buarque descendo a rua", conta.
"Olhei sem acreditar e comecei a passar mal. Não conseguia falar, nem me mexer. Ele chegou perto de mim, encostou no meu ouro e perguntou se eu estava bem. Nesse momento eu destravei e só conseguia falar: 'caralh*, Chico, eu te amo'. Ele me acalmou e perguntou se eu queria um autógrafo. Eu comecei a chorar porque eu não tinha absolutamente nada para ele dar um autógrafo. Ele estava com a agenda dele na mão, tirou uma folha e deu um autógrafo de lapiseira", finaliza Gabriela.
Para Letícia, as músicas de Chico Buarque a levam de volta para casa, não importa onde ela esteja. "Eu e minha mãe às vezes pegamos meu pai sentado na cozinha com o copo de cerveja cantando 'Gente Humilde' com uma dor que parece que ele escreveu junto com ele. Meu pai que me ensinou a prestar atenção nas letras das músicas. A gente se sentava à mesa e debatia. Chico é um sinônimo de estar em casa", afirma.
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