Grace Gianoukas como Leda Mancini, de ’Família é Tudo’Divulgação / Globo / Estevam Avellar
Publicado 07/07/2024 06:00
Rio - Quem assiste à Grace Gianoukas como Leda Mancini, na novela das sete da TV Globo, "Família é Tudo", não imagina que a atriz entrou no mundo das artes por acaso. Referência em papéis na comédia na televisão e no teatro, a artista de 60 anos, com 42 de carreira, tinha o desejo de ser antropóloga, mas, para a alegria do público, seguiu com o trabalho nos palcos.
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Em entrevista ao Meia Hora, Grace, que tem na bagagem os prêmios APCA e SHELL, de melhor atriz, e I Love PRIO, de melhor performance, fala sobre o sucesso da personagem em "Família é Tudo", explica como é viver a atriz e humorista Dercy Gonçalves (1907-2008) no teatro e revela os sonhos que ainda deseja realizar, como atuar em uma novela das nove. Confira:

Você é amplamente reconhecida pelo seu trabalho no humor. Como começou sua carreira no mundo artístico? Sempre quis ser atriz?

Nunca tinha pensado em ser atriz. Eu queria ser antropóloga, trabalhar com comunidades indígenas e quilombolas porque sempre admirei muito a maneira como essas comunidades vivem e como se relacionam com a natureza. Só que quando eu fui fazer vestibular, eu tinha uma segunda opção de cursos, caso eu não tivesse notas para a primeira. Eu coloquei o teatro e acabei passando. Assim começou o meu contato com a arte.

O teatro me pegou e eu nunca mais pensei em fazer outra coisa. Como autora e autodidata, eu estou sempre lendo sobre o assunto e continuo me interessando sobre antropologia, mas isso ficou como uma base propulsora.

O que você acha que é mais desafiador sobre fazer comédia?

A coisa mais desafiadora para se fazer na comédia é quando você pega um texto ruim, um texto cheio de preconceitos, daquele humor do bullying, que a gente não acha graça nenhuma. Eu, pelo menos, não acho graça nenhuma. Ter que fazer disso uma coisa engraçada é muito difícil. Eu sou chata para comédia. Não é de tudo que eu rio.

Existe algum momento ou papel específico que você considera um divisor de águas na sua trajetória?

É difícil essa pergunta. Eu tenho 42 anos de carreira em muitos aspectos da arte, do teatro, do cinema, da TV. Então, se eu for que citar alguma coisa, acho que os meus primeiros trabalhos de comédia, quando eu comecei a escrever, que eu apresentei em São Paulo.
Tem uma personagem que eu criei e acabou indo para a "Terça Insana" (grupo de humor criado em 2001, em São Paulo), que era a Aline Dorel, uma atriz dependente de ansiolíticos. Tem também o espetáculo, que eu escrevi, "Não quero droga nenhuma", em 1989. Foi a primeira vez que se tratou o assunto de dependência química usando o bom humor, uma comédia como uma ferramenta para um assunto tão delicado. Foi um divisor de águas da minha carreira.

Você recebeu diversos prêmios por 'Nasci pra ser Dercy'. Como é interpretar Dercy Gonçalves?

Interpretar Dercy Gonçalves é uma grande responsabilidade porque eu fui buscar não a Dercy que todo mundo conhecia, essa figura pública. Para honrar a memória da Dercy, eu fui buscar quem era a Dercy na intimidade. Na verdade, Dolores Gonçalves Costa, que é o nome dela de nascença.

Eu fui pesquisar com pessoas que conviveram com ela, procurei ler um pouco mais, assistir a muitas entrevistas e observar os momentos mais delicados, mais sensíveis da Dercy, e não exatamente a personagem que ela fazia, aquela coisa mas histriônica. Isso era um escudo protetor para a Dolores, uma mulher tão batalhadora, tão lutadora que chegou onde chegou. O meu grande desafio é mostrar ao público a humanidade dessa figura que todo mundo conhece. O meu objetivo como atriz é mergulhar na questão emocional, afetiva e humana da Dercy Gonçalves.

Como tem sido a experiência de trabalhar na novela 'Família é Tudo'?

"Família é Tudo" tem sido para mim uma delícia. Eu amo os meus colegas de trabalho, adoro os meus diretores, adoro o texto do Daniel Ortiz... Eu me sinto realizadíssima fazendo esse trabalho! A Leda é uma delícia, a cada novo bloco de capítulos que chega, ela entra em novas aventuras, e eu estou entregue completamente para viver tudo o que o autor e os diretores me propõem.

Adoro me entregar para um personagem e adoro colaborar também. E é uma delícia trabalhar Cristina Pereira, Thiago Martins, Daphne Bozaski, Ana Hikari, com o Davi Pinheiro, agora está entrando o Marcelo Médici no meu núcleo. A Arlete Salles, pelo amor de Deus! Adoro fazer esse faz de contas que contagia o Brasil, né? A novela tem levado muita alegria ao público e isso me deixa muito feliz!

Como você lida com a pressão e as expectativas do público e da crítica?

Claro que quando a gente está em vésperas de estrear um trabalho sempre tem aquela pressão e aquela ansiedade, aquele nervosismo que a gente quer fazer o nosso melhor. Em novela, por exemplo, até a gente se ajustar com os outros colegas, nem sempre tem aquele tempo de preparação necessário para fazer aquele entrosamento incrível, que, muitas vezes, temos no teatro, com os ensaios e tudo mais.

Agora a expectativa dos outros e a crítica realmente não são coisas que eu fico considerando antes de fazer o meu trabalho. O que eu faço e que eu acho que me protege e, de certa maneira, me prepara para todo tipo de reação ao meu trabalho é que eu sempre busco o meu melhor, o melhor que eu consegui interpretar emocionalmente, racionalmente aquela personagem, o melhor uso das ferramentas que eu adquiri nesses anos de trabalho, na arte da interpretação. Eu estou sempre entregando tudo que eu tenho de melhor. Se isso não for suficiente, eu não posso fazer nada, eu não posso dar mais. Sempre dou tudo o que tenho.

Qual é a diferença de fazer comédia em novela e no teatro?

No teatro, você precisa ampliar mais a sua expressão porque é um público que está lá longe. Às vezes, tem quatro mil pessoas na plateia, e a sua expressão, sua voz e seu movimento têm que chegar até a última fileira daquele teatro para todo mundo estar ali contigo. A TV exige menos dessa expressão.

Tanto no teatro quanto na TV tem uma coisa que é preciso levar. Cada vez que a gente bota o pé para interpretar uma personagem com entusiasmo, vai com tudo. Essa coisa de fazer meia boca, não rola. seja em qualquer lugar. Comédia tem que ter alma, tem que ter entusiasmo.

Existe algum papel ou projeto que você ainda sonha em realizar?

Eu adoraria poder fazer uma novela das nove. Eu quero poder interpretar alguns clássicos do teatro, adoraria fazer alguma montagem de Nelson Rodrigues, que, por incrível que pareça, eu nunca fiz, nunca montei, e eu sou apaixonada. Estou aí para todos os trabalhos que vierem. Muitas coisas ainda virão, e eu quero estar preparada e com saúde para fazer tudo.

Como você equilibra sua vida pessoal com a agitada agenda de gravações e apresentações?

É realmente uma loucura. Quando a gente está fazendo uma novela e ainda, eventualmente, fazendo apresentações de teatro, a vida fica bem enlouquecida. Mas eu tenho uma boa rede de apoio com a minha família e pessoas que trabalham comigo, que me ajudam muito nas minhas funções de dona de casa.

Eu moro em São Paulo, mas quando eu estou fazendo novela estou no Rio. Então, eu fico praticamente com duas casas. E preciso muito de uma rede de apoio, de pessoas de confiança, que são amigos que trabalham comigo há muitos anos, e a minha família também.

Às vezes, a gente chega em casa depois de um dia de gravação com muito texto, muita emoção, e ainda tem que decorar a cena do dia seguinte. Ter que arrumar a mala porque vai viajar, vai receber um prêmio e depois vai para outra cidade fazer uma apresentação de teatro. Aí, volta direto para o Rio. Olha, tem dias que eu falo que eu não estou mais conseguindo raciocinar, eu vou dormir. Eu vou dormir porque amanhã, com a cabeça mais fresca, consigo me organizar. Porque tem momentos que dá um tilt mesmo. É uma correria.

O que os fãs podem esperar de você nos próximos anos? Algum projeto novo em vista?

Eu sou a rainha dos projetos. Tenho muitas ideias, muitos textos, muitas coisas que eu escrevi que eu ainda não coloquei no palco. Terminando a novela, quando estiver voltando para a turnê nacional e nas temporadas de "Nasci Para Ser Dercy", eu pretendo estar reorganizando, revendo todos esses textos que eu tenho para, quem sabe quando terminar a peça, montar um novo espetáculo com textos meus, minhas análises sobre o mundo e tal. Fora isso, em breve, será lançada uma biografia sobre mim. Ah! Tem bastante coisa, estou sempre sendo consultada para trabalhos. Vamos ver o que que está por vir.

Como você gostaria que sua carreira fosse lembrada no futuro?

Eu gostaria de ser lembrada como uma trabalhadora da arte, uma pessoa que nunca desistiu apesar de todos os altos e baixos da carreira, e como alguém te contribuiu para que ache continuasse de pé com todas as intempéries que a gente passa nesse país, mais nada. Eu acho que faço parte de uma corrente de pessoas que mantêm a alegria desse país. Eu sou só mais um elo.
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