Publicado 15/05/2022 08:49 | Atualizado 15/05/2022 15:36
Rio - A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie está de volta ao Brasil, após 14 anos. Ela participou, neste sábado, da conferência "Contando histórias para empoderar e humanizar", promovida pelo LER (Salão Carioca do Livro), no Maracanãzinho. Antes disso, na sexta, a autora conversou com jornalistas em uma coletiva de imprensa no hotel em que está hospedada, na Zona Sul da cidade.
Muita coisa mudou desde que Chimamanda esteve no país da última vez, em 2008, para uma participação na Flip. Suas palestras no TedTalk viralizaram, um de seus discursos foi parar na música "Flawless", de Beyoncé, permitindo que jovens que nunca tinham escutado falar em literatura nigeriana anteriormente conhecessem a autora; Chimamanda perdeu os pais e se tornou mãe. No entanto, duas coisas nunca mudaram: seu amor pela literatura e sua vontade de contar histórias.
"Nós vivemos um período estranho e eu digo que o maior problema que nós temos na atualidade é a desinformação. E essa desinformação está muito atreladas às redes sociais e ao declínio de poder das mídias tradicionais. Então, hoje em dia as pessoas têm acesso à informação por meios diversos e nem sempre meios confiáveis. Não ter como conferir a veracidade dos fatos é um problema. Sei que me repito muito quando falo sobre contar histórias, mas eu acho que contar histórias é o nosso jeito para seguir em frente. A gente precisa resistir e continuar contando as histórias. Nem todas as pessoas querem ouvir, fato. Porém o caminho é insistir", afirma a autora.
"Eu falo de assuntos que nem todo mundo quer ouvir e o meu compromisso é não desistir. Eu vou continuar falando, eu vou persistir. E uma coisa muito importante é desenvolver novas formas de contar histórias para que nós possamos atingir as pessoas. É muito importante que a gente consiga desatrelar dos números, gráficos, fatos… eles não contam histórias humanas", analisa.
Retorno à ficção
O último livro publicado por Chimamanda é o doloroso e necessário "Notas sobre o luto" (Ed. Companhia das Letras. R$ 34,90). Apesar de amar seus ensaios, sua verdadeira paixão é a ficção. Chimamanda não entrega muito, mas deixa escapar em meio a piscadelas de olho que talvez, quem sabe, esteja escrevendo um romance.
"Esse período sem muito contato com ficção é um desastre na minha carreira, isso eu posso dizer sem questionar. Eu posso falar que a literatura é o amor da minha vida, então não escrever ficção ou pelo menos não publicar ficção é uma coisa que me afeta muito. Infelizmente, eu não publiquei ficção nos últimos anos e um dos motivos foi eu ter me tornado mãe", explica.
"Com essa nova função de mãe, eu tive mudanças na minha criatividade. Essas mudanças foram positivas por um lado, negativas por outro. Mas, basicamente, eu tive muitas mudanças no plano emocional. Isso tornou a minha escrita mais difícil. Pensando em logística, é menos espaço para escrever. Eu quero muito publicar um romance e só de estar aqui com as edições brasileiras dos meus livros na mão eu estou pulando por dentro. Pensando muito nas experiências dos últimos anos, eu acho que elas nutriram muito a minha vida e vão nutrir muito a minha habilidade de escrever ficção", continua.
"Não digo que meus ensaios não sejam importantes, eles são superimportantes. Eles se conectam muito com o meu desejo de mudança, de mudar coisas no mundo. Eles são importantes, mas não são o amor da minha vida como os livros, como as ficções que eu escrevo. Então, em breve, quem sabe, eu vou publicar um novo romance", deixa escapar, aos risos.
Pandemia
A pandemia da covid-19 transformou a vida das pessoas ao redor do mundo e Chimamanda acredita que isto vai se refletir também na ficção. A autora revela estar ansiosa para ler o que será escrito sobre esse momento histórico e que também pode estar escrevendo algo sobre o tema.
"A ficção sempre foi importante, não só durante a pandemia, mas sempre. A ficção é uma das coisas mais importantes da minha vida, me fez perceber que existe diversidade no mundo, me fez esquecer, mudar, sonhar com mudanças. As pessoas vão contar as histórias da pandemia e eu quero muito ler essas histórias de ficção baseadas no horror que nós vivemos com a pandemia", afirma a autora, que deixa escapar que seu próximo livro pode ter algo a ver com o assunto.
"É muito interessante que a humanidade já passou por outros momentos de horror como a peste bubônica, as duas guerras mundiais e muitas histórias interessantes de ficção foram contadas a partir desses eventos históricos que mudaram o caminhar do mundo. Então, eu estou muito animada para ler a ficção que será criada a respeito desse período e, talvez, quem sabe, eu não esteja escrevendo sobre isso também?", brinca.
Feminismo
A palestra em que Chimamanda disse "sejamos todos feministas" (we should all be feminist) é uma das mais conhecidas, se tornou livro e tem trechos transformados em música no hit "Flawless", de Beyoncé. A autora acredita que contar histórias pode ser mais importante para a disseminação da causa do que realizar estudos acadêmicos sobre o assunto.
"Eu não gosto muito da ideia de que o feminismo não atende a todas as mulheres, mas se a gente pensar no feminismo ocidental, realmente, não atende a todas as mulheres. O feminismo, ao meu ver, é quando uma mulher se coloca na posição de se defender das opressões da sociedade, quando essa mulher se coloca numa posição de mostrar que ela não vai aceitar o que estão fazendo a ela. Gosto muito de pensar na minha bisavó, que nasceu entre a década de 1850 e 1860, e era considerada uma encrenqueira porque ela era uma pessoa que combatia as muitas opressões que afetavam a vida dela", afirma.
"Então, essas são histórias que precisam ser contadas. O feminismo não precisa ser algo teórico, acadêmico, necessariamente. Por isso que eu defendo muito as histórias. A gente sabe que boa parte das narrativas sobre o feminismo está nas histórias da sufragistas do Reino Unido e dos Estados Unidos, mas muitas outras mulheres também lutaram contra a opressão no mundo inteiro e as histórias delas não estão sendo contadas. Eu evito um pouco a teoria acadêmica sobre feminismo e acho que a gente pode ver o feminismo se expressando na vida real quando as mulheres recusam o trabalho doméstico compulsório, quando vemos mulheres defendendo remuneração compatível e igual a dos homens pelo mesmo cargo exercido", diz.
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