A jornalista Tatiane Generali é a criadora do grupo 'Mamãe Acolhe', de apoio para mães Andressa Fernandes
Por O Dia
Luana*, mãe de um menino de 8 anos, não é casada com o pai da criança, mas vive com um companheiro. Antes do início da pandemia, ela já trabalhava em home office e tinha uma rotina bastante controlada, dividindo seu tempo entre os cuidados com a casa, o filho e sua profissão. Mas apesar do dia a dia ao qual já tinha se adaptado, a chegada da covid-19 fez tudo se embaralhar. Além de todos passarem a dividir 100% do tempo em um apartamento pequeno, o que já é complicado, ela teve a real noção de como todas as funções da família já estavam e continuariam em suas costas. “Eu tinha a falsa impressão de que o trabalho não era todo meu, que o dividia de alguma forma. Mas com meu parceiro em casa, tudo ficou mais evidente. A única diferença é que antes o trabalho dele era fora e agora é em casa. Ele acorda, trabalha e pronto. A comida, a arrumação, o cuidado com tudo fica comigo. E ainda tem o meu emprego, é claro. O tempo livre dele é realmente livre, enquanto o meu não existe”, relata.
Já Débora Preto, mãe de Pedro, de 7 anos, e Maria, de 2, é casada com o pai das crianças, mas também viu sua rotina mudar do dia para a noite com a pandemia, já que o marido continuou trabalhando fora e os filhos passaram a “cobrar” mais presença dentro de casa: o menino teve problemas para se adaptar às novas aulas online e a menina por aumentar as mamadas. “Pedro não queria participar, se estressava, chorava, comia unhas. Após muitas reflexões, mudamos ele de escola para uma metodologia mais tranquila. Hoje, ele recebe lições para impressão e fazemos na medida do possível. Maria ainda mama no peito. E por eu estar mais ainda em casa, as mamadas aumentaram e o meu cansaço também. Minha ideia era que ela, ao completar 2 anos em julho passado, começasse sua vida escolar, ao mesmo tempo em que eu voltaria a trabalhar. Mas não foi possível. Nos meus planos, eu me dedicaria apenas aos dois, até minha filha entrar na escolinha, o que não aconteceu. Ou seja, esse período está mostrando que a vida das mães, que já era sobrecarregada, pode piorar ainda mais. Hoje, minha rede de apoio está sendo minha mãe, o celular e a TV. Precisamos, embora seja difícil, entender que não temos o controle de tudo, que devemos nos cobrar menos e que o sonho da maternidade perfeita e ideal está bem longe do real”, pontua.
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Luana e Débora fazem parte do Mamãe Acolhe, um grupo idealizado pela jornalista Tatiane Generali para servir como rede de apoio para mães – e pais, muitas vezes - que precisam de acolhimento, amparo e ajuda com os filhos. O projeto foi pensado a partir de sua experiência pessoal com a maternidade. Quando ficou grávida, morava em Florianópolis com o marido e ficou longe da família e dos amigos durante toda gestação e o primeiro ano de vida do filho Miguel. “Não tive uma rede de apoio próxima. Meu marido viajava muito durante a gestação e eu ficava bastante sozinha. Sabendo da importância de trocar experiências, ainda na gravidez comecei a frequentar uma roda de conversa para gestantes. Me ajudou muito ter informações, além de começar a fazer amigos na cidade. Os primeiros meses de vida do bebê e puerpério são dificílimos, e passar esse período frequentando encontros com outras mães foi uma experiência enriquecedora e importante. Sair de casa, ver outras pessoas, trocar ideias. Só quem passa por essa fase de reclusão vivenciando a maternidade sabe como é bom ter outras pessoas por perto para conversar e espairecer”, conta.
Em 2019, de volta à sua cidade, ela percebeu que não existia nenhum projeto nesse sentido e resolveu criar o MA. “O projeto tem como objetivo acolher e apoiar essas famílias, e, desta forma, criar uma rede de apoio, amizade e troca de conhecimento. Os encontros antes da pandemia eram presenciais e mensais, mas agora temos uma roda virtual e um grupo no Whatsapp, que tem ficado ainda mais forte nesse período. Muitas vezes, as redes de apoio como o Mamãe Acolhe são o único canal em que essas mães podem se abrir e mostrar a vulnerabilidade nesse período. Conseguimos ajudar com acolhimento, escuta ativa, compartilhando as experiências e tentando mostrar algumas alternativas para o momento que estão passando”, conta Tatiane.
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Maternidade solitária e solidária
Buscando ajuda
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É fato que a pandemia tem mexido com a cabeça de todos. E no caso das mães que estão ainda mais fragilizadas durante a pandemia, um atendimento especializado pode ajudar. Andrea Ladislau explica que o primeiro passo é conseguir, de forma consciente, identificar o que mais a incomoda, o que acarreta mais desconforto, e buscar ajuda profissional de um psicólogo ou psicanalista que irá auxiliar nesta busca interna do controle de suas emoções. “Quando falamos e externamos nossas angústias e nossos medos, estamos fazendo um trabalho de esvaziamento com a ajuda do próprio inconsciente. Essa ação é muito benéfica para que o processo de autoconhecimento nos permita reconhecer nossos limites e dosar nossa intensidade. Mas é de extrema importância que seja de desejo do indivíduo essa busca para que a entrega seja completa e o resultado satisfatório. Através da terapia podemos explorar a caverna escura do inconsciente que guarda muitos segredos sobre cada um de nós”, enfatiza.
Mas e quando não há meios financeiros para pagar por atendimentos com psicólogos ou psiquiatras? Os grupos de apoio, por exemplo, podem auxiliar muito, já que ao se ver inserida em um grupo de apoio, automaticamente, a pessoa poderá se sentir acolhida e conseguirá formular melhor suas questões e perceber que não está sozinha no universo de situações estressantes - os grupos de apoio, inclusive, mesmo para as pessoas que têm condição de terem um acompanhamento individual, são muito relevantes, pois funcionam como espaços de escuta em que a pessoa pode sentir-se mais à vontade para falar sobre si, suas vivências e emoções, principalmente para aquelas que têm redes sociais mais frágeis, que não têm muito apoio dentro de seu contexto de vida. Em quadros mais graves, mesmo que não tenha condições financeiras para buscar apoio dentro do âmbito particular, a pessoa pode e deve recorrer ao SUS, nos centros de atenção psicossocial (CAPS) ou, em demais serviços de saúde, como uma Unidade Básica de Saúde ou um Pronto-Atendimento. Vale lembrar que a psiquiatria é uma especialidade médica. Então, um médico em sua graduação também tem formação nessa área, e, portanto, é esperado que esse profissional consiga realizar o atendimento dentro de uma abordagem inicial.