Posse da nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala para chefiar a OMC pode favorecer pequenas empresas brasileiras
Por MARTHA IMENES
A semana começa com um chamado às mulheres, que daqui a uma semana vão celebrar o Dia Internacional da Mulher. O 8 de março - nunca é demais relembrar - foi escolhido para ressaltar as conquistas das mulheres, que não foram e não são fáceis. Contudo, ao contrário do que fica no imaginário, esse dia não é de "festa", é de luta por igualdade de condições de trabalho, como remuneração equivalente ao cargo ocupado, independentemente do gênero, por espaço nas fileiras acadêmicas, nas empresas, no empreendedorismo, e na vida.
Nesse contexto tão adverso, uma mulher em especial chamou atenção há poucos dias por conseguir transpor uma das barreiras mais cruéis que existe, a do racismo: a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, de 66 anos, é a primeira mulher, e nascida na África, a ocupar a diretoria-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Seu mandato vai até 31 de agosto de 2025, data que poderá ser estendida. E na esteira da nova diretora-geral, O DIA buscou histórias inspiradoras para as mulheres olharem o horizonte com um pouco mais de otimismo e para mostrar que representatividade importa.
Além da importância das desigualdades econômicas, outras pautas devem ganhar mais espaço na gestão da nigeriana. "Ela (Ngozi) já sinalizou que defenderá uma maior participação das mulheres no comércio global e que buscará um aumento da fatia de pequenas e médias empresas no comércio, já que pequenas e médias empresas (PMEs) são a maioria das empresas no mundo. Outro ponto importante é que dará mais espaço a pautas de tecnologia, um tema com o qual a OMC tem um histórico de dificuldades em lidar", avalia Karla Borges, professora de Relações Internacionais da ESPM-SP.
"Ela é experiente e preparada para a função e a sua indicação traria mais credibilidade e legitimidade para a instituição. Uma das suas marcas como diretora do Banco Mundial e como ministra na Nigéria é a sua capacidade de enfrentamento de temas econômicos e comerciais complexos. Além disso, o fato de ser africana traz uma nova ótica para a OMC, na qual a pauta das desigualdades globais terá centralidade", acrescenta Karla.
Desafios pela frente
A nova diretora-geral da OMC é conhecida por enfrentar problemas aparentemente insolúveis. À frente da organização, ela terá muito com que se ocupar na entidade comercial mesmo sem Donald Trump, que ameaçou retirar os Estados Unidos da OMC, se a nigeriana assumisse o cargo. Por isso a substituta do antigo diretor, o brasileiro Roberto Azevêdo, demorou 9 meses.
Como diretora-geral, uma posição que concede poder formal limitado, ela precisará intermediar tratativas comerciais internacionais perante um conflito persistente entre Estados Unidos e China, reagir à pressão pela reforma das regras comerciais e se contrapor ao protecionismo acentuado pela pandemia de covid-19.
No discurso feito na OMC após a vitória, Ngozi Okonjo-Iweala disse que fechar um acordo comercial na próxima grande reunião ministerial será uma "das maiores prioridades", e também exortou os membros da organização a rejeitarem o nacionalismo da vacina, de acordo com um delegado presente à reunião fechada, que foi realizada virtualmente. No mesmo discurso, ela descreveu os desafios que a entidade enfrenta como "numerosos e traiçoeiros, mas não insuperáveis".
No Brasil, 9,6 milhões de mulheres à frente de um negócio
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As barreiras enfrentadas por mulheres negras, seja para ser reconhecida no mercado de trabalho ou até por sua subsistência como empreendedora, são destacadas por Liliane Rocha, executiva-chefe e fundadora da Gestão Kairós, consultoria de Sustentabilidade e Diversidade.
Relatório do Sebrae sobre empreendedorismo negro de 2019 aponta que, no Brasil, 9,6 milhões de mulheres estão à frente de um negócio, sendo que as mulheres negras representam metade desse número, ou seja, cerca de 4,7 milhões são mulheres negras.
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A sub-representação da mulher negra no mercado de trabalho certamente tem impulsionado esses números nos últimos anos, o que pode ser comprovado no estudo do Ethos, "Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas". Na perspectiva de raça, o estudo mostra que mulheres negras são ainda mais excluídas nas empresas, principalmente nos cargos executivos e da alta liderança, sendo apenas 1,6% da gerência e 0,4% do quadro executivo. Entre os 548 executivos analisados para a conclusão do estudo, apenas duas mulheres negras faziam parte do grupo.
As dificuldades para as profissionais negras vêm desde a graduação, já que elas enfrentam diversos obstáculos que vão desde o ingresso na faculdade, passando pelas dificuldades em manter os estudos e até concluir um curso superior, seja por dificuldades financeiras ou pela falta de tempo para conciliar o emprego com os estudos, aponta levantamento do Sebrae. E as desigualdades não param por aí. Os negócios conduzidos pelas mulheres negras têm porte menor do que o de mulheres brancas, as empreendedoras negras ganham 49% a menos que as brancas.
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Para Liliane Rocha, essas diferenças são reflexos do racismo estrutural que ainda é muito forte na sociedade brasileira. "A verdade é que dentro das grandes empresas, produtoras de filmes e afins, chega uma hora que a mulher negra percebe que está lidando com uma barreira invisível que nada tem a ver com a performance. Neste instante, se dá conta de que, para ter o tamanho profissional e social que merece, deverá empreender. E ainda que sem base financeira ou patrimonial prévia, acaba por se tornar um caso de sucesso", diz Liliane.
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Curso para jovens da periferia e empresas em educação financeira
Pensando em diminuir as desigualdades e o endividamento dos jovens, administradora Beatriz Santos, a Bia, de 25 anos, moradora do Cachambi, na Zona Norte do Rio, ganhou destaque com uma área que deveria estar incluída na grade escolar: a educação financeira. E criou uma empresa inovadora (startup) de educação chamada Barkus Educacional, que visa ajudar os grupos minorizados a entender esse manejo de entrada e saída de dinheiro, orçamento, despesas e receitas. A Barkus Educacional rendeu à Bia uma colocação na lista Under 30 na área de Ciência e Educação, da Forbes.
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"No curso são desenvolvidos cursos e oficinas através de metodologias práticas de aprendizagem de forma divertida, com linguagem facilitada e muita mão na massa", diz a jovem, apaixonada por gestão de empreendimentos sociais e faz parte do livro Somos Empreendedoras, do Itaú Mulher Empreendedora, que conta a história de 25 mulheres inspiradoras brasileiras.
A jovem executiva-empreendedora comemora a ascensão da nigeriana ao mais alto cargo da OMC. "A escolha de Ngozi Okonjo-Iweala como líder da OMC representa uma nova era. Além de ser a primeira mulher e a primeira africana a ocupar o cargo, é reconhecida pela transparência em suas determinações políticas e econômicas e por sua luta em prol das classes mais baixas. Ela é a união de tudo que precisamos no momento: representatividade, pluralismo, combate à pobreza e à corrupção institucional", avalia Bia. "Okonjo-Iweala deixa um legado que transcende seu país de origem, a Nigéria, e inspira também a nós", finaliza.
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Turbantes atraem clientes e garantem reforço na renda
Os turbantes usados pela nova diretora-geral da OMC também "fazem a cabeça" das brasileiras. Os adornos de origem africana sempre estiveram presentes na vida de Glória Maria Caetano de Araújo, 57, do Rio Comprido, na Zona Norte do Rio, que viu na comercialização das peças uma forma de driblar dificuldades financeiras. A empreendedora carioca é dona da marca Glória Turbantes & Estilo (https://www.instagram.com/gloriaturbantesestilo/). E tempos de pandemia, a inovação chegou ao ateliê: faixas de cabelo e máscaras com a mesma estampa. É só conferir no Instagram!
Uma mulher na diretoria-geral da OMC é comemorada: "Mesmo que distante, a Srª Ngozi com seu belo turbante é nossa rainha e tenho certeza que com a experiência que já reúne de outras funções fará um belo trabalho na organização (OMC), que realmente precisa se revigorar", avalia Glória.
Glória conta a O DIA que identificou as reações nas redes empreendedoras como muito positiva e festejada. "A ascensão de uma mulher, principalmente africana num cargo de tamanha visibilidade mundial e uma aposta alinhada aos movimentos de inclusão de diversas minorias nos contextos de decisão e gerenciamento, sobretudo, relacionada às mulheres e ao povo preto em geral", diz.
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Emprego e bicos para pagar faculdade
A jovem Larissa Cristina Barcellos de Almeida, 20 anos, de Rocha Miranda, na Zona Norte, "se vira nos 30", para complementar o que recebe de salário em uma empresa de recrutamento. Ela conta que desde os 15 anos faz unhas, trufas, tranças e pega outros trabalhos por fora, inclusive churrasquinho! "Atualmente trabalho em uma empresa que inclui jovem aprendiz no mercado, fora isso, eu sou trancista e trabalho com vendas pelas redes sociais", explica.
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Mas o seu sonho mesmo é ter uma loja de roupas, confidenciou a O DIA. "Hoje eu vendo as peças pelo Instagram", diz a jovem. "Com esses trabalhos aqui e ali, além do meu fixo com carteira assinada, estou conseguindo pagar minha faculdade", diz Larissa, que vem de origem humilde e dá um show versatilidade.
Quem quiser dar uma força para Larissa garantir mais alguma grana para pagar a faculdade de Gestão de Recursos Humanos, é só dar uma chegada na página da moça em https://www.instagram.com/lbmoda_s/.
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Para a empreendedora uma mulher ocupar a diretoria-geral da OMC vai além da ocupação de um cargo importante e de visibilidade mundial.
"(A posse de Ngozi) Representa muito mais do que uma posição, representa a voz das mulheres, finalmente estamos ocupando espaços e cargos que deveríamos ter alcançado e chegado há muito tempo, se não fossem o preconceito e a falta de confiança por sermos mulheres. A escolha representa a liberdade, motivação e sim podemos todas as coisas porque somos mulheres! É nisso que eu acredito e essa notícia me deixa muito feliz e motivada!", conta Larissa.