Publicado 19/06/2022 05:00
RIO — Em maio, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou mais um contratempo para o orçamento das famílias de classe média. Depois de um reajuste negativo de -8,19% em 2021, a reguladora aprovou aumento de 15,5% para os planos individuais e familiares, a maior elevação da série histórica. A decisão gerou opiniões contrárias sobre os impactos para os clientes e para o setor de saúde. Especialistas e representantes de operadoras defendem métodos diferentes de cálculo para definição das tabelas de preços.
Para José Buzanello, professor da Unirio e coordenador do Grupo de Pesquisa de Regulação da Infraestrutura (Proreg), a medida pode colaborar para que mais clientes cancelem os planos. "As pessoas estão migrando do privado para o público porque não têm capacidade de suportar isso. Não é o plano; elas não têm aumentos e suspendem os planos", afirma o especialista.
Segundo dados recentes da ANS, a Região Metropolitana do Rio fechou o mês de março com 670 mil beneficiários de planos individuais e familiares, número abaixo dos 700 mil beneficiários dessa modalidade no mesmo período do ano passado. Em contrapartida, a quantidade de clientes dos planos empresariais aumentou de 2.730.746 em março de 2021 para 2.792.264 em março deste ano.
Segundo o superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde, Marcos Novais, o menor número de planos individuais é normal. "O mercado de planos de saúde está muito atrelado ao desempenho da economia brasileira, principalmente ao mercado de trabalho. A grande maioria da população tem plano de saúde devido ao vínculo empregatício. Aqui é assim, nos Estados Unidos é assim, na Austrália é assim. Todo país com um mercado de plano de saúde mais desenvolvido funciona dessa forma", explica Novais.
"Eu acho essa decisão da ANS muito ruim para as relações de consumo dos usuários dos planos de saúde, em virtude do não aumento salarial para todas as carreiras públicas e privadas nos últimos dois anos. Além disso, há uma perda substantiva em decorrência da inflação, girando em torno de 12% ao ano. Dessa forma, há um prejuízo brutal para o usuário com um aumento dessa magnitude", afirma Buzanello.
Embora o reajuste de 15,5% tenha sido aprovado apenas para os planos individuais e familiares, a médica e professora da Universidade Federal do Rio (UFRJ) Lígia Bahia alerta que o aumento pode impactar também outras modalidades. "Esse passa a ser um parâmetro para outros planos. Os planos empresariais-coletivos podem aumentar mais de 15,5%", diz Lígia. Caso isso aconteça, pessoas físicas que criaram CNPJ apenas para contratar os planos empresariais serão afetadas pela medida.
De acordo com Lígia, a venda dessa modalidade de planos é cada vez mais comum. "Elas (operadoras) deram um jeito de vender planos individuais fingindo que são coletivos. São planos PJ [pessoa jurídica]. A pessoa se associa a uma empresa para ter o plano. Então eles são individuais, mas são um jeito de burlar a lei", diz a médica, que explica que essa modalidade interessa mais às operadoras porque permite que elas rompam os contratos de forma unilateral.
Um dos clientes de planos que recebeu essa oferta foi o assessor parlamentar Manuel Evangelista, beneficiário do plano individual há 40 anos. Desempregado devido à pandemia, ele passou a ter dificuldades para pagar o serviço e resolveu ir presencialmente à unidade da operadora para negociar. Antes de entrar no prédio, no entanto, ele foi abordado por corretores de planos que tentaram convencê-lo a se cadastrar como microempreendedor individual (MEI) para contratar o plano empresarial.
"Os planos de saúde não têm mais interesse em ter contratos individuais. Eles só querem contratos com empresa, porque eles ganham muito mais. Se paga menos por pessoa, mas pega uma empresa e faz mil contratos. Os milionários, se quiserem, pagam, mas a classe média vai sair do plano de saúde", avalia Manuel.
Na casa de Manuel, outras duas pessoas utilizam o plano individual, sua esposa e sua mãe, de 83 anos. Para ele, o reajuste vai pesar na despesa da família, já pressionada pela inflação. "Não é só o plano. A gasolina está R$ 8,1, o quilo da cenoura está R$ 19, a carne de segunda está R$ 36", ressalta Manuel, indignado.
A inflação em abril, mês anterior à aprovação do reajuste, ficou em 1,06%, impactando fortemente o setor de saúde. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril, os produtos farmacêuticos tiveram aumento de 6,13%, o que afetou ainda mais o orçamento das famílias.
Para Manuel, que sofre de enxaqueca crônica, considerada incapacitante, o preço dos medicamentos é um peso. Em tratamento há mais de 10 anos, ele precisa tomar uma injeção importada que custa R$ 2.850 a dose. Sem condições de manter o tratamento e com a recusa do plano de saúde de pagar o produto, ele toma outro remédio menos eficaz, que o faz gastar R$ 120 por semana.
Sua mãe também necessita de medicamentos para diabetes, colesterol e osteoporose. Tudo isso gera uma despesa de R$ 3 mil por mês, que não é compatível com a renda da aposentada. Para contornar a situação, ela "fica tentando se inscrever naqueles negócios de laboratório para pagar mais barato, fica tentando convênio, porque você não consegue nenhum remédio de graça", conta Manuel.
Pressionando ainda mais a renda da família, o contrato da esposa prevê que a operadora, além de aplicar reajustes anuais, aumente a mensalidade em 30% a cada cinco anos até que ela complete 60 anos. Ela está na faixa dos 40 anos. "Com 30% dos cinco anos de contrato mais os 15% de reajuste anual, a mensalidade vai aumentar 45%. O plano dela vai de R$ 1,5 mil para quase R$3 mil", desabafa Manuel.
Mesmo com a renda pressionada, ele tenta manter o plano por medo de não conseguir tratamento no SUS. "O SUS já não dá conta de atender à quantidade de pessoas que tem para atender hoje. Você vai em um posto público e tem um médico para atender 150 pessoas; agora vai ter um médico para atender 300. E não tem especialista. A pessoa vai em um médico para passar em um urologista e marca para daqui a seis meses. Aí chega no dia da consulta e ainda não tem especialista", diz.
De acordo com a diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, o reajuste do plano não é tão impactante quanto os aumentos em outros setores da economia. "Do ponto de vista do usuário, nos últimos dois anos, tivemos um reajuste negativo em 2021, refletindo o cenário de 2020. Se você fizer a média do reajuste de 2021 com o reajuste de 2022, tivemos um aumento de 6%, está muito abaixo da inflação", afirma Vera.
Somado à inflação, as famílias que tentam manter os planos ainda precisam lidar com outro agravante de ordem econômica: a diminuição dos rendimentos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do trimestre encerrado em abril, realizada pelo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento real habitual ficou em R$ 2.569, indicando estabilidade frente ao trimestre anterior e queda de 7,9% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.
Diante do cenário econômico fortemente impactado pela pandemia, há quem já tenha deixado os planos com coberturas mais amplas para adotar os contratos básicos. Esse é o caso do produtor de show Elísio Paiva. "Eu tinha um plano bem completo. Aí veio a pandemia, secou o mercado [de trabalho]. Eu fui obrigado a tirar o meu plano completo e fiquei como dependente do plano de professora aposentada da minha esposa, uma coisinha bem básica", conta Elísio. Com a mudança, ele passou a pagar R$ 150 pelo plano, que usa para fazer exames. Quando precisa de atendimento mais complexo, utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
"Eu tenho visto muito resultado no serviço público e não tem tanta diferença entre as condições do público para o privado mais. Inclusive, a minha receita melhorou, porque era um peso. O meu plano e o da minha esposa dava quase R$ 2,5 mil", conta o produtor.
Para Lígia, casos como o de Elísio devem se tornar mais comuns. "Eu acho que, de certa maneira, elas [operadoras] têm empurrado o cliente para baixo, forçando para que ele opte por um plano com menor cobertura. Então elas têm um resultado sempre muito positivo, mas às custas de um resultado sempre muito negativo para os clientes".
Já para Vera, esse movimento não deve ser a regra. Ela lembra do aumento do número de clientes registrado durante a pandemia e afirma que o setor de saúde suplementar trabalha para não perder usuários. "A gente quer aumentar o acesso ao individual, não quer perder beneficiário. Não acreditamos que esse reajuste vai trazer perda de clientes. As pessoas querem manter os planos de saúde", diz a diretora-executiva. Ela explica que os planos individuais correspondem a menos de 20% dos contratos porque, devido aos custos, poucas operadoras oferecem.
"De um lado, temos operadoras verticalizadas, ou seja, a operadora tem toda a cadeia embaixo dela. O hospital é dela, os médicos são contratados por ela. A empresa tem controle absoluto dos custos, consegue organizar a jornada do paciente e evitar desperdícios. Então, provavelmente, o reajuste para a operadora verticalizada é maior do que ela precisa para recompor seus custos. Por outro lado, há as que não trabalham com sistema verticalizado, que são aquelas operadoras que não são donas do hospital, do laboratório e que não têm médico trabalhando contratado. As não verticalizadas não têm controle dos custos. Então os gastos são maiores e os reajustes não compensam as despesas. Hoje, as operadoras que vendem planos individuais, no geral, são as verticalizadas, mas a gente queria que todas comercializassem esse tipo de plano", afirma Vera.
Durante 2021, os custos com os estabelecimentos de saúde aumentaram em função da retomada dos procedimentos eletivos, que foram suspensos em 2020. Além disso, as internações com de pacientes com covid-19 em 2021 foram mais onerosas ao sistema, devido à falta de insumos hospitalares, como equipamentos de proteção individual e itens de intubação. Para compensar esses gastos, a ANS define o reajuste com base nas despesas e dados fornecidos por todas as operadoras, verticalizadas ou não. Isso leva a uma média do valor do aumento, que este ano ficou em 15,5%.
"Dessa forma, temos uma equação péssima ou horrível para o consumidor. Não houve aumento salarial, houve inflação e aumento dos planos. Estamos falando de impacto nos orçamentos das famílias na casa de 25%, além da redução de receitas", afirma Buzanello. Ele defende outra forma de aplicação dos reajustes. "Isso se resolve com a distribuição temporal de 15,5% no tempo; a cada seis meses aumenta 5%. Com isso, as pessoas ganham tempo para planejar suas vidas econômicas. Em 18 meses, teria a recuperação dos custos", diz o professor.
Para Lígia, as receitas das operadoras também deveriam entrar na equação. "Por mais que se diga, está aumentando conforme a inflação médica, mas a inflação médica é um item das despesas. E as receitas? Essas empresas têm receitas e elas fazem o que com isso? Pagam propagandas, salários altos para seus membros diretores etc. Então a gente precisa fazer esse balanço entre receita e despesa", conclui a médica.
Já a FenaSaúde defende que a ANS estabeleça reajustes diferentes para cada operadora. Para isso, os planos apresentariam individualmente seus custos, o perfil das suas carteiras e o reajuste necessário para recompor os custos. "Isso vai levar a uma maior competição, porque as operadoras vão brigar para ter reajustes menores, para ter mais clientes. Assim você tem uma viabilização para que todos possam comercializar. Essa é uma agenda que a gente já começou a discutir com a ANS. Não é uma mudança simples, mas a gente considera que é uma mudança importante para aumentar o número de planos individuais", explica Vera.
A entidade também discute com a ANS a segmentação ambulatorial para fornecer contratos com coberturas menores, apenas com consultas e exames, por valores mais baixos. Hoje, a segmentação ambulatorial inclui serviço de emergência e urgência nas primeiras 12 horas e terapias.
Para José Buzanello, professor da Unirio e coordenador do Grupo de Pesquisa de Regulação da Infraestrutura (Proreg), a medida pode colaborar para que mais clientes cancelem os planos. "As pessoas estão migrando do privado para o público porque não têm capacidade de suportar isso. Não é o plano; elas não têm aumentos e suspendem os planos", afirma o especialista.
Segundo dados recentes da ANS, a Região Metropolitana do Rio fechou o mês de março com 670 mil beneficiários de planos individuais e familiares, número abaixo dos 700 mil beneficiários dessa modalidade no mesmo período do ano passado. Em contrapartida, a quantidade de clientes dos planos empresariais aumentou de 2.730.746 em março de 2021 para 2.792.264 em março deste ano.
Segundo o superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde, Marcos Novais, o menor número de planos individuais é normal. "O mercado de planos de saúde está muito atrelado ao desempenho da economia brasileira, principalmente ao mercado de trabalho. A grande maioria da população tem plano de saúde devido ao vínculo empregatício. Aqui é assim, nos Estados Unidos é assim, na Austrália é assim. Todo país com um mercado de plano de saúde mais desenvolvido funciona dessa forma", explica Novais.
"Eu acho essa decisão da ANS muito ruim para as relações de consumo dos usuários dos planos de saúde, em virtude do não aumento salarial para todas as carreiras públicas e privadas nos últimos dois anos. Além disso, há uma perda substantiva em decorrência da inflação, girando em torno de 12% ao ano. Dessa forma, há um prejuízo brutal para o usuário com um aumento dessa magnitude", afirma Buzanello.
Embora o reajuste de 15,5% tenha sido aprovado apenas para os planos individuais e familiares, a médica e professora da Universidade Federal do Rio (UFRJ) Lígia Bahia alerta que o aumento pode impactar também outras modalidades. "Esse passa a ser um parâmetro para outros planos. Os planos empresariais-coletivos podem aumentar mais de 15,5%", diz Lígia. Caso isso aconteça, pessoas físicas que criaram CNPJ apenas para contratar os planos empresariais serão afetadas pela medida.
De acordo com Lígia, a venda dessa modalidade de planos é cada vez mais comum. "Elas (operadoras) deram um jeito de vender planos individuais fingindo que são coletivos. São planos PJ [pessoa jurídica]. A pessoa se associa a uma empresa para ter o plano. Então eles são individuais, mas são um jeito de burlar a lei", diz a médica, que explica que essa modalidade interessa mais às operadoras porque permite que elas rompam os contratos de forma unilateral.
Um dos clientes de planos que recebeu essa oferta foi o assessor parlamentar Manuel Evangelista, beneficiário do plano individual há 40 anos. Desempregado devido à pandemia, ele passou a ter dificuldades para pagar o serviço e resolveu ir presencialmente à unidade da operadora para negociar. Antes de entrar no prédio, no entanto, ele foi abordado por corretores de planos que tentaram convencê-lo a se cadastrar como microempreendedor individual (MEI) para contratar o plano empresarial.
"Os planos de saúde não têm mais interesse em ter contratos individuais. Eles só querem contratos com empresa, porque eles ganham muito mais. Se paga menos por pessoa, mas pega uma empresa e faz mil contratos. Os milionários, se quiserem, pagam, mas a classe média vai sair do plano de saúde", avalia Manuel.
Na casa de Manuel, outras duas pessoas utilizam o plano individual, sua esposa e sua mãe, de 83 anos. Para ele, o reajuste vai pesar na despesa da família, já pressionada pela inflação. "Não é só o plano. A gasolina está R$ 8,1, o quilo da cenoura está R$ 19, a carne de segunda está R$ 36", ressalta Manuel, indignado.
A inflação em abril, mês anterior à aprovação do reajuste, ficou em 1,06%, impactando fortemente o setor de saúde. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril, os produtos farmacêuticos tiveram aumento de 6,13%, o que afetou ainda mais o orçamento das famílias.
Para Manuel, que sofre de enxaqueca crônica, considerada incapacitante, o preço dos medicamentos é um peso. Em tratamento há mais de 10 anos, ele precisa tomar uma injeção importada que custa R$ 2.850 a dose. Sem condições de manter o tratamento e com a recusa do plano de saúde de pagar o produto, ele toma outro remédio menos eficaz, que o faz gastar R$ 120 por semana.
Sua mãe também necessita de medicamentos para diabetes, colesterol e osteoporose. Tudo isso gera uma despesa de R$ 3 mil por mês, que não é compatível com a renda da aposentada. Para contornar a situação, ela "fica tentando se inscrever naqueles negócios de laboratório para pagar mais barato, fica tentando convênio, porque você não consegue nenhum remédio de graça", conta Manuel.
Pressionando ainda mais a renda da família, o contrato da esposa prevê que a operadora, além de aplicar reajustes anuais, aumente a mensalidade em 30% a cada cinco anos até que ela complete 60 anos. Ela está na faixa dos 40 anos. "Com 30% dos cinco anos de contrato mais os 15% de reajuste anual, a mensalidade vai aumentar 45%. O plano dela vai de R$ 1,5 mil para quase R$3 mil", desabafa Manuel.
Mesmo com a renda pressionada, ele tenta manter o plano por medo de não conseguir tratamento no SUS. "O SUS já não dá conta de atender à quantidade de pessoas que tem para atender hoje. Você vai em um posto público e tem um médico para atender 150 pessoas; agora vai ter um médico para atender 300. E não tem especialista. A pessoa vai em um médico para passar em um urologista e marca para daqui a seis meses. Aí chega no dia da consulta e ainda não tem especialista", diz.
De acordo com a diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, o reajuste do plano não é tão impactante quanto os aumentos em outros setores da economia. "Do ponto de vista do usuário, nos últimos dois anos, tivemos um reajuste negativo em 2021, refletindo o cenário de 2020. Se você fizer a média do reajuste de 2021 com o reajuste de 2022, tivemos um aumento de 6%, está muito abaixo da inflação", afirma Vera.
Somado à inflação, as famílias que tentam manter os planos ainda precisam lidar com outro agravante de ordem econômica: a diminuição dos rendimentos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do trimestre encerrado em abril, realizada pelo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento real habitual ficou em R$ 2.569, indicando estabilidade frente ao trimestre anterior e queda de 7,9% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.
Diante do cenário econômico fortemente impactado pela pandemia, há quem já tenha deixado os planos com coberturas mais amplas para adotar os contratos básicos. Esse é o caso do produtor de show Elísio Paiva. "Eu tinha um plano bem completo. Aí veio a pandemia, secou o mercado [de trabalho]. Eu fui obrigado a tirar o meu plano completo e fiquei como dependente do plano de professora aposentada da minha esposa, uma coisinha bem básica", conta Elísio. Com a mudança, ele passou a pagar R$ 150 pelo plano, que usa para fazer exames. Quando precisa de atendimento mais complexo, utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
"Eu tenho visto muito resultado no serviço público e não tem tanta diferença entre as condições do público para o privado mais. Inclusive, a minha receita melhorou, porque era um peso. O meu plano e o da minha esposa dava quase R$ 2,5 mil", conta o produtor.
Para Lígia, casos como o de Elísio devem se tornar mais comuns. "Eu acho que, de certa maneira, elas [operadoras] têm empurrado o cliente para baixo, forçando para que ele opte por um plano com menor cobertura. Então elas têm um resultado sempre muito positivo, mas às custas de um resultado sempre muito negativo para os clientes".
Já para Vera, esse movimento não deve ser a regra. Ela lembra do aumento do número de clientes registrado durante a pandemia e afirma que o setor de saúde suplementar trabalha para não perder usuários. "A gente quer aumentar o acesso ao individual, não quer perder beneficiário. Não acreditamos que esse reajuste vai trazer perda de clientes. As pessoas querem manter os planos de saúde", diz a diretora-executiva. Ela explica que os planos individuais correspondem a menos de 20% dos contratos porque, devido aos custos, poucas operadoras oferecem.
"De um lado, temos operadoras verticalizadas, ou seja, a operadora tem toda a cadeia embaixo dela. O hospital é dela, os médicos são contratados por ela. A empresa tem controle absoluto dos custos, consegue organizar a jornada do paciente e evitar desperdícios. Então, provavelmente, o reajuste para a operadora verticalizada é maior do que ela precisa para recompor seus custos. Por outro lado, há as que não trabalham com sistema verticalizado, que são aquelas operadoras que não são donas do hospital, do laboratório e que não têm médico trabalhando contratado. As não verticalizadas não têm controle dos custos. Então os gastos são maiores e os reajustes não compensam as despesas. Hoje, as operadoras que vendem planos individuais, no geral, são as verticalizadas, mas a gente queria que todas comercializassem esse tipo de plano", afirma Vera.
Durante 2021, os custos com os estabelecimentos de saúde aumentaram em função da retomada dos procedimentos eletivos, que foram suspensos em 2020. Além disso, as internações com de pacientes com covid-19 em 2021 foram mais onerosas ao sistema, devido à falta de insumos hospitalares, como equipamentos de proteção individual e itens de intubação. Para compensar esses gastos, a ANS define o reajuste com base nas despesas e dados fornecidos por todas as operadoras, verticalizadas ou não. Isso leva a uma média do valor do aumento, que este ano ficou em 15,5%.
"Dessa forma, temos uma equação péssima ou horrível para o consumidor. Não houve aumento salarial, houve inflação e aumento dos planos. Estamos falando de impacto nos orçamentos das famílias na casa de 25%, além da redução de receitas", afirma Buzanello. Ele defende outra forma de aplicação dos reajustes. "Isso se resolve com a distribuição temporal de 15,5% no tempo; a cada seis meses aumenta 5%. Com isso, as pessoas ganham tempo para planejar suas vidas econômicas. Em 18 meses, teria a recuperação dos custos", diz o professor.
Para Lígia, as receitas das operadoras também deveriam entrar na equação. "Por mais que se diga, está aumentando conforme a inflação médica, mas a inflação médica é um item das despesas. E as receitas? Essas empresas têm receitas e elas fazem o que com isso? Pagam propagandas, salários altos para seus membros diretores etc. Então a gente precisa fazer esse balanço entre receita e despesa", conclui a médica.
Já a FenaSaúde defende que a ANS estabeleça reajustes diferentes para cada operadora. Para isso, os planos apresentariam individualmente seus custos, o perfil das suas carteiras e o reajuste necessário para recompor os custos. "Isso vai levar a uma maior competição, porque as operadoras vão brigar para ter reajustes menores, para ter mais clientes. Assim você tem uma viabilização para que todos possam comercializar. Essa é uma agenda que a gente já começou a discutir com a ANS. Não é uma mudança simples, mas a gente considera que é uma mudança importante para aumentar o número de planos individuais", explica Vera.
A entidade também discute com a ANS a segmentação ambulatorial para fornecer contratos com coberturas menores, apenas com consultas e exames, por valores mais baixos. Hoje, a segmentação ambulatorial inclui serviço de emergência e urgência nas primeiras 12 horas e terapias.
*estagiária sob supervisão de Marlucio Luna
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