Publicado 18/07/2022 06:00
As regras para concessão do empréstimo consignado — modalidade que prevê o desconto em folha das parcelas — sofreram alteração. O limite de comprometimento do salário aumentou. Além disso, famílias atendidas pelo Auxílio Brasil e segurados da Previdência Social que recebem Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Renda Mensal Vitalícia (RVM) poderão acessar esse tipo de crédito dentro da nova regulamentação.
A Medida Provisória 1.106/22, aprovada pelo Senado na forma de projeto de lei de conversão, no início de julho, ampliou de 35% para 40% a margem consignável para celetistas, servidores e empregados públicos (ativos e inativos), pensionistas e militares. No entanto, para esse grupo há a exigência de que 5% das operações via cartão de crédito consignado — que tem taxas de juros maiores.
Aposentados do Regime Geral da Previdência e pessoas que recebem BPC, RVM e Auxílio Brasil poderão comprometer 35% da renda com empréstimos e financiamentos, 5% nas operações com cartão de crédito consignado e 5% para gastos com o cartão de benefícios.
Algumas instituições bancárias já começaram a oferecer o empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil, porém estão apenas na fase de coleta de dados. As operações de crédito só poderão ser realizadas após a sanção presidencial da lei e a regulamentação do Ministério da Economia.
A expectativa do governo é de 52 milhões de pessoas sejam beneficiadas com a medida — 30,5 milhões de aposentados e pensionistas, 4,8 milhões de pessoas cobertas pelo BPC e 17,5 milhões de beneficiados pelo Auxílio Brasil.
O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), relator da proposta, destacou que as mudanças ampliam o acesso da população a uma modalidade de crédito mais barata.
“A taxa média de juros do sistema financeiro em todas as linhas de crédito está girando em torno de 25,7% ao ano. Já a taxa média de juros do rotativo do cartão de crédito está em 355,2% ao ano. Do cheque especial para as pessoas físicas, em 132,6% ao ano. E do crédito pessoal não-consignado está em 83,4% ao ano. Já a taxa média de juros do crédito consignado é de 36,2% ao ano para trabalhadores do setor privado, 24,8% ao ano pra beneficiários do INSS e 20,4% ao ano pra servidores públicos”, explicou o senador.
Alcolumbre citou ainda dados do Banco Central que mostram que a inadimplência nos empréstimos consignados está entre as menores do mercado. O parlamentar acredita que a mudança ajudará a pessoa que se endividou a ter recursos para despesas emergenciais, além de fomentar a economia de pequenas e médias cidades.
Medida polêmica
No entanto, as mudanças no crédito consignado geraram polêmica. Alguns analistas criticam a medida, alegando que ela apenas contribuirá para elevar o nível de endividamento da população. Em entrevista ao canal ICL Notícias, o economista Eduardo Moreira disse que, principalmente para os atendidos pelo Auxílio Brasil, o consignado não tem tantas vantagens.
Moreira apresentou uma simulação feita por um banco, na qual é antecipado o valor de R$ 2.128,28, a serem pagos em 24 parcelas de R$ 160, limite de 40% do Auxílio Brasil. A taxa de juros cobrada é de 5,24% ao mês — 86% ao ano. Ao quitar o empréstimo, o devedor terá pagado R$ 3.840, quase o dobro do valor emprestado.
Já o deputado Ênio Verri (PT-SP) classificou a aprovação da proposta como “imoral”, pois, segundo ele, desvirtua a função dos programas sociais:
“Os benefícios têm um papel específico: comprar comida. Não é para pagar conta e resolver problema no banco ou no Serasa. É para dar sobrevivência à pessoa no momento de crise, de dificuldade, que é o que estamos vivendo hoje graças ao governo Bolsonaro e a Paulo Guedes”, disse.
Outro ponto questionado por pelo deputado petista se refere à capacidade de parte da população de entender o que é a contratação de uma operação financeira. Ele lembra que muitos idosos contraem empréstimos ou compram produtos como seguros e títulos de capitalização sem saber exatamente o que estão fazendo.
A queixa do parlamentar se baseia nos dados da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. De acordo com a Senacom, em 2021, uma em cada três reclamações registradas se referia a instituições do mercado financeiro.
O setor lidera o ranking de reclamações na plataforma do governo federal consumidor.gov.br. Entre janeiro e outubro de 2021, o canal registrou mais de 84 mil queixas contra instituições bancárias, administradoras de cartão de crédito e financeiras. Entre as principais denúncias estão cobrança de valores não informados (7,6%) e o questionamento acerca da cobrança de juros e dívidas pendentes (6,3%).
As reclamações relativas a empréstimos consignados ocupam o segundo lugar do ranking, com cerca de 81 mil denúncias — aumento de 91,4% na comparação com o ano anterior.
Rodrigo Ávilla, economista da ONG Auditoria Cidadã da Dívida, diz que as novas regras para o empréstimo consignado aumentam o risco de endividamento da população. Ele também critica a taxa de juros cobrada na modalidade.
“Aqui as pessoas estão se endividando pra comprar comida, botar gasolina etc. Elas estão pagando juros muito acima da inflação. E o pior é que nem sempre essas mesmas pessoas têm reajuste de salário conforme a inflação. Se você pega [a situação de] Estados Unidos e Europa, por exemplo, as taxas de juros são negativas. As pessoas pegam empréstimos e os juros são mais baixos que a própria inflação. É uma situação completamente diferente”, explica.
Para Ávilla, o Brasil adota medidas que não resolvem o problema da fome e da miséria. A ampliação do empréstimo consignado contribui para o que ele chama de “financeirização dos programas sociais”.
“Quando você aumenta o percentual que pode ser descontado da aposentadoria, do Auxílio Brasil, para pagar juros e amortizações desses, na situação em que estamos aqui no Brasil, com juros altíssimos, isso daí não contribui. A gente precisa ter uma outra política, que seja de geração e renda, e não a deste momento atual, que é a de dar migalhas para as pessoas”, alerta.
“Quando você aumenta o percentual que pode ser descontado da aposentadoria, do Auxílio Brasil, para pagar juros e amortizações desses, na situação em que estamos aqui no Brasil, com juros altíssimos, isso daí não contribui. A gente precisa ter uma outra política, que seja de geração e renda, e não a deste momento atual, que é a de dar migalhas para as pessoas”, alerta.
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