Publicado 30/05/2023 09:10
Negociado desde os tempos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o acordo de livre comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul parece estar próximo de sair do papel. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou na última quarta-feira (24) que o Brasil deve assinar o acordo até o fim do ano, 24 anos depois da Reunião de Chefes de Estado e de Governo da União Europeia e Mercosul, realizada no Rio de Janeiro em 28 de junho de 1999, quando começou a ser debatido.
Se concretizado, o acordo vai abranger um mercado de 800 milhões de habitantes, quase uma quarta parte do PIB global, e com mais de US$ 100 bilhões de comércio bilateral de bens e serviços. O documento foi assinado em junho de 2019 e, para entrar em vigor, precisa ser ratificado pelos parlamentos dos 31 países envolvidos.
O Brasil deve acelerar as negociações para efetivação do acordo a partir do segundo semestre do ano, quando assume temporariamente a presidência do Mercosul.
O pacto prevê que em dez anos as tarifas de exportação da América do Sul a Europa seja zerada e, na outra ponta, a Europa precisa retirar 91% das tarifas de exportação que ela tem com o Mercosul.
Alguns dos produtos brasileiros beneficiados seriam frutas, café, peixes, óleos e crustáceos. Em contrapartida, o Brasil reduziria a taxa para veículos, maquinários, produtos químicos e farmacêuticos.
Em tese, é um acordo de "ganha-ganha", já que os exportadores brasileiros se beneficiariam de maior competitividade no mercado europeu, e os exportadores europeus venderiam mais barato na América Latina. Leonardo Trevisan, Professor de Relações Internacionais da ESPM, afirma, no entanto, não ser bem assim. Segundo o especialista, ainda é cedo para afirmar que a abertura comercial seria vantajosa para o Brasil.
"Por exemplo, se você olha para os interesses agrícolas brasileiros, seria bom o acordo. Mas esse acordo interessa essencialmente à indústria alemã, que quer superar a China na venda de veículos elétricos. Por isso é preciso cautela, que Europa é essa que está falando conosco? É a dos produtos agrários ou a da indústria poderosa?", questiona.
"Agora, não há dúvida nenhuma que certos setores seriam diretamente estrangulados por isso, como o farmacêutico. Nesse caso não seria nada vantajoso para o Brasil", alerta.
Na última quinta-feira (25), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu não ceder em exigências feitas pelo bloco europeu, a fim de manter a competitividade relativa dos produtos nacionais.
"A gente vai demorar um pouco mais para fechar o acordo? Tudo bem. Mas, da mesma forma que a França defende de forma fervorosa seus produtos agrícolas, nós vamos defender a nossa pequena indústria nessa negociação", ressaltou Lula em evento da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).
Licitações
Um dos entraves do acordo até agora é a possibilidade de empresas europeias participarem de licitações brasileiras e vice-versa. O texto atual garante igualdade de condições para os dois lados.
No entanto, na visão do presidente Lula, as "compras governamentais são um instrumento de política industrial" do qual o Brasil não abrirá mão.
"Uma das coisas mais importantes que eles querem de nós é que a gente ceda nas compras governamentais, e nós não vamos ceder, porque a gente vai matar a possibilidade do crescimento da pequena e média empresa brasileira", afirmou o petista.
Segundo Trevisan, da ESPM, "é bastante provável" que as empresas de médio porte sejam prejudicadas, já que as gigantes brasileiras já são multinacionais.
Meio Ambiente
Outro ponto-chave para a ratificação do acordo por parte dos europeus é a inclusão de um compromisso brasileiro de preservação da Amazônia. O grupo quer que o texto diga claramente as obrigações de cada parte e possíveis sanções em caso de descumprimento de alguma das convenções.
Em entrevista ao jornal espanhol El País, em abril deste ano, Lula afirmou que a proposta apresentada pela União Europeia para destravar o acordo comercial com o Mercosul "ainda é impossível de aceitar".
"Vamos propor mudanças [no texto]. Vou trabalhar para que se possa ratificar o acordo neste ano. Por parte do Mercosul, acredito que é possível firmá-lo. Agora, precisamos ver o que quer a União Europeia", disse.
O Parlamento Europeu aprovou, em abril, com ampla maioria, uma lei que fecha as portas à importação de produtos como cacau, café, madeira e borracha procedentes de áreas desmatadas após dezembro de 2020.
Para o professor da ESPM, as exigências ambientais "são piores que chantagem".
"A chantagem é 'compre de mim ou sofra as consequências'. Nesse caso é 'faça o que eu falo e não o que eu faço'. Com essa lei de abril, o que o Parlamento Europeu está fazendo é excluir o agronegócio brasileiro, já que eles sabem que nós não podemos cumprir", afirma.
"Quando nós olhamos para este quadro, talvez seja um pouco precipitado imaginar que em tão pouco tempo serão contornados esses problemas. Por isso acho muito difícil o acordo ser fechado esse ano", finaliza.
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