BC: metade do dinheiro ‘esquecido’ nos bancos não foi resgatadoJosé Cruz/Agência Brasil
Publicado 16/06/2023 16:17
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Atualmente, o Rio de Janeiro é o estado que recebe o maior volume de recursos oriundos de repasses federais — 16,7% do total rateado entre as unidades da federação. O que parece ser uma boa notícia, ne verdade esconde uma grave distorção. O que é recolhido em impostos e tributos para a União vai muito além do que o fluminense recebe de volta. Só para se ter a noção de situação de desvantagem do governo estadual, dados do Ministério da Fazenda indicam que, em 2022, o Estado enviou para a administração federal R$ 446,9 bilhões em tributos, mas só recebeu de volta R$ 38,1 bilhões. Isso significa que a cada R$ 100 de impostos recolhidos, o Rio de Janeiro teve restituídos R$ 8,50.

Em uma analogia simples, o Rio de Janeiro é um dos irmãos ricos que ajudam a sustentar os pobres da família — no caso, os estados das regiões Norte e Nordeste. O mesmo se repete com todas as unidades da federação das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Esse sistema solidário se chama Pacto Federativo, pelo qual os estados mais desenvolvidos ajudam a manter os mais carentes.

Para o cidadão comum, compreender o intricado sistema de recolhimento de impostos federais e a fórmula de repasse de recursos para os estados é uma tarefa quase impossível. Os dados estão dispersos pelos sites do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, do Tesouro Nacional, do Portal da Transparência e do Tribunal de Contas da União (TCU). São planilhas, gráficos e sistemas de busca que dificultam o acesso às informações. A simples pergunta “Quanto o Rio de Janeiro arrecadou em tributos para a União?” requer uma peregrinação por links “escondidos” noas páginas e portais da administração pública para uma resposta. E, para completar, os dados apresentados pela União e pelo governo estadual podem ser conflitantes.
Repasses federais

A Constituição de 1988 estabeleceu repasses obrigatórios para estados e municípios. A lista é grande e inclui, entre outros, os fundos para a área de Educação (Fundeb e Fundef), os royalties do petróleo, a parte do Imposto sobre Produtos Industrializados para exportação e a parcela da Cide cobrada na venda de combustíveis. Há ainda as transferências setoriais, como as da área da Saúde — o Estado tem a maior rede de hospitais federais do país, resquícios do tempo em que o Rio de Janeiro era capital federal.

A relação entre tributos federais e repasses a estados é estabelecida pela Constituição e por leis aprovadas pelo Congresso— ou seja, é uma obrigação da União. O Rio de Janeiro tem direito a esses recursos. O problema reside no rateio. Cabe ao Estado uma parcela pequena sobre o volume de impostos, taxas e contribuições arrecadados. O Pacto Federativo estabelece a “contribuição” das unidades com mais recursos para as regiões menos desenvolvidas do país.

Ainda que seja necessária a “contribuição” prevista no Pacto Federativo, é inegável que os estados mais ricos — entre eles, o Rio de Janeiro — perdem recursos importantes para investimentos em infraestrutura, políticas e programas sociais, segurança pública e ampliação dos serviços retados à população fluminense.

No quadro abaixo, percebe-se o tamanho das perdas do Rio de Janeiro:
* Fonte: Secretaria Estadual de Fazenda ** Fonte: Ministério da Fazenda e Receita Federal - tabela matéria arrecadação
* Fonte: Secretaria Estadual de Fazenda ** Fonte: Ministério da Fazenda e Receita Federaltabela matéria arrecadação
Apenas no período 2020/2022, o Estado contribuiu com R$ 927,4 bilhões para a União — recursos que levam em conta a arrecadação total de tributos federais, descontados os repasses obrigatórios — nove vezes mais que o Orçamento do Rio de Janeiro para este ano.

O volume de recursos arrecadados pela União serve para a manutenção da máquina pública federal, pagamento da dívida pública, a implementação de programas sociais — como o Bolsa Família, o Farmácia Popular, Fies ou o Minha Casa, Minha Vida — e realizar investimentos em obras.

Engessamento dos repasses

Por serem definidos pela Constituição de 1988 e por legislações específicas, os repasses aos entes federaivos (estados e municípios) não podem ter aumento. Isso inviabiliza a ampliação de investimentos por parte do governo estadual. O governador Cláudio Castro vê com apreensão a discrepância entre o que é arrecadado no Rio de Janeiro e o que o Estado recebe de colta.

“O Rio de Janeiro é o estado que mais envia dinheiro para a União. Cerca de 20% de toda a arrecadação federal é de quem empreende e produz no Rio de Janeiro. Enviamos, por ano, para o governo federal, quatro vezes o que arrecadamos. Somos o estado dono da segunda economia do país. Defendo veementemente a revisão dos critérios de atualização da dívida com a União, que hoje cresce mais do que a economia do estado e do país e faz dela uma bola de neve, apesar de todos os ajustes nas finanças que já fizemos. Esse modelo ainda compromete o nosso planejamento, pois limita a capacidade de investimento que pode atrair empresas, gerar empregos e aumentar a arrecadação” alerta Castro.

Para o economista Raul Veloso, especialista em contas públicas, o chamado Pacto Federativo contempla duas situações distintas. A primeira diz respeito aos recursos rateados entre estados e municípios, cuja divisão é definida pela Constituição e dificilmente será alterada.

“Essa distribuição dificilmente será alterada. Ela foi fruto de um amplo debate durante a Constituinte. Há um jogo de interesses entre União, estados e municípios. Qualquer mudança nessa divisão implicaria em alguém sair perdendo, o que é pouco provável de acontecer. O que se chama de Pacto Federativo nada mais é do que os estados mais ricos contribuírem para suprir as carências daqueles menos desenvolvidos”, destaca.

O nó da Previdência

Para Veloso, discutir o Pacto Federativo passa necessariamente pe=or rediscutir a questão previdenciária de estados e municípios, o que estrangula a capacidade de investimento e impõe restrições sérias à saúde financeira de governos estaduais e prefeituras. Segundo ele, apenas a União tem condições de dar o suporte necessário para a solução do problema.

“As administrações estaduais e as prefeituras enfrentam graves limitações de investimento, pois seus sistemas de previdência estão à beira do colapso. Apenas o governo federal pode criar condições para que esse entrave ao desenvolvimento seja removido. Já estados e municípios precisam adotar medidas duras para equalizar seus gastos previdenciários. Só assim, será possível ter o Pacto Federativo sendo implementado de forma a não prejudicar nenhum dos entes [governos estaduais e prefeituras]”, explica.

Veloso lembra que os sistemas previdenciários de estados e municípios representam a maior despesa dessas administrações. Para o economista, a discussão federativa passa necessariamente pela solução do problema atuarial. Ele destaca que implementar alterações na fórmula de partilha dos repasses federais é algo inviável, pois isso só ocorre em momentos de ruptura com o modelo vigente, assim como aconteceu com a Constituição de 1988. “Quem vai querer abrir mão de recursos? Isso é impensável no atual cenário. Há uma grave crise econômica, na qual todos — União, estados e municípios — precisam de dinheiro”, ressalta.

O economista faz um outro alerta. Em dezembro de 2019, foi aprovada uma emenda constitucional determinando que prefeituras e governos estaduais equilibrassem seus sistemas previdenciários. Apesar de não definir prazos nem eventuais punições para quem descumprir, a regra não foi implementada pelo setor público.

“O que temos hoje é uma situação estranha. Há liminares garantindo que os gestores públicos não equilibrem seus sistemas previdenciários. Mas elas podem cair a qualquer momento. Essa questão está em julgamento pelo Supremo. Se eu fosse prefeito e candidato à reeleição no próximo ano, me preocuparia em iniciar logo o processo de ajuste atuarial. São medidas duras, que não têm efeito imediato, mas garantem no médio prazo maior capacidade de investimento pelas administrações. Vou dar o exemplo do Piauí, um estado pobre. Lá, eles fizeram os ajustes necessários e conseguiram ter R$ 1 bilhão para investir. Pode parecer pouco, mas para um estado pequeno e pobre é muito dinheiro”, explica.
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