Publicado 30/06/2023 10:58
Rio – Tudo parecia real: por meio de um site de leilões, o empresário Rubens Vieira, de 50 anos, se cadastrou para participar de um pregão de um Porsche Cayman S 3.4 H6 2015. A página na internet especificava ser um leilão judicial (ou seja, de um veículo apreendido em processo investigativo e criminal ou de pendências na justiça), exigia que Rubens salvasse os seus dados na plataforma para poder dar o lance desejado, e divulgava o telefone do leiloeiro. Algumas horas depois, o empresário recebeu uma ligação dizendo que conseguira arrematar o carro dos seus sonhos por R$ 160 mil — que, geralmente, fora de leilões, custa cerca de R$ 500 mil. Junto com a chamada telefônica veio o termo de arrematação, com o nome completo do leiloeiro e um número de CNPJ.
Por pouco, o sonho não custou caro demais. Desconfiado dos trâmites que vieram em seguida, como a conta para depósito ser de um banco digital e a insistência para a realização da transferência no mesmo dia, Rubens conversou com um amigo policial, que percebeu a tentativa de golpe e o alertou antes de pagar pelo carro.
A mesma sorte não teve o policial militar Dênis Vieira de Carvalho, de 48 anos, morador de Bauru, no estado de São Paulo. Em abril de 2022, Dênis perdeu R$ 77 mil, dinheiro que pegou emprestado do sogro para comprar um veículo do modelo Polo Highline 200 TSI 2019/2020, em um leilão de um site falso. Durante as negociações, ele chegou a questionar a suposta funcionária da empresa fraudulenta sobre a veracidade do negócio, uma vez que existiam vários sites com o nome do leiloeiro Rogério Menezes. Ela garantiu que o site em que ele estava (https://leilaorogeriomenezes.com/) era o original, e a diferença entre os outros era que eles trabalhavam apenas com veículos recuperados judicialmente. O único site que o leiloeiro recebe lances online é www.rogeriomenezes.com.br.
"Eu acabei fazendo o Pix, mas a mulher que me enrolou sumiu, chegou a me responder no WhatsApp um dia, mas depois mais nada. Fiz um boletim de ocorrência, mas não adiantou", desabafa Dênis.
Golpes via leilões falsos têm sido mais frequentes desde a pandemia da covid-19, quando os eventos presenciais foram cancelados e os leilões passaram a ser somente virtuais. Acontecem com imóveis, equipamentos de informática, objetos de arte, louças e outros itens, mas um carro é o produto mais procurado nesta modalidade de venda, pois tem valores atraentes e, assim, é ótima alternativa para quem não quer gastar muito na compra de um veículo novo.
Por isso, é preciso atenção para não cair nos golpes de sites falsos de leiloeiros famosos, muitas vezes cópias quase autênticas dos sites oficiais, quando os criminosos criam domínios falsos para as páginas eletrônicas e fazem anúncios online de itens que não existem. O possível comprador acaba efetuando o pagamento e não recebendo pela mercadoria.
O leiloeiro Rogério Menezes, que está no negócio há quase 34 anos, afirma que, em meio a tantos sites falsos e golpes de leilão na internet, o presencial é a melhor forma de evitar cair em uma ação de estelionatários. "O interessado vê o carro no pátio antes de participar do leilão. Ele tem contato com o item que será vendido e vê que a empresa existe no endereço indicado. O funcionário da empresa liga o veículo para ele, mostra por dentro, mostra o motor, o sistema elétrico. Além disso, caso deseje, a pessoa pode trazer um mecânico para ver o carro antes de dar o lance, se isso o deixar mais confiante", afirma Rogério, cuja empresa de nome homônimo possui um pátio de 70 mil m² em Campo Grande, na Zona Oeste.
O pátio fica aberto à visitação a partir das 8h, antes de o leilão acontecer em um auditório com telão, às 14h. Como estipulado nos leilões, não é possível fazer o teste drive do veículo e nem dar partida no motor. A vistoria existe para averiguar a existência do produto, a estética, o acabamento e a aparência do motor.
"O maior prejuízo é de quem é lesada, e geralmente são pessoas com pouca renda. Elas têm prejuízos lamentáveis. Uma pessoa mandou para mim, na semana passada, fotos da moto e do Saveiro que comprou, sem receber os veículos. E ela ainda pagou reboque. Operação casada é crime", alerta Rogério.
Para quem não está na cidade em que acontece o leilão presencial, como foram os casos de Dênis e Rubens, há ainda como participar do virtual de forma segura. Rogério destaca pontos que devem ser observados para não correr riscos:
- Verificar se o domínio do site termina em '.com.br'. Os sites que terminam com '.org', '.net', '.com' e outras variações diferentes de '.com.br' são de estelionatários. Os sites '.com.br' indicam a matrícula do endereço no Brasil, já os demais tendem a ter registro no exterior, muitas vezes em paraísos fiscais, países ou estados sem a fiscalização devida.
- Ler o edital do leilão disponível no site permite que o possível comprador não tenha surpresas a respeito do item que deseja arrematar. Aliás, o site possuir um edital para cada pregão é um ponto de atenção, já que os fraudulentos não disponibilizam o documento que define as regras do jogo, detalha o bem de interesse e os pagamentos, além das exigências legais para a realização do pregão. Deve-se também comparar os dados do edital com o leilão que está sendo divulgado. Se estiver divergente, desconfie.
- Os editais devem divulgar o nome do leiloeiro responsável e o seu número de cadastro em uma Junta Comercial, que é o órgão responsável pelo registro de atividades ligadas a sociedades empresariais. Existe uma junta em cada estado. Desta forma, é um passo importante pesquisar no site do órgão a matricula do leiloeiro em questão. Nos cadastros, há dados importantes dos leiloeiros como nome, telefone de contato e e-mail.
- É importante frisar que alguns sites fraudulentos de leilões possuem ícone com link para um site falso da Junta Comercial. Portanto, não confie em nenhum link que leve à página do órgão, pesquise no próprio site da autarquia.
- O leiloeiro não é uma empresa, é uma pessoa física. Por isso, o nome da conta para depositar o valor do bem arrematado deve exclusivamente estar no nome do leiloeiro, nunca no nome de terceiros, mesmo que afirmem que seja algum representante financeiro.
- E por falar em conta, o recomendado é que ela seja de bancos tradicionais. Quando é de banco digital, que não existe atendimento presencial, cabe ficar alerta para a possibilidade de um golpe.
- Nunca pague por boletos bancários. O pagamento é sempre à vista via transferência bancária para uma conta corrente. No Brasil, nenhum leiloeiro trabalha com boleto.
- É preciso também estar atento ao valor do bem. Deve-se desconfiar se o produto estiver com um valor muito abaixo do praticado.
- Os golpistas não costumam atender por telefone, apenas por WhatsApp. Geralmente, desligam o telefone e bloqueiam o contato no aplicativo quando o interessado pede para ver o bem leiloado. DDD (discagem direta à distância) diferente do lugar do leiloeiro responsável também é um detalhe para se ter atenção.
Como funciona um leilão?
Como funciona um leilão?
O presidente do Sindicato dos Leiloeiros do Rio, Luiz Tenório de Paula, de 69 anos, que está na profissão há 43, explica que os leilões disponíveis podem ser de dois tipos: judiciais ou extrajudiciais.
Os judiciais são oriundos de processos judiciais ou de determinações de justiça. Os bens normalmente são de apreensões de processos investigativos e criminais ou de pendências nas justiças trabalhista ou cível. O leilão é determinado por um juiz e o valor arrecadado é usado para quitar as dívidas do credor.
Já os extrajudiciais são leilões que não envolvem a justiça. Muitas vezes são chamados de leilões empresariais, pois geralmente são realizados por empresas, indústrias, bancos e construtoras. É o caso mais comum de leilões de carros, pois em geral os veículos são recuperados de financiamentos, ou seja, pessoas que não honraram com o pagamento da dívida e tiveram os bens confiscados.
Para ambos os tipos de leilões, existem três modalidades de eventos: eletrônicos, mistos (híbridos) e presenciais. "Com o advento da pandemia e a modificação das leis, os leilões devem ser preferencialmente eletrônicos porque abrangem o número maior de pessoas. Hoje, a pessoa participa de um leilão em qualquer lugar do Brasil, basta entrar no site e se cadastrar", esclarece Luiz.
Para estar logado no evento online ou misto, o possível arrematante precisa se cadastrar antes no site em que será feito o leilão, com nome, endereço e telefone, e depois enviar documentos pelo WhatsApp, como RG, CPF, comprovante de residência. Se for casado, precisa enviar também nome e CPF do cônjuge. Após o cadastro ser aprovado, a pessoa recebe uma senha para estar habilitada a participar da negociação.
Já no modelo presencial, acontece a publicação do edital do leilão, informando o local, a data e o horário do evento. O participante deve comparecer pessoalmente ou mandar seu representante legal para fazer a compra, enquanto que no modelo misto acontecem as duas formas de participação: local e online. A venda ocorre ao mesmo tempo nos dois ambientes e os lances são informados em tempo real.
A figura do leiloeiro
A figura do leiloeiro
O leiloeiro, que é o profissional que organiza leilões e tem como principal atividade a intermediação na venda de bens, tem que ser nomeado pela junta comercial do seu estado. "Ser leiloeiro é como se fosse comerciante, precisa ter certidões limpas. Eles checam certidões negativas da Justiça Federal e comuns nos foros cíveis e criminais. Além disso, é exigida o pagamento de caução de R$ 85 mil", esclarece Luiz de Paula.
O leiloeiro tem que apresentar anualmente certidões negativas da Receita Federal e do INSS e comprovar a caução depositada, além de apresentar todos os livros que constam conforme decreto de lei 21.981/1932.
Embora Luiz faça a analogia de leiloeiro com comerciante, para exercer a profissão, o leiloeiro não pode ter ligação com o comércio direta ou indiretamente e nem participar de sociedade de qualquer espécie em âmbito nacional. Ele ainda precisa ser cidadão brasileiro e domiciliado há mais de cinco anos no estado onde pretende exercer a função.
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.