Publicado 03/09/2023 05:00
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, com dois vetos, na última quinta-feira, 31 de agosto, o novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos. A nova regra fiscal é considerada prioritária para a equipe econômica do governo, e, diferente da norma anterior, permite o aumento dos gastos acima da inflação.
Quando um cidadão comum gasta mais do que recebe, ele fica endividado. Se isso acontece com o governo, e o resultado financeiro fica negativo, dizemos que ele está em déficit primário. O teto de gastos foi criado como uma medida para reduzir esse déficit e tentar colocar as contas em dia. Já a nova regra fiscal, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, surge para substituir o teto de gastos e “sanar deficiências anteriores”.
Uma das principais questões abordadas pelo novo governo é que o teto de gastos prejudica diretamente os investimentos em áreas prioritárias, como saúde e educação. Segundo o Palácio do Planalto, um dos dez pontos da nova regra fiscal é “incluir os mais pobres de volta ao Orçamento”. A Câmara aprovou o texto-base do novo arcabouço por 379 votos favoráveis a 64 votos contrários.
Como funciona o novo arcabouço fiscal
A advogada tributarista Luiza Leite explica que o arcabouço mantém o objetivo de controlar as despesas da União. “O arcabouço fiscal é um conjunto de regras para disciplinar os gastos públicos, contudo com diretrizes diferentes das do teto de gastos. Nessa nova medida, a despesa fica atrelada à receita do governo, sendo determinada com base no aumento do PIB”, diz.
Elaborado pela equipe econômica do governo Lula, o arcabouço fiscal limita o aumento das despesas do governo a 70% do crescimento da receita primária dos 12 meses terminados em junho do ano anterior ao do Orçamento, podendo ser menor caso as metas não sejam alcançadas. Para isso, a nova regra prevê um piso e um teto para as despesas que vai de 0,6% a 2,5%. Em outras palavras, em um cenário em que a arrecadação do governo tenha aumentado 10%, pode-se deduzir que seria permitido o governo aumentar as despesas em 7% (70% de 10%). No entanto, o teto de 2,5% seria respeitado e o excedente guardado para momentos de economia mais fraca. O objetivo da medida é criar um mecanismo anticíclico.
Uma das principais metas do governo para a nova regra fiscal é zerar o déficit primário já em 2024. Também é esperado um superávit nas contas públicas de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. Na semana passada, o texto foi sancionado pelo presidente Lula e publicado no Diário Oficial da União (DOU). Lula vetou dois trechos sobre responsabilidade fiscal e despesas da União, que, segundo ele, teriam “impacto potencial sobre despesas essenciais da União” e contrariariam o “interesse público”. Os vetos precisarão ser analisados pelo Congresso em sessão conjunta de senadores e deputados. Os parlamentares decidirão por manter ou derrubar os vetos de Lula.
Para Luiza Leite, a substituição das regras é necessária, já que o arcabouço trará “uma nova lógica para a limitação de gastos públicos, prevendo maior flexibilidade para o investimento com despesas primárias”. O cidadão comum, explica a advogada tributarista, será afetado pela mudança, que abrirá margem para que haja o aumento do investimento público em setores como saúde e educação.
Taxa de juros Selic
Alvo de críticas do governo Lula, a taxa básica de juros do país, a Selic, está hoje em 13,25%. Segundo Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos, a expectativa é que o novo arcabouço fiscal influencie diretamente para a redução da Selic. “Uma vez que o mercado entender que a relação entre a dívida e o PIB foi controlada ou gerenciada de uma forma efetiva, e que, além disso, o governo vai ter receita para fazer frente as despesas, a tendência é que exista uma queda na taxa de juros”, explica Dias.
Por outro lado, advogada tributarista Luiza Leite alerta que, apesar da especulação, “é necessário observar os resultados práticos para fazer essa correlação”.
A Selic é usada pelo Banco Central para determinar as outras taxas de juros do país. Ela influencia, por exemplo, o quanto o consumidor que pegou um empréstimo ou um financiamento precisará pagar de juros. Ela também é importante para o investidor, já que mexe nos rendimentos de quem tem dinheiro aplicado em títulos públicos, na poupança e outros.
Como funciona o teto de gastos
A PEC 241, também conhecida como PEC 55 no Senado, estabeleceu o teto de gastos durante o governo Michel Temer. Elaborada pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ela impôs um limite aos gastos primários da União, como saúde e educação, com os valores corrigidos apenas de acordo com a inflação do ano anterior. A medida era prevista para durar 20 anos, com possibilidade de revisão em dez anos.
Luiza Leite afirma que o teto de gastos impactou diretamente a vida de muitos brasileiros. “Sob a perspectiva do cidadão comum, o estabelecimento do teto foi uma forma de evitar o aumento da carga tributária para reorganizar a forma de alocação dos recursos arrecadados.” Por outro lado, diz ela, “a limitação de gastos com saúde, educação e previdência acaba por impactar a garantia destes direitos constitucionais, retraindo a possibilidade de investimento público”.
Para Dias, a elaboração do novo arcabouço fiscal foi necessária após o teto de gastos ter perdido a credibilidade. “O governo precisou aprovar uma Emenda Constitucional de Transição para excluir R$ 168 bilhões do teto de gastos para fechar as contas devido ao novo Bolsa Família e aos gastos com a Covid-19. Com todos esses furos, o governo precisou elaborar um novo plano para dizer como ele conseguiria fechar as contas a partir daquele momento.”
Durante o governo Bolsonaro, o teto de gastos já havia sido furado outras vezes. De acordo com o levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), feito a pedido da BBC News Brasil, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somaram R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
Como votaram os parlamentares do rio de janeiro
Nas redes sociais, o novo arcabouço fiscal foi alvo de críticas por parlamentares da oposição, mas também de apoiadores do atual governo.
Em maio, partidos da base, como PSOL e Rede Sustentabilidade, votaram contra o governo na urgência da aprovação do novo arcabouço. Após a retirada do Fundo de Financiamento da Educação Básica (Fundeb) da nova regra fiscal, os parlamentares do partido votaram a favor.
Na votação para aprovar o texto-base da nova regra fiscal, que ocorreu no dia 22 de agosto, Talíria Petrone (PSOL) votou a favor do texto, assim como seus colegas de partido Tarcísio Motta, Pastor Henrique Vieira, Glauber Braga e Chico Alencar. Do Partido dos Trabalhadores (PT), os deputados Lindbergh Farias, Benedita da Silva e Reimont também votaram pela aprovação do arcabouço.
O General Pazuello (PL), ex-ministro da saúde de Bolsonaro e o segundo deputado mais votado do Rio em 2022, também se posicionou a favor da medida. Já os deputados do Partido Liberal Luiz Lima, Roberto Monteiro Pai, Sóstenes Cavalcante, Carlos Jordy e Delegado Ramagem votaram contra a nova regra fiscal.
* Matéria da estagiária Alexia Gomes, sob a supervisão de Marlucio Luna
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