Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado em 1996Divulgação
Publicado 11/02/2024 05:00
Uma mudança no artigo 833, do Código de Processo Civil, autorizada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em abril de 2023, permite que o saldo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) seja penhorado para o pagamento de dívidas. A decisão, no entanto, divide opiniões entre especialistas no tema.
No texto da decisão, o STJ cita que é possível relativizar a regra da impenhorabilidade do FGTS para pagamento de dívida não alimentar. No entanto, a mesma publicação diz que é obrigatório que se preserve um valor que ''assegure subsistência digna para ele [o trabalhador] e sua família''.
A penhora já era permitida em dois casos. O primeiro, para compensar atrasos de pensão alimentícia; e o segundo, para quem recebe valores superiores a 50 salários mínimos mensais. Em 2023, ano em que houve a mudança na lei, o salário mínimo era de R$ 1.320. Portanto, quem recebia um salário superior a R$ 66 mil (pequena parcela da população) já poderia ter seu saldo do FGTS penhorado.
Presidente de entidade critica mudança
Para entender como a mudança repercutiu entre os mais envolvidos na questão, o DIA entrou em contato com Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador. O representante fez duras críticas à decisão.
''Na minha opinião o STJ violou todo o princípio do Fundo de Garantia, que é uma reserva para um momento de necessidade. O Fundo de Garantia é um fundo de investimento social, para habitação popular, saneamento básico e infraestrutura. Hoje, serve também para ajudar micro e pequenas empresas e até casas de saúde. Na minha opinião, houve um erro. Sou totalmente contrário a essa decisão'', comentou Avelino.

Mario Avelino é presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador - Arquivo Pessoal
Mario Avelino é presidente do Instituto Fundo de Garantia do TrabalhadorArquivo Pessoal

Advogada aponta para 'lado da empresa'
A advogada Renata Belmonte, especialista em Processo Civil, explica que também existe o ponto de vista da empresa credora e que a ação de penhora do FGTS seria uma espécie de último recurso.
''Eu entendo o temor do trabalhador. Mas é preciso entender que o credor do trabalhador está sofrendo um prejuízo ante o não pagamento dele. Logo, se o trabalhador tem uma dívida e não paga, é de se esperar que o credor vá buscar meios de satisfazer sua dívida, para estancar o seu prejuízo. A meu ver, compete àquele que contraiu a dívida sempre manter o canal de diálogo com seu credor, a fim de chegar a um acordo para o pagamento do débito, evitando ser surpreendido com a penhora do saldo do FGTS'', explica.
''Essa é uma decisão muito acertada, pois no Brasil, até então, tinha-se uma excessiva proteção do devedor'', destaca. A especialista também lembra que ''é possível que o trabalhador entre com embargos à execução, "a fim de tentar reverter a penhora''.
Mudanças eram esperadas
De acordo com Erick Hitoshi, professor do curso de Direito da Universidade Anhanguera, a flexibilização era esperada. Ele acredita que cada caso deve ser analisado com cautela.
''Sem dúvida alguma, há uma tendência da jurisprudência em flexibilizar os bens que seriam impenhoráveis em nosso ordenamento jurídico. Isso se dá por inúmeros fatores, seja pela utilização crescente de meios e formas de ocultar patrimônio e dificultar a satisfação do crédito executado, seja por uma questão de garantia à justiça. Deve haver uma ponderação'', esclarece.
Questionado sobre a mudança, o Conselho Curador do FGTS informou que não comenta decisões judiciais. A colegiado, no entanto, lembrou o parágrafo 2º do artigo 2 da Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, que cita que ''contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis''.
Vale lembrar que os móveis de bens de residências de trabalhadores podem ser penhorados por dívidas, desde que sejam de elevado valor, supérfluos, ou, ainda, que existam em duplicidade.

Erick Hitoshi é professor universitário de direitoArquivo Pessoal

Por que o FGTS foi criado?
O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966 e vigente a partir de 01 de janeiro de 1967, para proteger o trabalhador demitido sem justa causa. O FGTS é constituído de contas vinculadas, abertas em nome de cada trabalhador, quando o empregador efetua o primeiro depósito. O saldo da conta vinculada é formado pelos depósitos mensais efetivados pelo empregador, acrescidos de atualização monetária e juros.
Com o FGTS, o trabalhador tem a oportunidade de formar um patrimônio, que pode ser sacado em momentos especiais, como o da aquisição da casa própria ou da aposentadoria e em situações de dificuldades, que podem ocorrer com a demissão sem justa causa ou em caso de algumas doenças graves.
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