De acordo com o Ministério do Planejamento, o bloqueio não vai atingir nenhuma despesa obrigatóriaReprodução
Publicado 26/03/2024 18:34
Brasília - O bloqueio de R$ 2,9 bilhões anunciado pelo governo federal não é um corte, mas uma contenção de despesas discricionárias (que não são obrigatórias) e ocorre para que, segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, não falte dinheiro para as despesas obrigatórias.
Especialista ouvido pelo Comprova explica que a medida não é nova e vem sendo utilizada a desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi instaurada, para que o Estado consiga cumprir as metas fiscais estabelecidas. Segundo ele, a restrição é pequena, já que corresponde a 0,14% do limite total de gastos para 2024. O governo informou que, em maio, há possibilidade de que o bloqueio seja desfeito.
Conteúdo analisado: Publicações em rede social e site afirmam que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloqueou R$ 2,9 bilhões do orçamento de 2024. O post é acompanhado de uma foto do presidente com uma expressão de tristeza. Em resposta, diversos perfis sugerem que o bloqueio significa crise no país. "Afunda Brasil numa Venezuela próxima", escreveu um seguidor.

Comprova Explica: O governo federal anunciou um bloqueio em despesas discricionárias – aquelas que não são obrigatórias –, durante a apresentação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre, em 22 de março. Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, o Regime Fiscal Sustentável, mecanismo de controle do endividamento, determina um limite anual para os gastos, fixado em R$ 2,089 trilhões em 2024. Como a previsão para as despesas obrigatórias está R$ 2,9 bilhões acima, será feita uma contenção nesse valor, para que o limite seja cumprido.

Ainda de acordo com o Ministério do Planejamento, o bloqueio não vai atingir nenhuma despesa obrigatória – que a União tem a obrigação legal ou contratual de pagar. A pasta também esclareceu que o bloqueio não significa corte, e funciona como um instrumento preventivo usado em despesas discricionárias para uma eventual necessidade de cancelamento das despesas e o remanejamento desses recursos para o atendimento das despesas obrigatórias.

As despesas obrigatórias são para pagamento de salários e aposentadorias, dos encargos da dívida pública, das transferências a estados e municípios, entre outras. Já as discricionárias são aquelas em que o governo tem liberdade para decidir o melhor momento para a realização de um gasto, como recursos para custeio e investimentos. A lista com as áreas que não podem ser afetadas pela limitação consta no artigo 3 da Lei Complementar 200/23.

Paulo Corval, professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que a medida é usada desde a instauração da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101), nos anos 2000, para que o governo consiga atingir um resultado de execução orçamentária positivo.

"Quando vemos as contas públicas saindo dessa meta, o governo precisa tomar medidas e a medida mais básica que a LRF pede é o que a gente chama de Limitação de Empenho", diz. Segundo ele, trata-se de uma limitação na liberação de recursos para os órgãos do governo, atendendo programas e políticas públicas nacionais. "Essa é uma política tradicional ortodoxa materializada na Lei Complementar 101 de 2000 e que persiste como orientação durante todo esse período", afirma.

O montante bloqueado representa 0,14% do total de gastos previstos para o ano e, segundo o especialista em finanças públicas, não é esperado impacto negativo. "Essa limitação de R$ 2,9 bilhões, é claro que quando a gente fala como pessoa física, é muito dinheiro. Mas a gente tem um Produto Interno Bruto (PIB) de quase R$ 10 trilhões e uma receita que gira na casa trilionária. Então, R$ 2,9 bilhões, relativamente falando, é muito pouco", diz. "Em termos de valores relativos, não os valores absolutos, está dentro do aceitável. Não é motivo para nenhuma preocupação neste momento, não agora", afirma.

Durante a divulgação do relatório, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirmou que, em maio, há possibilidade de que o bloqueio seja desfeito. O mesmo aconteceu em 2023, entre novembro e o fim do ano, quando restrições de um total de R$ 5 bilhões foram desbloqueadas por meio de portarias, porque os recursos das despesas discricionárias haviam sido remanejados para despesas obrigatórias, cumprindo o limite total.

Como verificamos: A reportagem buscou pelo bloqueio anunciado e encontrou informações em sites da imprensa formal e do governo federal. Também foi procurado o Ministério do Planejamento e um especialista em finanças públicas para explicações sobre o funcionamento e aplicação do bloqueio de recursos. Ainda foram consultadas a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, a Lei Complementar 200, de 2023, e a Emenda Constitucional 95, de 2016.

Regime Fiscal Sustentável
O Regime Fiscal Sustentável (Lei Complementar 200/23) substituiu o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95), que ficou em vigor entre 2016 e 2023. O novo arcabouço fiscal, como também é conhecido, é um mecanismo de controle do endividamento, com foco no equilíbrio entre arrecadação e despesas. O objetivo é tornar o regime fiscal brasileiro mais flexível, para que seja capaz de acomodar choques econômicos, sem comprometer a consistência do orçamento no médio e longo prazo.

As novas regras pretendem manter as despesas abaixo das receitas a cada ano e, em caso de sobras, elas deverão ser usadas apenas em investimentos, buscando a sustentabilidade da dívida pública. Segundo o governo federal, o novo regime tem o propósito de garantir a responsabilidade social e fiscal, de forma que possibilite o financiamento adequado das políticas públicas.

A cada ano, haverá limites da despesa primária reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e também por um percentual do quanto cresceu a receita primária descontada a inflação. O texto do novo arcabouço fiscal prevê sanções de cumprimento obrigatório para o governo, se não for atingida a meta de resultado primário do ano anterior. Com a aprovação do novo regime, em agosto de 2023, a ideia do governo federal é zerar o déficit fiscal já em 2024 e passar a ter superávit em 2025.

"O Regime Fiscal Sustentável fez ajustes, mudanças e incrementos naquilo que a gente tem desde 2000. É um itinerário que muda a sua maneira de cálculo, mas o espírito é o mesmo, para você conseguir criar uma margem de meta fiscal que não engesse tanto o governo", afirma Paulo Corval. "A regra nova, espera-se, embora mais complexa, cria margem para o governo manter o cuidado com a dívida, com as despesas, mas também deixa uma margem para o governo continuar sendo o ator econômico que ele é no sistema capitalista", diz.

Por que explicamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e busca esclarecer aqueles considerados duvidosos e que podem gerar entendimentos confusos e boatos.

Outras checagens sobre o tema: Em agosto de 2023, o Comprova já havia feito uma verificação esclarecendo que o decreto com contingenciamento de recursos federais não determina corte de verbas. Checagens sobre o mesmo tema feitas pelo UOL Confere também mostraram que eram enganosos a comparação do bloqueio do Orçamento a confisco de poupanças e posts afirmando que o Brasil fez empréstimo enquanto o presidente Lula bloqueou recursos.
É comum que conteúdos relacionados a recursos e orçamento sejam alvo de desinformação. Em fevereiro, o Comprova explicou como funciona o programa Pé-de-Meia, que vai beneficiar alunos de baixa renda do ensino médio, e classificou como enganoso um vídeo dizendo que todos com mais de 60 anos têm isenção de Imposto de Renda, IPTU e desconto em contas.
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