Estado do Rio de Janeiro possui mais de 1,7 milhão de microempreendedores IndividuaisDivulgação
Publicado 06/05/2024 05:00
Todo microempreendedor individual (MEI) contribui para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, por isso, tem direitos trabalhistas e pode receber aposentadoria, com benefícios comuns a qualquer trabalhador que possua registro em carteira. O valor fixo de contribuição do MEI geral para a Previdência é menor em comparação ao estabelecido para os trabalhadores formais. Especialistas apontam que o recolhimento de uma alíquota menor para esse grupo reduz a arrecadação previdenciária, o que pode causar problemas sérios e impactar negativamente a sustentabilidade do sistema a médio prazo.
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De acordo com os dados da Receita Federal, atualmente o Brasil possui mais de 15,7 milhões de pessoas registradas como microempreendedores individuais, que contribuem com a Previdência Social. Só no Estado do Rio de Janeiro, mais de 1,7 milhão de profissionais trabalham como microempreendedores Individuais.
Apesar de muitas pessoas associarem apenas a uma garantia de aposentadoria, muito do que é oferecido não ajuda somente o microempreendedor, mas também traz segurança a sua família por se tratar de benefícios previdenciários que garantem a renda do MEI em casos de afastamento do trabalho por diversas razões e pensão por morte.
Por regra, os microempreendedores individuais contribuem com uma alíquota sobre o salário mínimo nacional, por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), que inclui o pagamento da contribuição ao INSS. Nele é contabilizado o imposto referente, seja sobre serviços (ISS) ou de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Não há necessidade de pagar qualquer complementação para ter acesso aos benefícios.
Ao todo, o MEI paga uma contribuição de 5% do sobre o salário mínimo de R$ 1.412 (valor de R$ 70,60), mais R$ 1 de ICMS, se desenvolver atividades de comércio e indústria; e R$ 5 de ISS, se for prestador de serviços. No total, o valor pode chegar a R$ 76,60 ao mês.
O microempreendedor individual tem direitos iguais a qualquer outro trabalhador contratado pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tais como auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão e aposentadoria por idade ou invalidez para os dependentes. O valor pago é o equivalente a um salário mínimo.
Déficit previdenciário
A legislação do MEI foi criada em 2008 com o objetivo de formalizar trabalhadores que desempenhavam diversas atividades, mas não tinham amparo legal ou segurança jurídica. Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que o principal atrativo desse modelo era o acesso a benefícios mediante ao recolhimento unificado de tributos federais, estaduais e municipais com uma alíquota subsidiada.
"Quando a estrutura do MEI foi criada, já se criou com o subsídio embutido dentro dessa estrutura. Então já se imaginou um complemento do estado nessa contribuição. Porque uma pessoa que vai entrar nessa formalidade, se ela tiver que pagar a contribuição total, ela não vai entrar na formalidade. (...) Essa contribuição tem que ser e continuar sendo menor do que a incidente dos trabalhadores com carteira assinada, que pagam entre 7,5% e 14%, além da contribuição do empregador que é mais 20% sobre o salário", disse.
"Então, para quem é MEI, tem uma parcela na qual existe um complemento da parte do Estado. Partindo desse ponto, você faz um modelo de formalização onde o Estado sempre fará um complemento. Isso significa que ajustes são necessários e serão feitos ao longo do tempo", pondera a economista.
Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV  - Divulgação
Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV Divulgação
Os microempreendedores individuais representam 10% dos contribuintes da Previdência Social no país, mas apenas 1% da arrecadação do regime geral. "Ou seja, você está com uma parte muito importante da arrecadação de MEI’s que não estão fazendo os pagamentos em dia. Esse descasamento está sendo um problema", alerta.
Para Renata Coutinho, diretora de Previdência na Sinqia — empresa líder em tecnologia para o setor financeiro —, o maior problema é que aposentadoria de um salário mínimo que os MEIs terão direito não será coberta por esse valor de contribuição, principalmente se o número de microempreendedores continuar a crescer em relação aos empregados formais.
"A longo prazo, isso pode gerar um desequilíbrio entre a arrecadação e os benefícios pagos, criando pressões sobre o financiamento da Previdência. O INSS opera com um modelo matemático em que os contribuintes ativos sustentam os aposentados, o que atualmente tem gerado um desequilíbrio financeiro, especialmente devido ao envelhecimento da população", explica.
"Com o aumento do número de MEIs, a tendência é que o desequilíbrio entre as contribuições e os pagamentos de aposentadoria se agrave. Além disso, a garantia de um salário mínimo pode não ser suficiente para manter o padrão de vida do MEI, o que pode resultar em um aumento na dependência do Estado por parte dos aposentados", alerta Coutinho.
 
Renata Coutinho, diretora de Previdência na SinqiaDivulgação
Ricardo Rodil, economista e líder do Mercado de Capitais do Grupo Crowe Macro, lembra que a ideia de dar as vantagens tributárias aos MEIs era de que nenhuma empresa ficaria nessa posição por um longo tempo. O MEI viraria uma empresa que, crescendo, passaria de micro para pequena, por consequência média e, depois, de grande capital 
"Dentro dessa perspectiva era lógico que o governo aceitasse receber menos impostos e contribuições desses empreendedores num momento inicial, com a perspectiva de aumentar a arrecadação no futuro. Isto faz sentido pela perspectiva de, na medida em que a empresa crescer, o empreendedor passar a contribuir cada vez com um valor maior para os impostos e contribuições cobertos no 'pagamento único'", aponta Rodil.
"(...) Mesmo admitindo que a contribuição previdenciária de um MEI em geral equivale a 5% de um salário mínimo, conclui-se que não seria suficiente para financiar sua aposentadoria", acrescenta.
Ricardo Rodil, economista e líder do Mercado de Capitais do Grupo Crowe MacroDivulgação
Os especialistas também apontam que a conta da Previdência não fecha não só por causa do avanço da informalidade e dos MEIs, mas também por consequência da diminuição da fatia de jovens trabalhando e contribuindo e do aumento explosivo da proporção de idosos se aposentando.
Dados da pesquisa mais recente de empregabilidade de jovens no Brasil, feita pela Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, revelam que mais 5,2 milhões de jovens entre 14 e 24 anos estão sem emprego no Brasil. Já segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 39 milhões de trabalhadores informais no Brasil atualmente.
"O sistema é como se fosse uma pirâmide, ou seja, precisamos de mais contribuintes para conseguir pagar as aposentadorias. Inclusive, essa é uma realidade que já está afetando as contas da Previdência. (...) O descompasso é agravado pelo envelhecimento da população e pelo crescimento da informalidade no mercado de trabalho, no qual muitos trabalhadores não têm vínculo formal nem contribuem para a Previdência", afirma a diretora de Previdência na Sinqia, Renata Coutinho.
"Seguramente será um problema para aquelas jurisdições onde se usa o sistema de contribuições correntes financiando as prestações correntes. (...) Este sistema é particularmente sensível às mudanças na pirâmide populacional. Hoje vemos, em praticamente todos os países do mundo que adotam este sistema, que a pirâmide vem se 'achatando', o que quer dizer que temos cada vez mais população em condições de se aposentar do que população contribuindo para esses desembolsos", destaca o economista Ricardo Rodil.
Já Carla Beni ressalta que essa é uma problemática mundial, que é um desafio para a Previdência no mundo todo. Além de ser resultado dos avanços da medicina.
"Os Estados estão revendo as suas estruturas previdenciárias. O Japão, por exemplo, revê a cada cinco anos a sua estrutura. Mas isso não precisa ser necessariamente um drama. Porque os Estados vão ter que rever a forma de pensar as questões previdenciárias. Isso é uma questão internacional, a combinação entre o público, o privado e as formas de cálculo, é uma questão que terá que ser revista pelo mundo todo, justamente nós estamos vivendo mais e tendo menos filhos. Então esse é um problema que afeta a previdência, mas não deve ser encarado como uma tragédia e sim como uma nova forma de se pensar e calcular a previdência", aponta a especialista.
Para além desses fatores, as reformas trabalhista (2017) e previdenciária (2019) chamam a atenção nesta equação, já que elas mudaram as relações de trabalho e de aposentadoria.
Renata Coutinho afirma que a Reforma Trabalhista resultou na redução no nível de proteção do trabalhador, uma precarização e um aumento no número de trabalhadores informais, decorrente da flexibilização da regulamentação.
"A informalidade e a precarização são prejudiciais para o sistema previdenciário, uma vez que muitos trabalhadores que estão nessas condições não possuem vínculo formal de trabalho e, consequentemente, não contribuem para a Previdência", pondera Coutinho.
"A Reforma da Previdência, por outro lado, veio para diminuir o problema causado pelos diversos fatores que ao longo do tempo geraram tal desequilíbrio. No meu ponto de vista, o risco está em não acompanharmos com reformas e planejamento as mudanças que estamos vivendo", acrescenta.
Luiz Almeida, advogado especializado em Direito Previdenciário, afirma que a reforma trabalhista foi um "desastre completo" e que a precarização da mão de obra afeta diretamente a arrecadação dos trabalhadores que optarem pelo MEI.
"Não produziu o efeito esperado, como ficou nítido. Com a promessa de gerar milhões de empregos e formalização do mercado de trabalho, o que se percebe é justamente o contrário. Essa reforma foi um desastre completo. O que se percebe é aumento da informalidade no Brasil. (...) Essa precarização, acaba tendo ligação direta com a arrecadação previdenciária, já que muitos desses trabalhadores optam por abrir um MEI, contribuindo com valores menores para a previdência", disse.
"A Reforma da Previdência veio com a justificativa de sanar esse desequilíbrio das contas públicas, mas o que se viu foi a retirada de direitos dos segurados, o que levou a diversos questionamentos na esfera judicial sobre esses temas. Com a junção desses fatores, o sistema previdenciário está, sim, correndo riscos a médio e longo prazo, já que sofre com esse desequilíbrio entre o que arrecada e o que gasta", aponta.
Luiz Almeida, advogado especialista em Direito PrevidenciárioDivulgação
Já o economista Ricardo Rodil defende as mudanças trazidas com as reformas:
"Na minha visão, a reforma de 2017 teve muito mais pontos positivos do que negativos. Essa reforma atacou de forma concreta o excesso de judicialização de disputas trabalhistas e tende a diminuir aquele mito de que 'o trabalhador tem sempre razão' que existia no raciocínio de muitos dos juízes do trabalho.".
"Os impactos no sistema previdenciário, na minha opinião, ainda não podem ser avaliados com precisão, pois o 'esticar' da idade mínima para se aposentar ainda não apresentou resultados mensuráveis. De outro lado, a tendência a uma menor judicialização pode incentivar a criação de empregos 'com carteira assinada', o que deve redundar em maior arrecadação no sistema previdenciário", acredita.
Soluções para o problema
Os especialistas apontam a necessidade de novas mudanças no sistema previdenciário como a principal forma de solucionar o possível problema no déficit, diante do novo perfil de ocupação no mercado de trabalho e aumento da informalidade.
"Uma reforma previdenciária mais humanizada, que leve em conta não apenas o fator financeiro é a melhor solução. É importante lembrarmos, que os trabalhadores que contribuem com o sistema previdenciário, o fazem confiando que irão poder contar com essa renda no futuro", disse o advogado em direito previdenciário Luiz Almeida.
"Juntar as fatias da sociedade que podem contribuir com essa reforma, como os economistas, institutos que atuam na área previdenciária, representantes do governo, podem fazer uma reforma mais justa e equilibrada, que busque corrigir as injustiças da última reforma, retificando os erros, para que as contas da previdência possam fechar de forma equilibrada", avalia.
Almeida ainda cita que debater o assunto de forma ampla e clara com a sociedade pode contribuir para o aumento da arrecadação. "Informar a população, com dados corretos, sobre a importância da contribuição para o sistema previdenciário, explicando os valores que devem ser contribuídos, deixando claro quanto isso irá gerar de renda no futuro para esse segurado, pode ajudar a aumentar o valor das arrecadações para o sistema, já que são muitas as dúvidas existentes, inclusive sobre se ainda é possível se aposentar ou não", conclui.
Renata Coutinho aponta políticas públicas para incentivar a formalidade e incentivar o crescimento econômico no país como solução:
"Ajustes nas regras de aposentadoria parecem ser inevitáveis, de forma a dar mais estabilidade ao modelo atual. Também acredito ser importante promover políticas que estimulem a formalização do emprego, incentivem o crescimento econômico e aumentem a participação da força de trabalho ativa, garantindo uma base sólida de contribuintes para o sistema previdenciário".
A especialista também lembra que o MEI pode pagar uma alíquota complementar para o INSS e assim receber um valor maior de aposentadoria, baseado na contribuição sobre a sua renda real.
"O incentivo à previdência complementar também surge como uma ferramenta essencial. Isso porque as entidades sem fins lucrativos oferecem rentabilidades atrativas e representam um investimento crucial para garantir um complemento de renda após a fase laborativa", disse.

"Ao permitir contribuições adicionais por parte dos trabalhadores e proporcionar opções de investimento diversificadas, essa modalidade amplia as perspectivas de renda no futuro. Isso não somente contribui para a segurança financeira dos brasileiros, mas também alivia a pressão sobre o sistema público, resultando em um horizonte mais sustentável e equilibrado", acrescenta.
A complementação está disponível para os empreendedores que possuem renda superior a um salário mínimo e desejam contribuir sobre a sua renda real. Por exemplo, se um MEI recebe o valor mensal de R$ 5 mil, para fazer a contribuição previdenciária sobre esse valor é necessário pagar a guia do DAS-MEI e uma complementação por meio de Guia de Previdência Social (GPS). E assim seu benefício no INSS será calculado sobre os R$5 mil.
Já Ricardo Rodil cita a revisão das prestações e aumento das taxas de contribuição.
"Revisão, pente finíssimo das prestações vigentes, o que seguramente esbarrará no 'direito adquirido', que só funciona para uns poucos privilegiados. O aumento das contribuições sempre traz consigo o perigo de evasão e/ou fraudes. A cobertura dos déficits anteriores via dívida pública a longo prazo, o que seguramente traria problemas de pressão sobre os juros da economia como um todo, e  mudança para o sistema de poupança — aquele similar ao FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]".
Procurado, o Ministério da Previdência Social afirma que "o MPS não tem projeções específicas sobre o impacto do MEI no equilíbrio atuarial do RGPS (Regime Geral de Previdência Social)" e que o assunto "referente à arrecadação é de competência da Receita Federal do Brasil".
A reportagem entrou em contato com a Receita Federal, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Tipos de aposentadorias
- Aposentadoria por idade: Para se aposentar por idade como MEI, o microempreendedor precisa ter no mínimo 180 contribuições, ou seja, ter pelo menos 15 anos de contribuição, e idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens.
Para o "segurado especial" (agricultor familiar, pescador artesanal, indígena etc), a idade mínima é reduzida em cinco anos. Este tipo de aposentadoria também dá direito ao 13º salário e a carência mínima de 180 meses. Mesmo que o segurado pare de contribuir por bastante tempo, as contribuições para aposentadoria nunca se perdem e sempre serão consideradas no valor total.
A reforma da Previdência acabou com a aposentadoria por tempo de contribuição, mas para quem já recolhia para o INSS quando houve a mudança, em novembro de 2019, regras de transição foram criadas para que os trabalhadores antigos não fossem prejudicados. Para que pudessem se aposentar pela idade, foi instituída uma regra de transição.
- Aposentadoria por invalidez: O benefício concedido aos segurados incapacitados de exercer em definitivo sua atividade por motivo de doença ou acidente mediante perícia médica da Previdência. São necessários 12 meses de contribuição, a contar do primeiro pagamento em dia, para ter direito a esse benefício.
É importante saber que nos casos de acidente de qualquer natureza ou se houver alguma das doenças especificadas em lei, independe de carência — número mínimo de contribuições para ter acesso a um benefício previdenciário — haverá a concessão desse benefícios.
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