A professora Maria Amélia Magalhães, 67 anos, conseguiu conciliar paixão pela profissão com uma renda extraArquivo Pessoal
Publicado 25/08/2024 05:00
Quem não sonha em chegar ao fim da vida profissional e poder descansar após longos anos de jornada recebendo o merecido pagamento? No entanto, alguns trabalhadores têm retornado ao mercado mesmo após alcançar o tempo de contribuição. Seja pelo achatamento dos salários e elevação do custo de vida, ou pela necessidade de se sentir ativo, O DIA ouviu quem trocou o chinelo pelo sapato para entender o porquê desse retorno à ativa, além de especialistas que explicam as consequências dessa decisão.
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Segundo o Governo Federal, o País conta com 23 milhões de pessoas aposentadas. Esse contingente torna o sistema previdenciário como o maior de todos os programas sociais, concedendo cerca de 40 milhões de benefícios todo mês e injetando mais de R$ 70 bilhões na economia. 
O último Boletim Estatístico da Previdência Social, divulgado em fevereiro de 2024, apontou que o valor médio das aposentadorias urbanas é R$ 1.863,38, e o das rurais, R$ 1.415,06. Valores esses que, muitas vezes, não são suficientes para cobrir todas as despesas, especialmente em áreas urbanas, onde o custo de vida é mais alto.
Procurado pelo DIA, o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) informou que faria um levantamento com estatística de aposentados que seguem em atividade com a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev). Até o fechamento na matéria, o relatório ainda não estava disponível.
Pesquisa aponta que 60% continuam na ativa
Uma pesquisa do Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box divulgada em julho mostrou que 60% dos aposentados seguiam trabalhando para complementar a renda e manter um estilo de vida ativo. Além disso, 4 em cada 10 revelaram enfrentar algum tipo de dificuldade financeira para manter as contas essenciais em dia — entre os principais gastos desse grupo estão alimentação e supermercado, saúde e remédio.
O estudo aponta ainda que 6 em cada 10 entrevistados revelam não conseguir manter o padrão de vida que tinham antes da aposentadoria. A questão do endividamento também pesa: 62% tiveram que recorrer a crédito ou empréstimo para auxiliar nas despesas.

A auxiliar de serviços médicos Gladys Pimenta de Araújo, 66 anos, conseguiu se aposentar aos 60, mas decidiu continuar trabalhando após ver que somente o benefício não seria suficiente para arcar com todas as despesas.
 
A auxiliar serviços médicos Gladys Araújo gasta metade do benefício somente com despesas básicas - Arquivo Pessoal
A auxiliar serviços médicos Gladys Araújo gasta metade do benefício somente com despesas básicasArquivo Pessoal
"Além da manutenção mensal da casa, onde pago água, luz, IPTU e internet, que estão bem caros, pago metade da faculdade da minha filha, que consome praticamente metade da minha aposentadoria. Isso tudo pesa no meu orçamento", contou.
De acordo com Gladys, a questão financeira foi o principal motivo para o retorno ao mercado de trabalho, mas a vontade inicial era repousar.
"Só o dinheiro da aposentadoria não dá para nada. Quando a empresa me chamou para voltar a trabalhar, retornei imediatamente. Precisava complementar minha renda porque se eu tivesse um benefício bom, realmente ia descansar", disse.
Outros aposentados mencionam a necessidade de se manterem ativos como um dos motivos para continuar trabalhando. Segundo especialistas, essa é uma tendência que deve continuar, especialmente com o aumento da longevidade da população brasileira.
A professora Maria Amélia Magalhães, 67 anos, trabalhou por 30 anos com educação de Pessoas com Deficiência (PCDs) em uma rede de escolas do Rio de Janeiro. Quando se aposentou, em 2017, o valor do benefício não alcançaria as despesas. Então ela uniu a paixão pela profissão com a possibilidade de ter uma renda extra e abriu um espaço próprio para lecionar, o Grupo Liberdade, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste.
"A empresa em que eu trabalhava me pagava muito bem. Quando aposentei, não conseguiria manter a estrutura de vida que eu tinha. Então minha decisão foi abrir o espaço em que pudesse continuar fazendo o que eu sempre me dediquei e, ainda assim, ter uma segunda renda", contou.
Projeto de lei traz incentivos
No dia 6 de agosto, foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal o projeto de lei 3670/2023, que que isenta os trabalhadores já aposentados do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da contribuição previdenciária. Além disso, a proposta obriga o Sistema Nacional de Emprego (Sine) a manter e divulgar uma lista de aposentados e aposentadas aptas ao retorno ao mercado de trabalho.

De acordo com o texto aprovado, as empresas com até dez empregados podem contratar uma pessoa aposentada e obter a isenção do FGTS e da contribuição previdenciária. Empresas com 11 a 20 trabalhadores ficam autorizadas a contratar até dois aposentados. No caso de empresas maiores, a isenção é limitada a 5% do total de funcionários. O PL, agora, seguirá para o Plenário da Casa.

Importante destacar que a isenção do FGTS só vale para empresas que comprovem aumento no número total de empregados. Está previsto também no PL que, na hora da demissão do funcionário aposentado, a empresa fica dispensada de recolher o FGTS referente ao mês da rescisão e ao mês anterior. Ela também fica livre do pagamento da indenização de 40% sobre todos os depósitos realizados durante a vigência do contrato.

De acordo com o advogado especializado em Direito Previdenciário João Badari, a medida é um incentivo importante para essa categoria.
Para o advogado João Badari o PL é um incentivo importante para essa categoria Divulgação
"Sem dúvidas, se aprovado, o projeto facilitará a realocação no mercado de trabalho de pessoas com mais de 50 anos. Vale destacar que, atualmente, existe um certo preconceito com relação aos critérios etários no momento da contratação de profissionais mais sêniores. Esse projeto poderá ser um diferencial para esse público", destacou.
Foi o caso de Raimunda de Jesus Carvalho Arruda, de 65 anos, atendente de uma unidade de um supermercado que aposentou em 2019, mas decidiu continuar trabalhando.
Para a atendente Raimunda Carvalho trabalhar com jovens serve como aprendizadoPaulo Sergio Costa / Agência O Dia
"Na verdade, eu nem saí da empresa, continuei. E pretendo continuar por um bom tempo ainda", revelou. Para ela, a decisão de seguir ativa foi motivada tanto pela vontade de se manter jovem e ativa quanto pela necessidade financeira. "Quero continuar trabalhando, quero ficar ativa, me sentir jovem. E a situação financeira também pesou, né? Pela idade, só o plano de saúde já é satisfatório", explicou.

Raimunda também ressalta a importância de manter a mente ativa e um círculo social de amizades. "É muito importante, assim, cada dia você aprende mais e mais. Aprende com a pessoa mais idosa, mais velha do que a gente, convive com mais novos, então cada dia que passa a gente aprende mais coisa", destacou.
Psiquiatra aponta prós e contras
Para a psiquiatra Tássia Lopes Muller, a decisão de seguir trabalhando após se aposentar é uma tendência em crescimento.
A psiquiatra Tassia Muller recomenda cuidados para quem continua trabalhando após se aposentarDivulgação
"Com a longevidade da população aumentando cada vez mais, é crescente o número de pessoas que, mesmo após se aposentar, optam por seguir em seu trabalhos por uma série de questões: dificuldades financeiras para se manterem com a aposentadoria apenas, desejo de seguir sendo economicamente produtivos ou necessidade de se manter em constante vínculos sociais", explicou.
A médica alerta que, apesar da recomendação de seguir com atividades que estimulem o corpo e o cérebro — entre eles, o trabalho — é preciso ter alguns cuidados.
"Dependendo da atividade exercida, é adequado, e até recomendado, seguir trabalhando, pois o senso de pertencimento é maior e a capacidade cognitiva tende a se manter mais protegida. No entanto, é necessário levar em consideração casos de adoecimento físico ou mental que contraindiquem seguir no ambiente de trabalho, ou mesmo trabalhos com grande extenuação física [trabalhos braçais], que podem não ser compatíveis com a estrutura física de uma pessoa idosa, ou com algum adoecimento. Em tais situações, talvez o afastamento do trabalho possa realmente ser mais indicado", concluiu.

Saiba os direitos de quem continua trabalhando
FGTS – Após se aposentar, o trabalhador adquire recebe a certidão para saque do PIS (Programa de Integração Social), caso tenha direito, e do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Se continuar prestando serviço para a empresa na qual se aposentou, pode sacar o fundo mensalmente. Caso mude de empresa, o dinheiro depositado na conta do fundo só poderá ser retirado em caso de nova rescisão do contrato de trabalho.

Rescisão – Em caso de demissão sem justa causa, o aposentado tem direito a todas as verbas rescisórias recebidas pelos demais trabalhadores, tais como saldo de salários; aviso prévio (trabalhado ou indenizado); férias proporcionais e vencidas, se for o caso, com acréscimo de um terço do salário; 13º salário proporcional.
A multa rescisória de 40% sobre o FGTS é mantida mesmo que o trabalhador tenha sacado o saldo que tinha no fundo quando se aposentou. O valor deve ser calculado sobre o total de depósitos feitos pela empresa durante todo o período trabalhado. O aposentado não tem direito ao seguro-desemprego.

Se pedir demissão, o aposentado tem direito ao saldo de salários; férias proporcionais e vencidas, se for o caso, com acréscimo de um terço do salário; 13º salário proporcional; deve cumprir aviso prévio, sob pena de desconto pela empresa.
Previdência – O segurado obrigatoriamente continua a contribuir com a Previdência Social. No entanto, não é possível solicitar uma elevação do valor do seu benefício pelo fato de ter continuado a contribuir.
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