PEC propõe redução da carga horária semanal de 44 para 36 horasMarcelo Camargo / Agência Brasil
Publicado 01/12/2024 00:00
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede o fim da escala de seis dias de trabalho para um de descanso (6x1) agita os debates nas redes sociais e divide opiniões de trabalhadores, empresários e políticos. De um lado, os defensores afirmam que a mudança é essencial para garantir mais tempo de descanso e qualidade de vida ao trabalhador. Do outro, os críticos demonstram preocupações com os possíveis impactos econômicos.
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Inspirada pelo Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), a PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) propõe a redução da carga horária semanal de 44 para 36 horas, além da implementação de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana. Até o dia 15 de novembro, a proposta já contava com 231 assinaturas. Para que uma PEC comece a tramitar no Congresso Nacional, é necessário o apoio de pelo menos 171 deputados.
A proposta conta com apoio popular. Uma petição criada pelo Movimento VAT, fundado pelo vereador eleito do Rio de Janeiro, Ricardo Cardoso Azevedo (PSOL), mais conhecido como Rick Azevedo, já reúne quase três milhões de assinaturas pelo fim da escala 6x1. O ativista ganhou projeção nacional após um desabafo em sua conta no TikTok, no fim de 2023. "É uma escravidão ultrapassada", disse Rick na ocasião. O Movimento VAT tem organizado protestos em diversas cidades do Brasil, reivindicando o fim da escala.
Ao jornal O DIA, Rick Azevedo afirma que essa é uma "luta coletiva". "Quem vive nessa realidade mal consegue dedicar tempo à família, cuidar da própria saúde ou planejar qualquer aspecto de sua vida fora do trabalho”, destaca o vereador eleito.
Rick também pontua que não se trata apenas de uma alteração na carga horária.
"A proposta em debate no Congresso busca reequilibrar essa equação, garantindo condições mínimas para que os trabalhadores tenham uma rotina mais humana e sustentável. Não se trata apenas de mudar a jornada, mas de reafirmar que o bem-estar do trabalhador é um pilar essencial de qualquer sociedade justa e produtiva", ressalta.
A reportagem entrou em contato com o gabinete da deputada federal Erika Hilton, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
A realidade do dia a dia
Além do horário exaustivo, há quem enfrente uma jornada dupla, precisando conciliar o trabalho com os estudos ou até mesmo com as responsabilidades de mãe. A moradora do Rio de Janeiro e recepcionista Melissa Almeida, de 42 anos, ressalta que, apesar de gostar do que faz, há exaustão "física e mental".
"Passo cerca de 12 horas por dia fora de casa. Quando chego, estou cansada demais para as tarefas domésticas. Não posso me dar ao luxo de sair para algum lugar, pois preciso descansar para o dia seguinte. Menos ainda tenho tempo de qualidade com meus filhos", diz.
Melissa Almeida, de 42 anos - Arquivo pessoal
Melissa Almeida, de 42 anosArquivo pessoal
A recepcionista, que folga somente aos domingos, pontua que um dia na semana é pouco para descansar e cumprir as tarefas.
"Quando acordo no domingo de manhã, começa uma grande crise existencial. E, a partir daí, a dura decisão: aproveito meu domingo para descansar? Mas e a geladeira que precisa ser limpa? E a roupa acumulada para lavar? Talvez eu devesse fazer algo com a minha filha, já que quase não passamos tempo juntas. Mas e eu? Quando terei o meu momento de lazer para sair com os amigos e fazer algo divertido?" questiona Melissa.
Maria Clara Carvalho, de 19 anos, também enfrenta a jornada dupla, mas por conta dos estudos. A jovem trabalha como atendente de uma drogaria e cursa graduação em História. "Minha rotina é basicamente essa: saio de casa todos os dias às 8h e volto às 00h15."
Estudante Maria Clara Carvalho, de 19 anosArquivo pessoal
Maria Clara explica que a falta de tempo para focar nos estudos é um dos principais problemas da escala, mas também menciona o impacto na sua saúde. "A falta de tempo impede que eu consiga focar nos meus estudos e também prejudica um pouco a minha saúde, pois afeta meu sono devido ao horário em que chego em casa", pontua a jovem.
"Ter um único dia de folga na semana é muito cansativo, pois as tarefas acabam se acumulando durante a semana e, além disso, fico muito cansada tanto fisicamente quanto mentalmente. Não consigo focar em tudo o que deveria fazer na minha folga", diz a estudante, que tem o dia livre apenas às sextas-feiras e, uma vez por mês, aos domingos.
Quando questionada sobre o fim da escala 6x1, Maria Clara afirma que "acharia justo, visto que ela afeta a saúde dos trabalhadores em diversos aspectos de suas vidas", mas também expressa preocupação com as possíveis consequências.
"Eu sei que isso envolve fatores que podem influenciar diretamente a economia do país, então tenho a noção de que é algo que afetaria a nação de forma significativa", enfatiza.
A preocupação com os possíveis impactos econômicos tem dificultado o apoio à PEC. Organizações como o Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro (CDLRio), o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro (SindilojasRio) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) manifestaram-se contra o fim da escala 6x1.
Quem apoia e quem é contra
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirma ao jornal O DIA que "tem acompanhado de perto o debate sobre o fim da escala de trabalho 6x1". "O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva", diz a nota da Pasta.
O Sindicato dos Comerciários defende a redução da jornada e frisa que "quem trabalha nessas condições dificilmente consegue equilibrar as responsabilidades profissionais com a vida pessoal e as necessidades de descanso e cuidado com a saúde". "É uma situação que provoca estresse, adoecimento físico e mental, além de fragilizar as relações familiares e sociais."

Questionado sobre o apoio dos parlamentares, o Sindicato dos Comerciários conta que tem cobrado a bancada fluminense, mostrando dados e que a mudança será positiva para todos. "Os que ainda resistem, em geral, o fazem por falta de informação ou por conservarem uma visão ultrapassada, patrimonialista, de que nós trabalhadores já temos direitos demais e devemos ser levados a trabalhar até a exaustão. O que temos reparado, porém, é que a maioria dos parlamentares já está convencida da importância dessa mudança", ressalta.

O Sindicato dos Comerciários também menciona uma experiência de 2023, no Reino Unido, na qual foi testada a jornada de trabalho de quatro dias por semana. "Durante seis meses, as empresas continuaram pagando 100% dos salários para os funcionários trabalharem 80% do tempo, ou seja, um dia a menos por semana. O resultado foi tão bom que, mesmo com o fim do teste, 91% das empresas decidiram continuar com o esquema. Ficou bom para todo mundo", enfatiza.
O Clube dos Diretores Lojistas do Rio de Janeiro (CDLRio) e o Sindicato dos Lojistas do Município do Rio de Janeiro (SindilojasRio) se posicionam contra a mudança.

"A diminuição da jornada de trabalho sem a contrapartida da redução dos salários não afetará apenas o comércio, mas a todos os setores produtivos, pois impactará e comprometerá negativamente as condições de existência das empresas, sejam grandes, médias ou pequenas, de todos os setores produtivos, sendo as menores as mais sensíveis e vulneráveis tanto às mudanças da conjuntura econômica quanto do nível e formação dos custos", afirmam em nota conjunta.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) também se posicionam contra a PEC.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), "ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões, especialmente em setores de mão de obra intensiva, prejudicando justamente aqueles que a medida propõe beneficiar", destaca a CNC.
Confira os deputados federais do Rio de Janeiro que assinaram a PEC
- Aureo Ribeiro (Solidariedade)
- Bandeira de Mello (PSB)
- Bebeto (PP)
- Benedita da Silva (PT)
- Chico Alencar (PSOL)
- Daniela do Waguinho (UNIÃO)
- Dimas Gadelha (PT)
- Glauber Braga (PSOL)
- Hugo Leal (PSD)
- Jandira Feghali (PCdoB)
- Juninho do Pneu (União Brasil)
- Laura Carneiro (PSD)
- Lindbergh Farias (PT)
- Luciano Vieira (Republicanos)
- Marcelo Crivella (Republicanos)
- Marcos Tavares (PDT)
- Max Lemos (PDT)
- Murillo Gouvea (União Brasil)
-  Pastor Henrique Vieira (PSOL)
- Reimont (PT)
- Renan Ferreirinha (PSD)
- Talíria Petrone (PSOL)
- Tarcísio Motta (PSOL)
- Washington Quaquá (PT)
Até o dia 15 de novembro, a proposta já contava com 231 na Câmara dos Deputados. O deputado Tarcísio Motta (PSOL) afirma que, com a aprovação da PEC, o trabalhador terá "mais tempo para se dedicar aos estudos, se matricular em um novo curso ou mesmo para relaxar e aproveitar mais horas de lazer, fundamental para seu descanso e para manutenção da saúde mental". Ele também explica que "um trabalhador mais saudável e descansado significa menos acidentes de trabalho, menos gastos com o SUS, menos licenças e afastamentos do emprego".
Eduardo Bandeira de Mello (PSB) diz que a redução da jornada de trabalho "contribui para um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal, favorecendo inovação e aumentando a satisfação geral no ambiente laboral". "A redução da jornada de trabalho pode trazer benefícios econômicos importantes para as empresas, como aumento da produtividade, redução de custos com rotatividade e acidentes, e maior engajamento dos trabalhadores, resultando em inovação e eficiência operacional. Além disso, a PEC prevê um período de adaptação para que as empresas ajustem seus processos, mitigando impactos iniciais", destaca Bandeira de Mello.
A reportagem entrou em contato com a toda a bancada do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados para saber a opinião dos parlamentares sobre a PEC, mas não obteve mais respostas até o momento. O espaço segue aberto para manifestação.
O que vem a seguir?
O projeto atingiu o mínimo de assinaturas necessárias para começar a tramitar no Congresso Nacional. Agora, até ser aprovado, é necessário que a proposta passe por uma série de etapas.
Primeiro, a PEC será oficialmente apresentada e analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que avaliará sua admissibilidade. Atualmente, a CCJ é presidida pela bolsonarista Carol de Toni (PL-SC), contrária à mudança, o que pode representar um desafio para a proposta. Uma possibilidade seria adiar a apresentação da medida à Comissão até que o cargo seja ocupado por outra pessoa.
Depois dessa fase, se admitido pela CCJ, o texto será analisado por uma comissão especial, que pode alterá-lo com o objetivo de melhorar ou facilitar a sua aprovação no Plenário da Câmara. Nessa etapa, serão ouvidos diversos especialistas, sindicatos e associações para fornecer informações que embasem a construção de um texto mais consistente.
O próximo passo é a votação no Plenário, onde são necessários votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308 dos 513), em dois turnos de votação, para que a medida seja aceita. Após a aprovação, o texto segue para o Senado, onde passará por um processo semelhante. Se houver modificações substanciais feitas pelo Senado, o texto retorna à Câmara e passa por novos ajustes, até que ambas as Casas concordem com a proposta, que então será promulgada como emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional.
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