Por DIRLEY FERNANDES
Publicado 14/10/2018 03:00

Rio - Mais do que a liderança de Jair Bolsonaro (PSL) na primeira rodada das eleições presidenciais, os resultados expressivos dos candidatos que se ligaram ao deputado federal surpreenderam. Analistas começam a se debruçar sobre o quadro político que vai se formando. Dois dos mais importantes cientistas políticos do país falaram ao DIA em uma semana marcada por sucessivos casos de violência ligados à polarização que tomou conta do país, onde, no lugar da defesa de uma posição política ou outra de outras campanhas, o que impera é a rejeição absoluta às posições de extrema direita de Bolsonaro de um lado, ou ao PT, de outro.

"O medo já está presente na vida das pessoas", diz Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas, que vê um tempo em que a "tolerância em relação ao outro" perde o valor. Já Fábio Wanderley Reis, decano dos cientistas políticos brasileiros, ligado à UFMG, acredita que poderemos ter à frente tempos "de muita regressão de conquistas que custaram muito à sociedade".

Reis, no entanto, diz que não há surpresas no caminho tomado pelo eleitor. "O que há de diferente é que a classe média, mesmo a mais instruída, abraçou a postura ultraconservadora de forma nunca vista".

'O tempo da extrema direita é esse, está presente no mundo todo'
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'Há uma psicologia popular propícia a uma figura como Bolsonaro. Finalmente, apareceu'
ODIA: O que surpreendeu ao senhor no resultado da eleição?
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FÁBIO WANDERLEY DOS REIS: Essa história de surpresa é duvidosa. Alguns anos atrás, eu coordenei uma pesquisa com base em amostras de trabalhadores mineiros e paulistas na qual eu trabalhei com perguntas que envolvem temáticas com viés fascista, coisas como uso da tortura pela polícia, atuação de esquadrões da morte... Havia um apoio expressivo da população a essas práticas. O apoio à proteção dos direitos civis, por outro lado, era no nível de 18%. Uma pergunta parecia inspirada na figura do Bolsonaro. A gente questionava se as pessoas concordavam que, em vez de partidos, o Brasil precisava de um líder decidido. Havia muito apoio. Enfim, a gente tem um substrato na psicologia popular propícia a uma figura como Bolsonaro. E ela finalmente apareceu.
O Ciro Gomes falou em onda fascista. Então, para o senhor, a tendência ao conservadorismo visto nas urnas não é só uma onda?
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Não, é consistente. E explica o efeito irracional que leva a população a votar em candidatos inexpressivos que simplesmente declaram apoio a Bolsonaro. Não é nenhum exagero falar em fascismo, há camadas da população dispostas a abraçar um líder truculento.
E o PT? Colaborou para fazer essa tendência crescer?
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Após quatro mandatos na presidência, há um forte desgaste. A dinâmica de protesto que levou ao êxito do PT funciona agora para Bolsonaro. Mas veja que o apoio a ele tem muita força da classe média para cima. Há um componente de ódio de classe no antipetismo.
As primeiras pesquisas indicam vantagem de Bolsonaro no segundo turno? Em condições normais, há chance de Haddad reverter esse quadro?
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De fato, parece um quadro cristalizado. O que vejo é que o enfrentamento vai se acirrar e isso será pior após a eleição; não parece provável que a situação melhore. Os ataques estão se multiplicando. Parentes meus tiveram que retirar um adesivo do Haddad a pedido da família, porque as pessoas estão inseguras; minha neta foi perseguida na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte. O risco que nós corremos ainda não foi percebido pelos partidos e nem pelos meios de comunicação, que tratam os dois candidatos como sendo dois extremos opostos. São projetos bem diferentes. Infelizmente, há pouco espaço para otimismo.

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