Rio de JaneiroReginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Publicado 05/09/2022 01:00
Separados por mais de 30 quilômetros, as regiões administrativas de Botafogo e da Pavuna estavam, em 2018, nos extremos do Índice de Progresso Social — abordagem para determinar a qualidade de vida e bem estar. Segundo estudo feito pelo Instituto Pereira Passos, moradores do bairro da Zona Sul e de seus arredores tinham acesso a itens como saneamento, lazer e garantia de liberdades individuais, enquanto moradores da fronteira da capital com São João de Meriti convivem com um meio ambiente de baixa qualidade e falta de acesso à informação e comunicação. Para entender como esses fatores influenciam nas escolhas dos eleitores de cada um dos pólos, O DIA cruzou os dados levantados pela Prefeitura do Rio com os resultados da última eleição, analisando os boletins de urna da 4ª Zona Eleitoral (Botafogo, Flamengo, Humaitá e Urca) e das 167ª, 22ª e 219ª, no outro lado da cidade.

Aos pés do Cristo Redentor, o preferido para o governo foi Eduardo Paes (PSD), à esquerda do vitorioso Wilson Witzel no espectro político. A orientação ideológica se repetiu no mais votado para o Senado, o também derrotado Chico Alencar (PSOL). E, na mesma tônica, Renata Souza (PSOL) e Luiz Paulo (PSD) receberam o maior número de votos para a Alerj, enquanto Marcelo Freixo (PSB) e Alessandro Molon (PSB) tiveram a preferência para a Câmara dos Deputados.

Ao somar os resultados da 167ª, 22ª e da 219ª Zona Eleitoral, o retrato é diferente: os mais votados para o governo e o Senado foram aqueles que de fato se elegeram, Witzel e Flávio Bolsonaro (PL). Os moradores também contribuíram para que Arolde de Oliveira (PL) chegasse à segunda cadeira da Câmara Alta. Os dois deputados federais com mais votos em todo o estado foram também os mais bem colocados por lá: Hélio Lopes (PL) e Marcelo Freixo. Já as escolhas estaduais refletem uma opção por candidatos com forte identificação com o local: Val Ceasa (Patri) e Sérgio Fernandes (PSD).

De acordo com o sociólogo Fábio Gomes, diretor-presidente do Instituto Informa, essa divisão entre direita e esquerda é bem clara entre os bairros da Zona Sul e das demais regiões. O sociólogo acredita que existe uma corrente crescente da direita nos locais com índices de desenvolvimento mais baixos. Esse movimento, assim como na Zona Sul, está ligado ao conservadorismo. “Você tem dois conservadorismo em jogo aí. Quanto maior a renda na Zona Sul, maior o conservadorismo econômico e das condições das posições das famílias mais tradicionais, da economia que deve permanecer como está. Quando você vai para o cara de grana das outras regiões da cidade, o conservadorismo do voto da direita entra mais no campo dos valores morais”, afirma.

Morador do bairro de Botafogo, o psicólogo clínico Roque Hudson Pena, de 66 anos, conta que tem acompanhado a campanha eleitoral deste ano com menor intensidade que nos anos anteriores. E os motivos são os mesmos de milhares de brasileiros. “Todos os candidatos estão permeados por desconfiança e rejeição, o que é lamentável”, comenta o psicólogo. Na família de Roque, o debate é polarizado, com o que chamou de “defesa irracional” de um e de outro candidato.

Ao contrário de eleições passadas, ele não tem visto pelo bairro manifestações de políticos e candidatos. Mas, em sua opinião, essa não é a maior diferença dessas eleições para as demais. “A principal é a emissão de mentiras que, por sinal, têm revelado o caráter dos candidatos”, avalia Roque. Eleitor do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho Flávio Bolsonaro para o Senado, ele agora se diz arrependido pelas escolhas feitas. “Em 2018, considerei a corrupção como principal fator de escolha para o meu voto, que foi pela saída do PT. Este ano, considero a corrupção, a incompetência e desonestidade, e voto para a saída de Bolsonaro”, revela.

O arquiteto e urbanista Camilo Junior, 25 anos, também não tem visto movimentação de candidatos pelo bairro, apenas de apoiadores. Mas também faz questão de destacar a diferença que tem percebido este ano para as eleições anteriores. “Me parece que, esse ano, a população tem levado mais a sério a necessidade de se informar e votar em candidatos que de fato nos representem com seriedade, bem como a importância da validação de conteúdo compartilhado pela internet”, comemora o arquiteto.
O arquiteto e urbanista Camilo Junior, 25 anos, também não tem visto movimentação de candidatos pelo bairro, apenas de apoiadores.  - Divulgação
O arquiteto e urbanista Camilo Junior, 25 anos, também não tem visto movimentação de candidatos pelo bairro, apenas de apoiadores. Divulgação



No mesmo bairro, o empresário Jan Moura Athayde, 53 anos, vê com bastante distinção as duas últimas eleições. “Em 2018, houve uma surpresa com a subida da direita, quando o povo votou dizendo o que não queria mais. Hoje a tônica é a reação de todo o mecanismo afetado, tentando com unhas e dentes retornar a qualquer custo”, analisa o empresário. Diferentemente das eleições de 2018, em que Jan votou se baseando em questões como proposta de governo, distanciamento e antagonismo a condição anterior, para este ano, suas prioridades são outras. “Proposta, legalidade, economia, realizações, fatos e atitudes”, esclarece Jan Athayde.

A pouco mais de 30km da Zona Sul do Rio, o agente comunitário de saúde Anderson Ramos, morador da comunidade Lagartixa, no Complexo da Pedreira, está atento ao horário eleitoral na televisão. É pela tela que ele acompanha as promessas dos candidatos à Presidência e ao Governo do Rio e, pelas ruas de Costa Barros, o rapaz de 34 anos vê a movimentação dos postulantes para os cargos de deputado estadual e federal. Ao ser questionado quais são os critérios que ele utiliza para decidir o voto, Anderson diz que sua escolha se dá pela “vivência na comunidade” e pela situação em que se encontra o país e o Rio de Janeiro.
Sobre os candidatos majoritários, Anderson é enfático em dizer que é ótimo existir a possibilidade de tirar o atual presidente da República que, segundo ele, nem deveria ter assumido o cargo. Para o agente comunitário, Lula (PT) é um forte concorrente e ele tem notado que os moradores de Costa Barros também têm preferência pelo postulante petista. Isso se dá pelas condições em que vive a comunidade e às questões assistenciais “que são maiores por parte do Lula”, diz.
Anderson Ramos, morador da comunidade Lagartixa, no Complexo da Pedreira, está atento ao horário eleitoral na televisão.Divulgação

Já para chefe do Executivo fluminense, ele não acha que Cláudio Castro tenha tido uma atuação ativa como governador, dizendo ter preferência pelo opositor Marcelo Freixo (PSB). Em 2018, Anderson acredita que tenha votado em Haddad para presidente. “Na época a gente não podia votar no Lula”, lembra. O petista foi considerado inelegível pelo TSE por conta de sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Para os outros cargos, Anderson diz não se recordar para quem foi o seu voto.

Ao contrário do pensamento de Anderson, a agente comunitária de Saúde, e também moradora de Costa Barros, Márcia Fernandes tem acompanhado muito pouco a movimentação típica desta época de campanha eleitoral. Quando está em casa com a família, ela prefere não assistir ao horário político, pois acha que é a mesma coisa toda eleição: “candidatos com propostas que a gente sabe que são inviáveis, sem nenhum preparo, sem nenhuma condição de exercer um mandato de tal responsabilidade”, afirma.

A agente comunitária de 42 anos já fez suas escolhas e declara que serão as mesmas das eleições passadas. Ela completa dizendo que também votará em novos postulantes: “são pessoas que conheço pessoalmente, conheço as ideias e tenho familiaridade com elas. Nós temos um candidato aqui do bairro onde eu moro”.
Seu critério é por aqueles que compartilham das mesmas ideias, ou pelo menos parte delas: “Não concordar com todas as propostas, mas diante dos candidatos que se apresentam nesta eleição é quase como escolher o menos pior.” E declara que para presidente votará em Jair Messias Bolsonaro (PL), e para governador do Rio em Cláudio Castro (PL).

A posição política dos postulantes também é um critério para Márcia. Ser de “direita” ou de “esquerda” interfere na escolha: “É sobre ideias e pensamentos. Pra mim também são questões religiosas. Diante do cenário que se apresenta, com relação ao extremismo que não parte só dos eleitores, parte também dos candidatos. Acho que tem conservadorismo ao extremo e também liberdade extrema do outro lado. Nenhum extremo é bom, mas se é para escolher um lado, eu voto nos candidatos de direita por conta disso", declara.
A recepcionista e empreendedora Bianca Medeiros, de 29 anos, confessa que está alheia à campanha eleitoral este ano e que ainda está decidindo em quem votar. A moradora da Pavuna diz que já tem “alguns candidatos certos” e que levará em consideração a eleição anterior e o que foi feito pelo bairro onde mora.
Bianca Medeiros, de 29 anos, confessa que está alheia à campanha eleitoral este ano e que ainda está decidindo em quem votar. Divulgação
Na hora de decidir o voto, Bianca não tem preferência por candidatos de direita ou de esquerda e faz uma comparação entre Lula e Bolsonaro: “na época do Lula algumas coisas nos beneficiaram bastante e agora no governo Bolsonaro tem algumas coisas que eu concordei”, reflete. Nas eleições de 2020 ela lembra que votou para vereador em um candidato da Pavuna. Bianca não vê nenhuma diferença entre as eleições de 2018 para as deste ano: “é a mesma coisa de sempre, sabe? Eles prometem muito e fazem pouco. E chega na época de eleição querem fazer tudo o que não fizeram, ou tentam fazer alguma coisa para poder agradar e ganhar o voto”, afirma a recepcionista.
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