Publicado 07/09/2022 01:00
O 7 de Setembro chegou trazendo esperança para muitos e receio para grande parte da população brasileira. Se, por um lado, a parcela de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) planeja levar para as ruas o apoio ao chefe do Executivo e o repúdio a instituições como o Tribunal Superior Eleitoral, Supremo Tribunal Federal e aos adversários políticos de Bolsonaro, por outro, o resto da nação teme por movimentos radicais que possam causar danos à democracia.
No Rio de Janeiro, a comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil acontecerá na Praia de Copacabana, com a presença de Bolsonaro, acompanhado de ministros e demais apoiadores. O presidente desembarca no aeroporto Santos Dumont por volta do meio-dia e segue direto para o monumento em homenagem aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo. Após uma rápida cerimônia, o candidato à reeleição retorna à base aérea do Santos Dumont, de onde seguirá de helicóptero para o Forte de Copacabana.
Diferentemente de anos anteriores, em que a data foi comemorada com uma Parada Militar na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, o evento deste ano vem enfrentando críticas, principalmente de moradores de Copacabana, que temem possíveis cenários de vandalismo e transtorno da ordem pública no bairro.
Para o analista sênior da Control Risks, Mario Braga, não há motivos para preocupações. Com experiência em avaliar cenários políticos no país, Braga aposta em manifestações pacíficas.
“Grupos pró-Bolsonaro tendem a ter como alvos preferenciais de ataques retóricos, principalmente, instituições democráticas, como o Judiciário e a mídia. Ativos do setor privado não devem ser alvo preferencial de depredação por parte destes manifestantes”, observa o analista. Ele acredita que a presença das forças de segurança deva coibir confrontos entre grupos distintos ou a escalada de manifestações para atos violentos.
Já o coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-Uff), Daniel Hirata, não enxerga a situação com o mesmo otimismo. Para ele, os atos do 7 de Setembro perderam o seu real sentido, o que, em sua opinião, pode causar vários efeitos nocivos à democracia.
“O presidente acabou transformando um dia de comemoração cívica em uma manifestação de apoio a ele mesmo, ao seu governo, à sua candidatura. Acho que isso tem vários efeitos ruins, sobretudo quando a gente percebe que parte dessa instrumentalização do 7 de Setembro também está sendo incitado pelo presidente na participação de militares e policiais, que não deveriam, não poderiam tomar parte nesse momento”, alerta o coordenador. “O que se espera é que as forças de segurança atuem efetivamente no seu papel que diz respeito a essas manifestações, que é pura e simplesmente acompanhá-las, e não tomar parte delas”, completa.
Autora do livro “Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-right e o populismo i-liberal no Brasil”, a pesquisadora Michele Prado enxerga essa “personificação do Estado” como uma característica presente em quase todos os líderes da extrema direita.
“Eles tentam personificar o Estado, a nação e suas datas comemorativas mais relevantes, em si mesmos, assim como também tem sido frequente o supremacismo religioso, o nacionalismo cristão, a ideia de que o país e a religião cristã são intrínsecos e que a religião é pilar na formação da identidade do povo”, aponta a especialista. Ela conta que esse movimento também é verificado nos Estados Unidos, com o ex-presidente americano Donald Trump, e na Hungria, com o primeiro-ministro, Viktor Orbán.
Risco à democracia
Segundo Hirata, fica difícil prever o resultado das manifestações desta quarta-feira, 7, “dado o clima que se criou e o nível de instrumentalização política das instituições de Estado”. Para ele, o momento pode, sim, representar um risco à democracia.
“O risco está posto, porque há, por parte do presidente, declarações bastante claras a respeito desse fato. Não tem como dizer que não há risco, não há como não levar a sério quando você tem o presidente falando dessa maneira”, alerta o professor.
Ele ainda vai além, ao pontuar que o risco à democracia não acontece apenas em atos políticos, mas no dia a dia, quando, por exemplo, as forças policiais não atuam em conformidade com as suas atribuições. “A letalidade, a brutalidade, a violência policial que acontece em operações policiais são sempre um risco à democracia, porque, na medida em que você tem instituições de uso da força, instituições que têm como atribuição, como mandato policial, o da uso da força, atuando por fora dos limites estritamente legais, dos protocolos que são definidos na sua atuação, etc, tudo isso são desrespeitos à democracia, e esse desrespeito acontece cotidianamente no Rio de Janeiro”, destaca.
Radicalização em massa
Alertando para o que chamou de “um processo de radicalização em massa”, Michele Prado vê uma grande chance de que os atos sejam marcados por episódios de extremismo violento.
“Estamos num processo de radicalização em massa durante um longo período de tempo – mais de uma década – e que nos últimos quatro anos escalou ainda mais a partir da retórica do presidente da República que investe no chamado ‘terrorismo estocástico’, quando figuras públicas proferem discursos que possam levar à violência no âmbito físico, mas sem afirmarem expressamente, não pedem abertamente pela violência, mas incentivam uma visão de mundo conspiratória e apocalíptica, mobilizam a desconfiança nas instituições e suas retóricas são ambíguas sob medida para que indivíduos já radicalizados entendam como um chamado à ação contra inimigos autopercebidos”, destaca a pesquisadora.
Ela cita, como exemplo, um episódio que envolveu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que “convocou” pessoas que haviam comprado armas recentemente para se tornarem voluntários do atual presidente. “Uma espécie de chamado para a criação de milícias políticas, paramilitares de extrema direita, aos molde daquelas que nos EUA somam algumas dezenas, como Proud Boys, 3% e Oath Keppers”, afirma Michele.
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