Diversidade da população não está refletida nas urnasMarcelo Camargo/Agência Brasil
Publicado 01/10/2024 06:00
Rio - A maior parte do eleitorado brasileiro, considerando-se gênero e raça, ainda está longe de se ver refletida no campo político. Dois levantamentos que pesquisaram as eleições municipais deste ano demonstram pouco avanço na diversidade de candidatos a prefeituras de todo o país.

O levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio verificou que candidaturas pretas e pardas à prefeitura representam, respectivamente, 4,4% e 32,8% do total registrado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mulheres pretas são apenas 1% e pardas, 4,7%, revela o estudo. Menos de um quinto dos registros de candidaturas à prefeitura são de mulheres.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) também realizou um levantamento nesse sentido e apurou que em todas as regiões do país há sub-representação dos negros na política. A maior disparidade ocorre nos municípios do Sul. "O estudo elaborado pela CNM mostra que ao menos um candidato branco está presente em 84% das disputas, enquanto para os candidatos negros esse percentual cai para 58% das disputas, reforçando que o retrato da sociedade é diferente entre a população e os candidatos que pleiteiam a chefia do executivo municipal", explica o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski.
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No Estado do Rio, 74% dos candidatos são brancos. A porcentagem supera em mais de 30 pontos a parcela branca da população fluminense, que está em 42%, segundo o Censo 2022. Já os negros são 26% dos candidatos e 58% da população fluminense, ressalta a CNM.

Uma correlação chamou a atenção das pesquisadoras da FGV: a maior escolaridade das mulheres em relação aos homens. Os dados obtidos do TSE apontam que 79% delas têm ensino superior completo, enquanto apenas 55% dos homens são formados na universidade. Já nos cargos de vice-prefeitura, são 65,6% dos registros de mulheres com ensino superior completo e apenas 40,7% entre os homens.
A pesquisadora e professora da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi, avalia que a escolaridade mais alta das mulheres tem diversas causas.
"É reflexo dos dados demográficos da sociedade brasileira - mulheres são geralmente mais escolarizadas do que homens. Mas também pode ser um indicativo de que para disputar cargos de relevância, mulheres precisam ter mais qualificações do que homens. E, mesmo com maior qualificação, elas continuam sub-representadas, reflexo de uma cultura patriarcal que ainda assim as vê como menos competentes", analisa a autora. 

O Nordeste é a região que teve mais registros de candidaturas de mulheres à prefeitura e o segundo com mais registros de candidaturas à vice-prefeitura, atrás apenas da região Norte. O Nordeste também possui mais registros de candidaturas de mulheres com ensino superior completo, 36%, seguido da região Sudeste com 28,4%.

Já na região Sul, o estudo da FGV Direito Rio encontrou o maior abismo entre o número de candidaturas registradas de homens e de mulheres: enquanto eles abrangem 87,4% do total de candidaturas da região, elas correspondem a 12,6%.
A pesquisadora da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi, complementa que no Rio de Janeiro, os dados seguem uma tendência similar ao que foi observado em nível nacional: a participação feminina nas eleições municipais, tanto para prefeita quanto para vice-prefeita, permanece baixa. No entanto, Yasmin afirma que há um movimento crescente de candidaturas femininas, negras e periféricas no estado, especialmente em partidos de esquerda.
"O cenário no Rio é marcado por uma elite política masculina que tem historicamente dominado a política local. A presença de mulheres em cargos de chefia do Executivo é ainda menor, e as candidaturas femininas enfrentam desafios como a violência política, que tende a ser ainda mais acentuada para mulheres periféricas", pontua Yasmin Curzi.
Para o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, essa diferença entre a identificação da população e a ocupação dos cargos eletivos é um obstáculo para a diversidade e a pluralidade na política. "O perfil dos candidatos por raça mostra uma generalizada sub-representatividade do eleitorado negro nas disputas municipais. Existe uma sub-representação da população negra em 24 dos 26 estados do país, o que significa que a proporção da população declarada negra é sempre superior à fração de candidatos a prefeito que se declararam negros. Infelizmente, esse cenário é um obstáculo para a diversidade e a pluralidade na política", afirma.
A declaração de raça começou a ser preenchida formalmente no TSE nas eleições de 2016. Por isso, é possível avaliar a evolução recente nas últimas três eleições municipais (2016, 2020 e 2024). Pouca mudança ocorreu entre 2020 e 2024, em ambos os anos, apenas 35,9% dos candidatos a prefeito se declararam negros, aferiu a confederação.

Somente nos estados do Acre e do Amapá a CNM identificou uma sub-representação dos candidatos brancos nessas eleições. São 19% de candidatos brancos contra 21% de população branca no Acre e 20% de candidatos contra 21% de brancos no Amapá. As regiões Norte e Nordeste são as que apresentam as maiores similaridades do país.

A Confederação Nacional de Municípios identificou ainda que, em média, os candidatos negros são mais jovens (49 anos contra a média de 50 anos). Os brancos apresentaram os maiores percentuais de casamento, escolaridade e o maior percentual de candidatos a reeleição. Entre brancos e negros, a CNM registrou que não há diferenças relevantes na participação feminina (15,7% entre brancos e 15,3% entre negros).
Onde estão as mulheres
Ao analisar a distribuição das candidaturas por gênero, a FGV Direito Rio constatou que as mulheres estão mais presentes nas candidaturas para vice-prefeitura (23,15% dos registros) do que para o cargo de prefeita (15%).
"Além disso, as mulheres estão mais concentradas em partidos de esquerda, onde há maior número de candidatas em comparação com o espectro de direita. No entanto, apesar de a participação feminina ser mais expressiva na esquerda, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos de chefia do Executivo", acrescenta Yasmin Curzi.
Para reverter esse quadro e aumentar a participação feminina no campo político, a pesquisadora da FGV defende que sejam implementadas formas mais eficazes de cotas de gênero e que a política seja um espaço menos hostil para as mulheres. "A violência política de gênero (dentro e fora dos partidos) impede que mulheres se candidatem ou permaneçam na política", explica a professora.

Ocupação dos candidatos

Tanto a FGV quanto a CNM analisaram as ocupações dos candidatos. A FGV constatou que entre as mulheres candidatas à prefeitura e vice-prefeitura, destacam-se as professoras (653 registros), seguidas por outras ocupações (576) e empresárias (547). Entre os homens, "empresário" é a ocupação mais comum, com 6.189 registros, seguida por "agricultores" (3.486).

A CNM destacou que a ocupação mais frequente dos candidatos é empresário tanto para brancos (17%), quanto para negros (15%).

A Confederação ressaltou que as carreiras mais frequentes entre os candidatos brancos estão relacionadas à iniciativa privada. São aposentados, produtores agropecuários e administradores, enquanto que entre os candidatos negros os cargos mais frequentes são relativos aos cargos eleitos e ao próprio funcionalismo público: servidores municipais e estaduais, professores, enfermeiros e policiais.
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