Celebração do Dia de Iemanjá na praia do Arpoador, Zona Sul do Rio de JaneiroRenan Areias/Agência O Dia
Publicado 08/10/2024 17:10
Rio - O Brasil viu crescer nestas eleições municipais o número de candidaturas que representam religiões de matriz africana. Esse fenômeno foi captado por um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) que verificou 284 pessoas associadas a religiões afro no pleito. Em 2020, eram apenas 63. O Estado do Rio de Janeiro está entre os mais participativos. É o quarto, ficando atrás da Bahia, que teve 50 candidaturas, de São Paulo, com 48, e do Rio Grande do Sul, com 45.
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Foram 41 candidaturas afro-religiosas no Rio, o correspondente a 10% dos 395 políticos do estado que se associaram a alguma religião no pleito. A maioria é de evangélicos (88%) e os candidatos que se identificam como católicos representaram 1% na disputa. Além da capital, Niterói, Duque de Caxias e São João de Meriti tiveram postulantes de terreiro.
No entanto, apenas dois representantes foram eleitos no estado. São eles, os vereadores Átila A. Nunes (PSD), na capital, e Benny Briolly (PSOL), em Niterói.
O vereador reeleito Átila A. Nunes explica que a pauta da liberdade religiosa atravessa por gerações a sua família. "Começou com o meu avô Átila Nunes, em uma época em que a polícia perseguia os terreiros, na década de 60", contextualiza. O pai do vereador, deputado Átila Nunes, também atua neste tema na Assembleia Legislativa do Rio.
Átila conta que seu mandato atua em três eixos: proteção, políticas afirmativas e relação com lideranças religiosas. Ele adianta duas medidas que pretende tirar do papel em 2025. Uma delas, no campo da prevenção, é a Patrulha Protetores da Fé, a ser executada pela Guarda Municipal. O projeto foi recentemente aprovado na Câmara Municipal do Rio, inspirado na Patrulha Maria da Penha.
"Essa política envolve a capacitação da Guarda para um patrulhamento preventivo e de suporte aos terreiros. Queremos mostrar que a liberdade religiosa é um compromisso", conta.
A exemplo do evento "Marcha para Jesus", Átila A. Nunes pretende realizar no ano que vem o "Grande encontro com Oxalá", na cidade do Rio. "A gente quer mostrar a nossa força, os valores que praticamos, a fraternidade e a caridade. A demonstração desse orgulho se faz necessária para que a gente saia da invisibilidade. O meu sonho seria que esse encontro fosse na Apoteose, na data 15 de novembro, dia da Umbanda, por ser também um feriado, mas é uma celebração para todas as religiões afrobrasileiras e esses detalhes terão que ser analisados", adianta o parlamentar.  
A pesquisadora do grupo Ginga-UFF Ana Paula Miranda, responsável pelo estudo, identificou que entre as candidaturas de terreiro, a mais votada do Brasil foi a vereadora Luana Alves (PSOL), eleita com 83.262 votos em São Paulo. A vereadora contou com o apoio do movimento social Emancipa Axé. Um prefeito também foi eleito na Bahia, o Miltinho do Axé (PSD), no município de Coaraci. Os partidos que mais elegeram candidatos de religiões afrobrasileiras no Brasil foram PSD, PSOL, PV, PCdoB e PT, revelou a pesquisadora.
O perfil dos candidatos vinculados a religiões afrobrasileiras divergem do padrão político brasileiro. A professora destaca que mais de 60% são mulheres e pessoas negras. As características são inversas ao panorama geral do país, em que a maioria esmagadora dos candidatos são homens e brancos. "Há uma inversão significativa", avalia.
Para a pesquisadora da UFF, o aumento das candidaturas de matriz africana reflete o aumento da violência contra esses grupos. Mesmo com poucos eleitos no Estado do Rio, a professora avalia que há uma conquista simbólica.
"A política passa por mudanças que não são só quantitativas. Pelo contrário, é uma resistência que demonstra que certos comportamentos não serão mais tolerados. Religião e política sempre estiveram misturadas no Brasil. Primeiro pela religião católica. Depois, lideranças evangélicas assumem explicitamente a intenção de atuar na política. Os terreiros nunca tiveram esse projeto, até mais recentemente, quando passam a entrar na vida pública contra a perseguição que sofrem", analisa.
A maior parte do grupo estudado se tornou suplente nas eleições de 2024. No Rio de Janeiro, representaram 53% do grupo, e em nível nacional, quase 55%. Os eleitos no Rio foram quase 5%, no Brasil, 3,5%. Os demais 41,5% não conseguiram nem a suplência nem a eleição no estado, no Brasil 39% ficaram nessa situação.
Para realizar a pesquisa, o grupo Ginga-UFF analisou candidatos que ligassem sua candidatura à religião por meio do nome utilizado nas urnas, das imagens, além de manifestações nas redes sociais.
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