A fita roxa simboliza a campanha de luta contra a hanseníaseFreepik - Creative Commons
Publicado 31/01/2022 10:42
Guapimirim – No último domingo de janeiro são celebrados o Dia Mundial contra a Hanseníase e o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase. Em 2022, essa data foi ontem (30/1). E todo este mês é dedicado ao Janeiro Roxo, campanha de conscientização e de prevenção contra essa enfermidade. Para falar do tema, O Dia decidiu fazer uma matéria especial sobre o assunto para contar aos leitores residentes em Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde buscar tratamento.
O que é a hanseníase?
A hanseníase é uma doença de pele endêmica, infecciosa, contagiosa, provocada por uma bactéria chamada ‘Mycobacterium leprae’, ou bacilo de Hansen. É uma das enfermidades mais antigas da humanidade. No passado era chamada de ‘lepra’, mas o termo hoje está em desuso.
O nome hanseníase é uma homenagem ao médico e bacteriologista norueguês Gerhard Hansen, que descobriu a doença em 1873.
Doença endêmica é a que passa a ser comum em determinadas regiões ou países, com registros anuais, como a gripe, a dengue, a febre amarela, entre outras.
A hanseníase está na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) entre as mais de 20 Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN). O Brasil é o segundo país com mais portadores dessa enfermidade, atrás somente da Índia. Por ano são registrados mais de 30 mil casos da doença na nação sul-americana tanto em adultos quanto em crianças.
Em 2018, 127 países registraram casos de hanseníase, sendo que 80% se concentravam na Índia, no Brasil e na Indonésia. Nesse mesmo ano, houve notificações de mais de 30 mil casos em 24 países das Américas, tais como: Argentina, Colômbia, Cuba, México, Paraguai, República Dominicana e Venezuela.
A transmissão de hanseníase ocorre por meio de contato próximo e frequente com um portador não tratado, segundo o Ministério da Saúde. A transmissão se dá através de gotículas que saem do nariz ou da saliva do portador, podendo afetar a pele, os olhos, as mucosas e o sistema respiratório. A evolução da doença vai depender do sistema imunológico da pessoa infectada e da manifestação dos sintomas.
Sintomas e tratamento
A ‘Mycobacterium leprae’ ataca o sistema nervoso, provocando perda de sensibilidade na pele, perda de força muscular, deformações nos membros, feridas na pele e sensação de formigamento. De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), os sintomas são:
* Manchas (esbranquiçadas, amarronzadas e avermelhadas) na pele com mudanças na sensibilidade dolorosa, térmica e tátil.
* Sensação de fisgada, choque, dormência e formigamento ao longo dos nervos dos membros.
* Perda de pelos em algumas áreas e redução da transpiração.
* Inchaço e dor nas mãos, pés e articulações.
* Dor e espessamento nos nervos periféricos.
* Redução da força muscular, sobretudo nas mãos e pés.
* Caroços no corpo.
* Pele seca.
* Olhos ressecados.
* Feridas, sangramento e ressecamento no nariz.
* Febre e mal-estar geral.
Antes de continuar, é preciso tomar cuidado para não confundir hanseníase com neurofibromatose. Esta última também é uma doença que afeta o sistema nervoso e provoca caroços e deformações no corpo, mas não é contagiosa. No estado do Rio de Janeiro, os portadores desta enfermidade são considerados pessoas com deficiência, podendo usufruir de direitos inclusos aos demais deficientes, tais como gratuidade no transporte público, filas de bancos e supermercados etc.
Existem dois fatores que podem prejudicar o tratamento contra a hanseníase: um deles é o preconceito acerca dos portadores; o outro é o tempo para detectar a doença. Em certos casos, os sintomas podem aparecer em até nove meses, em outros podem levar até 20 anos. O tempo médio de incubação do bacilo é de cinco anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
É extremamente importante saber que a hanseníase tem cura. O tratamento é árduo e dura de seis meses a um ano, em média, por meio de uma poliquimioterapia única, que consiste no uso conjunto de três antibióticos: rifampicina, dapsona e clofazimina.
A combinação desses três medicamentos tem por objetivo reduzir a resistência da bactéria. Após o fim do tratamento, o paciente não transmite mais a doença.
As medicações são doadas por empresas farmacêuticas à OMS. Esta as repassa gratuitamente a vários países, incluindo o Brasil, que disponibiliza o tratamento via Sistema Único de Saúde (SUS).
Onde buscar tratamento
Em Guapimirim, é possível buscar atendimento em qualquer unidade de saúde. O exame é feito por um dermatologista, que poderá fazer teste de sensibilidade de pele e de força muscular.
Se houver suspeita da doença, o paciente será encaminhado ao Serviço de Assistência Especializada (SAE), na Rua Ita nº 149, no Centro. Trata-se de um serviço ambulatorial que presta atendimento a pessoas com hanseníase, hepatites virais e HIV/Aids, entre outras enfermidades.
Caso se confirme a doença, o paciente receberá mensalmente o coquetel de medicamentos para tratar da hanseníase.
É importante que os familiares que vivem na mesma residência que o portador também façam o exame, tendo em vista que se trata de uma infecção que depende de contato contínuo.
A Baixada Fluminense, como um todo, tem elevados registros de hanseníase, principalmente nos municípios de Guapimirim e de Magé. Na capital carioca, os maiores casos estariam em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste. De acordo com o coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, ao O Dia, tais regiões registram altos índices de pobreza, baixa qualidade de vida e as populações enfrentam inúmeras situações de vulnerabilidade social, entre eles a falta de acesso a saneamento básico, por exemplo. Ele não soube precisar o quantitativo de casos nessas localidades.
Campanhas contra a doença
O Janeiro Roxo consiste numa campanha de conscientização e de combate à hanseníase promovida numa parceria entre o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A ação tem por intuito combater os estigmas e preconceitos em relação aos portadores e seus familiares. Mais do que uma questão de saúde pública, é uma questão de direitos humanos.
O mês dedicado à campanha coincide com as celebrações do Dia Mundial contra a Hanseníase e o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, estes dois no último domingo de janeiro. O evento nacional foi instituído por meio da Lei nº 12.135/2009.
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.172/2021, que propõe alterar o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase para o dia 7 de maio. A sugestão da nova data é do Morhan – entidade que atua em defesa dos portadores da doença e seus familiares, com sede no Rio de Janeiro e atuação em todo o território nacional – com base no Decreto º 968, de 7 de maio de 1962, que revogou o modelo de internação compulsória a pacientes com hanseníase. Ademais, o mês de janeiro é considerado ruim para fazer campanhas de conscientização, por conta de questões logísticas, de planejamento e também da falta de recursos orçamentários por parte do poder público.
Embora o mês de janeiro seja dedicado à campanha, a luta contra a hanseníase acontece o ano inteiro.
Atualidades
No século 20, a hanseníase provocou a perda de direitos civis e políticos no Brasil, com a separação de pais e filhos e remoções forçadas para hospitais-colônias. Até hoje, os portadores e seus descendentes lutam na Justiça por reparação.
O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) reivindica judicialmente que a separação forçada de familiares afetados seja considerada um crime contra a humanidade.
O Morhan logrou na Justiça que os pacientes beneficiados pela Lei nº 11.520/2007 recebessem o auxílio emergencial disponibilizado pela União entre 2020 e 2021. A nova batalha jurídica é para que o governo federal forneça a lista dos beneficiários. No último dia 4 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.289/2022, que estabelece o sigilo das pessoas com hanseníase, HIV e hepatites virais. A recente legislação dificulta saber quantos teriam direito ao auxílio concedido nessa pandemia de coronavírus (Sars-CoV-2).
A Lei nº 11.520/2007 estabelece uma pensão vitalícia às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a internações compulsórias em hospitais-colônias até o ano de 1986. Portanto, esta legislação não favorece a qualquer portador, somente os que se enquadram nela.
Em janeiro deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro proibiu o presidente da República de usar os termos ‘lepra’ e ‘leproso para se referir à hanseníase e/ou ao enfermo. A decisão atende uma ação protocolizada pelo Morhan, que e é assessorado juridicamente pelo advogado Carlos Nicodemos, especialista em direitos humanos. Em dezembro de 2021, o mandatário violou a Lei nº 9.010/1995 – que proíbe o uso de tais expressões por parte da União e dos Estados – durante um evento em Santa Catarina.
Em 2020, logo no início da pandemia de coronavírus (Covid-19) no Brasil, o Morhan denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) que o governo federal tinha deixado de fornecer medicamentos aos portadores de hanseníase. O assunto levou meses para ser resolvido, com isso comprometendo o tratamento dos pacientes, com possíveis sequelas, e possibilitando a disseminação da doença.
Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o país registrou 27.864 novos casos de hanseníase, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. Em 2020, foram 17.979 novos casos e em 2021 foram 15.155. Em 2020, foram 35% de registros a menos em relação a 2019.
Para o Morhan, não há o que comemorar. Pois, apesar de os dados serem reais, a redução nos números de novos casos não se deve ao combate efetivo à doença, mas à falta de políticas públicas na atual gestão e também devido às dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19, com subnotificações, o que reforça que não se trata de uma doença negligenciada, e sim de ‘pessoas negligenciadas’.
“Significa que, por conta da paralisação de políticas públicas de busca ativa de casos e das dificuldades de acesso aos serviços de saúde impostas pela pandemia e pela gestão da pandemia no Brasil, novos casos deixaram de ser registrados e, assim, pessoas que deveriam estar em tratamento ainda não contaram sequer com o diagnóstico”, criticou o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio.
No último dia 25 de janeiro, o Ministério da Saúde anunciou a implementação de três novos testes para diagnosticar a doença, inclusive um teste rápido, além do Telehans, um serviço de atendimento remoto para auxiliar na detecção da enfermidade.
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