Publicado 16/08/2022 15:39
Buenos Aires- Vai faltar café? E o salame para a "picada"? Em meio à crise cambial por conta da escassez de dólares, com forte redução das reservas internacionais e crescentes dificuldades de importação, os argentinos se perguntam se seus hábitos diários estão em risco. Para não decepcionar nenhum de seus clientes, o importador que vende café especial a Agustina Román para sua cafeteria Tres, em Buenos Aires, desta vez trouxe apenas cinco sacas em vez das dez habituais.
"Acho que não vamos chegar a desabastecimento, mas teremos que ter mais cuidado com a matéria-prima para que todos os negócios possam ser abastecidos", refletiu Román, alertando que a crise das importações na Argentina acontece em pleno inverno, quando a demanda por café aumenta entre 20% e 30%.
A Argentina não produz café, apenas importa. As cafeterias de Buenos Aires são uma instituição e parte da identidade da cidade. Existe até uma lista de "cafés notáveis".
É por isso que este produto ilustra uma situação que se estende a outras mercadorias. O salame, ingrediente essencial da tradicional picada que se partilha nas reuniões de família ou entre amigos, é, por outro lado, um produto nacional.
Mas para fazê-lo, são necessários até 25 componentes importados, entre tripas e conservantes, segundo a Câmara dos Chacinados, que alertou sobre a diminuição do estoque desses produtos.
E tudo conspira contra as importações na Argentina: os aumentos dos preços internacionais e dos custos de frete, e também a queda na disponibilidade de dólares no país. O governo mantém um controle rígido do câmbio diante da erosão de suas reservas internacionais.
Para Fernando Furci, gerente geral da Câmara de Importadores, o principal problema tem a ver com as distorções no mercado de câmbio.
"Na Argentina, há uma diferença de mais de 100% entre o câmbio oficial e o do mercado paralelo. Poderia ser compensado com mais exportações ou com outras medidas, mas não as temos", explicou.
As reservas brutas da Argentina rondam os US$ 37 bilhões, mas os analistas estimam que as reservas líquidas (após descontar um swap com a China e as reservas bancárias, entre outras) já estão em saldo negativo.
"Faltam dólares, sobram pesos, e isso leva à situação atual", destacou Furci.
Em junho, as importações da Argentina totalizaram US$ 8,5 bilhões, ante exportações de US$ 8,4 bilhões, o que gerou um saldo negativo na balança comercial de US$ 115 milhões.
Com a chegada antecipada do inverno, a compra de combustíveis e lubrificantes por US$ 1,9 bilhão, um aumento interanual de 118,9% em preços e 19,6% em volume, pesou especialmente nesse balanço, segundo o Instituto de Estatísticas (INDEC).
Como resultado, em meio a uma intensa crise política e econômica, as exigências para importação aumentaram e alguns prazos de pagamento das importações foram estendidos
As importações para a Argentina são feitas no câmbio oficial, por meio de cotas de moeda atribuídas pelo Banco Central às empresas, com base nas compras faturadas em anos anteriores.
O mecanismo não leva em consideração os volumes de mercadoria, portanto, esses valores atribuídos em dólares podem forçar uma redução nos volumes de compra se os preços forem mais altos.
Com esse mecanismo em vigor, no caso do café, com o aumento dos preços internacionais do grão, os importadores têm que reduzir seus volumes de compra, explicou Román.
A constante desvalorização da moeda e uma inflação excessiva, projetada em 90% para este ano, fizeram o preço do café subir muito. Em relação às importações em geral, as perspectivas também são incertas para as indústrias.
Furci conclui que "o problema não é apenas o dos produtos acabados, mas também o fator crítico que representa a incapacidade de ser suprido com a previsibilidade necessária de insumos e matérias-primas, bens de capital, peças de reposição, partes e peças para manter a máquina produtiva competitiva" no país.
Leia mais