Casal viaja pelo mundo antes que filhos percam a visão por conta de doença raraReprodução: redes sociais
Publicado 14/09/2022 12:08 | Atualizado 14/09/2022 12:56
Um casal canadense, Edith Lemay e Sebastien Pelletier, decidiu encarar uma aventura por amor à família: viajar pelo mundo com os seus quatro filhos antes que três deles, que têm uma doença genética rara, fiquem cegos. As crianças, de 12, 7 e 5 anos, foram diagnosticadas com retinite pigmentosa, uma condição hereditária e degenerativa, que geralmente começa a se manifestar na infância, levando gradativamente à perda da visão.

A busca por memórias visuais começou em março de 2022 e deve ter duração de um ano. O primeiro destino foi Namíbia, no sudoeste da África. Até agora, eles já visitaram países como Zâmbia, Tanzânia, Turquia e Mongólia, local onde ficaram por mais de 30 dias. De lá, partiram no em 31 de agosto rumo às praias da Indonésia.

A família, de Montreal compartilha a jornada por meio das redes sociais com mais de 49 mil seguidores pela conta “Le monde plein leurs yeux” (O mundo enche seus olhos, em tradução livre). No Instagram, o casal explica que os planos eram começar a viagem ainda em 2020, mas tiveram de adiá-los por conta da pandemia.
Enquanto esperavam o cenário epidemiológico melhorar, os pais levaram as crianças — Mia, Colin, Laurent e Leo — para conhecerem lugares próximos em atividades como acampamento e trilhas pelo Canadá. Em março, com o avanço da vacinação e a queda nos índices da Covid-19, os seis finalmente partiram para viajar pelo mundo.
Diagnóstico
Em entrevista a CNN, o casal conta que a filha mais velha, Mia, começou a apresentar problemas de visão aos três anos. Mais tarde, ela, que agora tem 12 anos, foi diagnosticada com a doença rara.
Na época, dois outros filhos do casa, Colin e Laurent, também se queixavam de sintomas semelhantes aos de Mia. Em 2019, foi confirmado que os irmãos, que agora tem 7 e 5 anos, também tinham o problema genético. O filho mais velho, Leo, de 9 anos, não foi diagnosticado com a condição.

Segundo a família, atualmente não há cura ou tratamento para retardar a progressão da doença e a deterioração da visão dos três filhos provavelmente acelerará na adolescência.

"Não há nada que você possa realmente fazer. Não sabemos o quão rápido isso vai acontecer, mas esperamos que eles fiquem completamente cegos na meia-idade", disse Edith na entrevista.

Eles também relatam que a filha mais velha, Mia, já compreende melhor o diagnóstico, mas para o mais novo, Laurent, eles ainda estão no processo de explicar a doença e suas consequências a longo prazo.
“Meu filho me perguntou: mamãe, o que significa ser cego? Vou dirigir um carro?' Ele tem cinco anos. Mas lentamente, ele está entendendo o que está acontecendo. Foi uma conversa normal para ele. Mas para mim, foi de partir o coração”, contou Edith.

Depois que os filhos receberam o diagnóstico, o casal buscou uma especialista, que os orientou estimular a absorção de "memórias visuais" nas crianças. Foi aí que tiveram a ideia de fazer isso viajando pelo mundo.

"Pensei: não vou mostrar a ela um elefante em um livro, vou levá-la para ver um elefante de verdade e vou encher a memória visual dela com as melhores e mais belas imagens que puder", explicou a mãe.

No plano inicial de viagem, o planejamento era uma passagem pela Rússia e pela China. Porém, com a necessidade de esperar um tempo devido à pandemia, eles mudaram de ideia. Com a partida oficialmente em março deste ano para a Namíbia, decidiram completar o itinerário a medida que viajavam.

“Estamos focando em pontos turísticos. Também estamos focando muito na fauna e na flora. Vimos animais incríveis na África, mas também na Turquia e em outros lugares. Então, estamos realmente tentando fazê-los ver coisas que não teriam visto em casa e ter as experiências mais incríveis, conta o pai.

Os registros compartilhados nas redes sociais, geralmente feitos pela mãe, mostram que até agora o plano está funcionando.

As fotos e vídeos mostram as crianças escalando a superfície de enormes rochas da Namíbia, brincando no mar em piscinas de água doce na Tanzânia, aproveitando as piscinas em camadas da encosta da montanha na Turquia e em Gobi dormiram sob um céu estrelado sem as luzes da cidade.
Retinite pigmentosa
A doença se traduz numa degeneração progressiva das estruturas dos fotorreceptores, ou seja, que recebem a luz, no olho. Com isso, elas deixam de receber a luminosidade e, consequentemente, de formar a imagem na retina. É um quadro raro, porém de caráter genético e hereditário.

Os sintomas geralmente começam na infância, levando ao comprometimento da visão durante o crescimento. Os primeiros sinais são a perda da visão periférica — nas laterais — e à noite.
Essa é umas mais raras no campo da oftalmologia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que no Brasil cerca de 50 mil pessoas sofrem com o problema. Como trata-se de uma doença hereditária, a OMS acredita que outros 3,6 milhões de brasileiros carregam o gene da doença, mas não vão manifestá-la. Em nível mundial, 1 a cada 4 mil pessoas são afetadas pelo problema.
Segundo o oftalmologista do Hospital de Olhos, Carlos Augusto Moreira Júnior, essa é uma doença que causa muita angústia, pois o paciente percebe a cada ano uma piora, e tem cada vez mais dificuldade para realizar suas tarefas habituais.

“Ele sofre uma perda progressiva do campo visual, e tem muita dificuldade para enxergar em ambientes pouco iluminados. À medida em que a doença progride, o campo visual vai diminuindo até ficar como se a pessoa enxergasse através de um tubo”, disse.
O médico ainda fala sobre o dia a dia das pessoas que possuem a doença. “O paciente tem dificuldade para caminhar, para se locomover, pois vai batendo nas coisas. Com a progressão maior, o centro da visão também é acometido, e a pessoa para de enxergar vultos, formas, ficando apenas com visão de luz, até que no último estágio, perde totalmente a visão de luz e fica cego”, explicou.

Não existe cura para a doença, mas tratamento com programas de reabilitação da visão ajudam a diminuir ou retardar os impactos. Os pais de Mia, Colin e Laurent seguem com a esperança de que eventualmente seja encontrada uma solução para o problema.
“Esperamos que a ciência encontre uma solução. Cruzamos os dedos para isso. Mas sabemos que isso pode não acontecer, por isso queremos garantir que nossos filhos estejam preparados para enfrentar esses desafios”, conta o pai.
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