Publicado 17/10/2022 21:14
Em Washington, Joe Biden advertiu que haverá consequências para a Arábia Saudita por reduzir sua produção de petróleo, mas, assim como seus antecessores que tiveram problemas com o reino, sua margem de manobra é limitada, na opinião de especialistas.
Biden se tornou alvo de críticas nos Estados Unidos quando viajou à Arábia Saudita em julho e cumprimentou com um "soquinho" o governante de fato, o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, apesar de ter prometido anteriormente tornar o reino um "pária" depois do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
Mas Riade renegou essa visita, motivada pelo petróleo, apesar das garantias de Washington de que havia "uma multiplicidade de interesses comuns".
Na semana passada, a Opep+, que reúne os 13 integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderados pela Arábia Saudita e outros 10 parceiros comandados pela Rússia, decidiu reduzir suas cotas de produção. A decisão, gerou receitas para Moscou, no momento em que realiza a ofensiva na Ucrânia, e elevou os preços nos Estados Unidos, antes das eleições intercalares, feitas dois anos após cada eleição presidencial e que são cruciais para Biden.
Em Washington, isso caiu como um soco no estômago. A administração Biden se mostrou propensa a represálias manejadas no Congresso, por legisladores democratas, que reivindicam o congelamento das vendas maciças de armas para Riade, um dos principais beneficiários da ajuda militar americana no mundo.
Além disso, há vozes dentro da oposição republicana que estariam dispostas a apoiar possíveis medidas contra a Opep+. No domingo (16), o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse que Biden não agirá "precipitadamente" ao reavaliar a relação com a Arábia Saudita. Também assinalou que o presidente americano "não tem planos de se reunir com o príncipe herdeiro" Mohamed bin Salman na cúpula do G20, que acontece no mês que vem na Indonésia.
Russell Lucas, especialista em Oriente Médio da Universidade Estadual de Michigan, afirma que os Estados Unidos poderiam pelo menos reduzir as vendas de armas aos sauditas, "que terão dificuldade para conseguir fornecimento em outra parte".
Dependência de petróleo
Em contrapartida, todas as tentativas anteriores dos Estados Unidos de se distanciar da Arábia Saudita - inclusive depois dos atentados de 11 de setembro de 2011, nos quais a maioria dos terroristas eram cidadãos sauditas - depararam-se com um obstáculo importante: o petróleo.
Apesar das ações recentes com o objetivo de frear a mudança climática, os Estados Unidos ainda estão a décadas de serem imunes aos aumentos dos preços do petróleo.
"Essa noção de que simplesmente aumentar a capacidade americana nos protegeria dessas decisões dos produtores de petróleo no exterior é evidentemente falsa", opinou Annelle Sheline, pesquisadora do Instituto Quincy, que defende um posicionamento mais firme com os sauditas.
"Sempre vamos depender desses outros países enquanto continuarmos dependentes do petróleo", disse. Contudo, ressaltou que a própria Arábia Saudita se prejudica ao deixar de ser a fonte "previsível" de petróleo dos Estados Unidos.
'Aproximação realista'
A Arábia Saudita insiste em que a decisão da Opep+ foi unicamente econômica e declarou que as vendas de armas dos Estados Unidos servem aos interesses dos dois países.
O reino votou com os Estados Unidos na quarta-feira (12), durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, para condenar as anexações de partes do território ucraniano pela Rússia.
No entanto, para Bruce Riedel, do instituto de pesquisa Brookings, a redução da produção de petróleo foi uma ação clara de intervenção eleitoral do príncipe herdeiro saudita em nome do Partido Republicano do ex-presidente Donald Trump.
O antecessor de Biden, acérrimo partidário dos sauditas, gabava-se de ter salvado Bin Salman depois que a inteligência americana descobriu que ele autorizara o assassinato e o esquartejamento de Khashoggi, um jornalista saudita com cidadania americana e colunista do Washington Post, que criticava o príncipe.
"Uma coisa que sabemos pelo padrão de comportamento de MBS [Mohamed bin Salman] é que ele adora o drama", disse Riedel, ao acrescentar que o príncipe também estava emulando Trump.
A associação entre Washington e Riade, selada após o fim da Segunda Guerra Mundial basicamente como uma troca de petróleo por segurança, nunca foi uma aliança de coração e está muito mais relacionada a uma questão de conveniência.
"Os Estados Unidos continuam precisando dos sauditas, por mais odioso que isso possa parecer", disse Stephen Cook, especialista do Council on Foreign Relations, ao defender uma "aproximação realista" com Riade.
"Além disso, os Estados Unidos necessitam levar a sério a política energética. Se tivéssemos tido [uma política energética] nos últimos 40 anos, não estaríamos nessa situação".
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