Publicado 04/01/2023 16:00
O pontificado de Francisco entra em uma nova etapa sem a sombra de seu antecessor Bento XVI, que morreu no último sábado, 31, aos 95 anos, com especulações sobre sua eventual renúncia e críticas a reformas.
Pela primeira vez desde sua eleição ao trono de Pedro em 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio lidera a Igreja Católica e seus 1,3 bilhão de fiéis sem o peso de outro pontífice vivo.
Até agora, a presença do teólogo conservador alemão no Vaticano havia desencadeado questionamentos e alimentado a saga dos "dois papas".
"É o fim de um mal-entendido, de uma época em que Bento XVI poderia ser explorado pelos inimigos de Francisco", comentou à AFP o vaticanista Marco Politi, autor de uma biografia sobre o papa latino-americano.
Apesar da excelente relação pessoal entre os dois, "a presença do alemão Joseph Ratzinger, com sua visão doutrinária conservadora e gabarito intelectual, tornou-se uma fonte de tensão para o pontificado de Francisco, que, ao contrário, tem uma visão mais ampla", aponta.
Tratou-se de uma situação inédita na história, mas não impediu o jesuíta argentino de realizar reformas importantes, incluindo a reorganização da Cúria Romana, o poderoso governo da Santa Sé.
Ele também recuperou o controle de várias organizações católicas, incluindo a influente Opus Dei e a aristocrática Ordem de Malta.
Dotado de uma linguagem direta e incisiva, Francisco, que controla com mão firme o leme da Igreja, poderia decidir outras medidas que desagradam conservadores e tradicionalistas, como aconteceu com a proibição da missa em latim, autorizada justamente por seu antecessor. Além disso, a morte de Bento XVI não põe fim às críticas internas a Francisco.
"A guerra civil dentro da Igreja Católica vai continuar. Há forças que querem que Francisco abdique e que não deixe sua marca no próximo conclave", explica Politi. Estas críticas manifestam-se "em petições públicas ou na internet", sublinha.
"O manifesto sobre a covid, que afirmava que a liberdade da Igreja estava sob ameaça pelas medidas sanitárias, é um exemplo perfeito de como operam as forças conservadoras", diz Politi.
O atual sínodo mundial, uma vasta consulta sobre o governo da Igreja, cuja primeira fase terminará com uma assembleia geral em outubro, permitirá medir as relações internas de poder sobre grandes questões e debates, como o lugar da mulher na Igreja, a gestão da pedofilia e a situação dos divorciados que voltam a casar.
Questões que obrigam Francisco a permanecer no trono de Pedro até pelo menos 2024, ano em que encerrará a consulta.
Apesar desse compromisso, as especulações sobre sua renúncia dispararam, principalmente por conta de seus problemas de saúde, já que tem se locomovido em cadeira de rodas e sofre de problemas no joelho.
"Enquanto Bento XVI estava vivo, era impensável imaginar a existência de três papas. Hoje a possibilidade de sua renúncia é concreta", embora "sua saúde não o tenha impedido de cumprir sua missão até o momento", reconhece Politi.
Aos 86 anos, o papa argentino não reduziu tanto seus compromissos e confirmou uma viagem à África no final de janeiro e início de fevereiro e outra a Portugal em agosto.
Embora tenha dito em várias ocasiões que não descarta renunciar caso sua saúde não o permita governar a Igreja, não parece contemplar essa opção, também para evitar a renúncia de dois papas seguidos.
Mas se as circunstâncias o forçarem a abdicar, "evitará repetir o padrão de dois papas residentes no Vaticano, vestidos de branco e com o mesmo título", diz Bernard Lecomte, autor do livro "Les secrets du Vatican" ("Os Segredos do Vaticano").
"Há um vácuo legal no direito canônico sobre isso. Chegou a hora de escrever uma norma", acredita o bispo Patrick Valdrini, professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma.
"Francisco precisa querer", admitiu, depois de sugerir que adotasse o título de "bispo emérito de Roma" e não papa emérito, como optou Bento XVI.
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