Publicado 04/04/2023 15:11
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, alertou na última semana que a não ser que seu país vença uma batalha arrastada em uma importante cidade da região leste, a Rússia poderia começar a buscar apoio internacional para um acordo que exija da Ucrânia concessões inaceitáveis. Ele também convidou para uma visita o presidente da China, há muito tempo alinhada com a Rússia.
Caso Bakhmut caia diante das forças russas, o presidente Vladimir Putin "venderia essa vitória para os países ocidentais, para a sociedade, para a China, para o Irã", disse Zelensky em uma entrevista exclusiva à Associated Press, na terça-feira, 28.
"Se ele sentir um pouco de sangue - sentir que estamos fracos - vai pressionar, pressionar, pressionar", disse Zelensky em inglês, que usou durante a entrevista praticamente inteira.
O governante conversou com a AP a bordo de um trem que o transportava pela Ucrânia, para cidades próximas aos locais dos embates mais violentos e outras onde as forças do país conseguiram afastar a invasão russa. Zelensky raramente viaja com jornalistas, e o gabinete do presidente informou que a viagem de duas noites com a AP era a mais longa que ele já fizera desde o começo da guerra.
Desde então, a Ucrânia, com apoio de boa parte dos países ocidentais, vem surpreendendo o mundo com a força de sua resistência contra as forças armadas russas, maiores e mais bem-equipadas. As forças ucranianas mantiveram o controle da capital, Kiev, e expulsaram a Rússia de outras áreas de importância estratégica.
Porém, agora que a guerra entrou em seu segundo ano, Zelensky tem se concentrado em manter a motivação alta, tanto entre os militares, quanto na população ucraniana em geral - especialmente as milhões de pessoas que fugiram para o exterior e aquelas que vivem em relativo conforto e segurança longe das linhas de frente.
Zelensky também está ciente de que o sucesso de seu país se deve em grande parte às ondas de apoio militar internacional, principalmente dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Algumas pessoas nos Estados Unidos, no entanto, como Donald Trump, ex-presidente americano e atual pré-candidato à presidência, questionaram se Washington deveria continuar a fornecer bilhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia.
O provável rival de Trump no Partido Republicano, o governador da Flórida, Ron DeSantis, também deu a entender que defender a Ucrânia em uma "disputa territorial" com a Rússia não era uma prioridade de segurança nacional relevante para os EUA. Ele posteriormente voltou atrás com essa declaração, depois de enfrentar críticas de outras alas do partido.
Zelensky não mencionou o nome de Trump, nem de qualquer outro político republicano, figuras com as quais ele pode precisar lidar caso vençam as eleições de 2024. Mas diz que se preocupa com os possíveis impactos sobre a guerra causados por uma mudança nas forças políticas em Washington.
"Os Estados Unidos realmente entendem que, se pararem de nos apoiar, não venceremos", disse durante a entrevista. Ele tomou um gole de chá, sentado sobre uma cama estreita na apertada cabine-dormitório sem decoração, em um trem da ferrovia estatal
A viagem de trem do presidente, cuidadosamente calibrada, foi um notável trajeto terrestre por um país em guerra. Zelensky, que se tornou um rosto conhecido em todo o mundo ao contar obstinadamente seu lado da história para um país após o outro, nessa viagem levou sua influência até as regiões próximas às linhas de frente, buscando elevar o moral das tropas.
Ele viajou com uma pequena equipe de assessores e um grande grupo de oficiais de segurança fortemente armados, vestindo uniformes de batalha. Entre os seus destinos estavam cerimônias de comemoração de um ano da libertação das cidades na região de Sumy, e visitas às tropas em posições de linha de frente perto de Zaporizhzhia. Cada visita foi mantida em segredo até depois de sua partida.
Zelensky fez recentemente uma visita semelhante perto de Bakhmut, onde as forças russas e ucranianas estão há meses travadas em uma batalha sangrenta e desgastante. Embora alguns analistas militares ocidentais entendam que a cidade não tem importância estratégica, Zelensky alertou que uma derrota em qualquer lugar nesse momento da guerra poderia colocar em risco o impulso duramente conquistado pela Ucrânia.
"Não podemos perder o passo, porque a guerra é uma torta - fatias de vitórias. Pequenas vitórias, pequenos passos", disse ele.
Os comentários de Zelensky foram um reconhecimento de que perder a batalha de 7 meses por Bakhmut, a mais longa da guerra até agora, seria uma custosa derrota de cunho político, mais do que tático.
Ele prevê que a pressão decorrente de uma derrota em Bakhmut viria rápido - tanto da comunidade internacional, quanto dentro do próprio país. "Nossa sociedade se sentirá cansada", disse. "Nossa sociedade irá me pressionar a chegar a um acordo com eles "
Até agora, Zelensky diz que não sentiu essa pressão. A comunidade internacional em grande medida se uniu em torno da Ucrânia depois da invasão russa de 24 de fevereiro de 2022. Nos últimos meses, um desfile de lideranças mundiais visitou Zelensky na Ucrânia, a maioria viajando em trens semelhantes aos que o presidente usa para cruzar o país.
Em sua entrevista à AP, Zelensky estendeu o convite a um governante renomado e estrategicamente importante que ainda não fez essa viagem: o presidente chinês Xi Jinping.
"Estamos prontos para recebê-lo aqui", disse. "Quero conversar com ele. Tive contato com ele antes da escalada da guerra. Mas durante esse ano inteiro, mais de um ano, não tive."
A China, economicamente alinhada e politicamente favorável à Rússia há muitas décadas, deu a Putin cobertura diplomática ao estabelecer uma posição oficial de neutralidade na guerra.
Diante da pergunta se Xi aceitaria o convite de Zelensky, ou se esse convite pelo menos teria sido feito oficialmente, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, respondeu aos jornalistas que não tinha informações a oferecer. Ela disse que Pequim mantém "comunicação com todas as partes envolvidas, incluindo a Ucrânia".
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, questionado se uma reunião entre Xi e Zelensky seria útil para a resolução do conflito na Ucrânia, respondeu que as autoridades russas "apreciam muito" o posicionamento equilibrado da China sobre a questão e "não têm o direito de oferecer qualquer conselho" sobre a possibilidade de uma reunião entre os países. "O próprio líder chinês decide sobre a adequação de certos contatos", disse Peskov durante sua teleconferência diária com jornalistas, na quarta-feira, 29.
Xi visitou Putin na Rússia na semana passada, levantando a possibilidade de que Pequim estivesse a postos para fornecer armamento e munição e reabastecer o estoque esgotado de Moscou. Mas a viagem de Xi terminou sem nenhum comunicado dessa natureza Dias depois, Putin anunciou que enviaria armas nucleares táticas para Belarus, que faz fronteira com a Rússia e aproxima o estoque nuclear do Kremlin de território da OTAN.
Zelensky considera que esse movimento de Putin seria uma tentativa de distração da ausência de garantias da China.
"O que isso significa? Significa que a visita não foi boa para a Rússia", especulou Zelensky. Ele foi impiedoso em sua avaliação de Putin, que chamou de "pessoa informacionalmente isolada" que "perdeu tudo" nesse último ano de guerra.
O presidente ucraniano fez algumas previsões sobre a maior questão que paira sobre a guerra: como ela irá acabar. Ele manifestou confiança, porém, de que seu país irá prevalecer por meio de uma série de "pequenas vitórias" e "pequenos passos" contra um "país muito grande, grande inimigo, grande exército" - mas um exército, segundo ele, de "corações pequenos".
E a própria Ucrânia? Embora Zelensky reconheça que a guerra "nos causou mudanças", diz que, no final, tornou sua sociedade mais forte.
"Poderia ter acontecido de uma forma, para dividir o país, ou de outra, para nos unir", disse. "Estou muito grato. Sou grato a todos: cada parceiro, nosso povo, a Deus, a todos, por termos encontrado esse caminho em um momento crítico para o país. Encontrar esse caminho foi o que salvou nosso país, e salvamos nossa terra. Estamos juntos."
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