Publicado 15/09/2023 11:56
Paris - Poderia ser verdade que a humanidade esteve prestes a desaparecer há 900 mil anos, quando havia apenas cerca de 1.280 indivíduos espalhados por todo o planeta?
Esta é a teoria de um recente estudo de cientistas chineses que utilizaram modelos de análise genética para determinar que nossos antepassados estiveram à beira da aniquilação durante quase 120 mil anos.
Entretanto, estudiosos que não participaram da investigação criticam esta afirmação, e um deles contou à AFP que havia um acordo "praticamente unânime" entre os geneticistas populacionais de que a teoria não era convincente.
Embora seja plausível inferir que os ancestrais dos humanos possam ter estado à beira da extinção em algum momento - fenômeno conhecido como um "efeito de gargalo" populacional -, especialistas levantaram dúvidas de que este estudo possa ser tão preciso em termos de datas e quantidades de espécies que sobreviveram.
Estimar mudanças demográficas tão antigas é extremamente complicado, dado os poucos fósseis de ancestrais dos humanos disponíveis que remontam a centenas de milhares de anos, tornando difícil extrair seu DNA e conhecer mais sobre suas vidas.
Estes cientistas críticos reforçaram que outros métodos similares não haviam sido capazes de detectar esta queda relevante da população.
No entanto, com o avanço do sequenciamento genético, agora os cientistas podem analisar mutações em humanos modernos, e depois utilizar um modelo computacional que funciona retroativamente no tempo para entender como as populações mudaram, mesmo em um passado mais distante.
- 99% de ancestrais aniquilados? -
No início de setembro, um estudo publicado pela revista Science analisou os genomas de mais de 3.150 humanos modernos.
No início de setembro, um estudo publicado pela revista Science analisou os genomas de mais de 3.150 humanos modernos.
A equipe liderada por pesquisadores chineses desenvolveu um cálculo em que o número de ancestrais humanos reprodutores caiu para, aproximadamente, 1.280 indivíduos há cerca de 930 mil anos.
"Perderam-se em torno de 98,7% dos ancestrais humanos" no começo deste "efeito de gargalo", disse o coautor Haipeng Li, do Instituto Nutrição e Saúde de Xangai, da Academia de Ciências da China.
"Nossos antepassados quase foram extintos e tiveram que se ajudar para sobreviverem", analisou.
Potencialmente causado por um período de resfriamento global, este funil se estendeu até cerca de 813 mil anos atrás, segundo o estudo. Depois, houve um pico demográfico, possivelmente causado pelo aquecimento das temperaturas terrestres e pelo "domínio do fogo", acrescenta.
Os pesquisadores sugeriram que a endogamia durante o efeito de gargalo poderia explicar por que os humanos têm um nível significativamente mais baixo de diversidade genética em comparação a muitas outras espécies.
A redução populacional poderia então ter contribuído para a evolução separada dos neandertais, denisovanos e dos humanos modernos. Acredita-se que todos eles nasceram de um ancestral comum naquela época, segundo o estudo.
Também poderia explicar a dificuldade de encontrar fósseis de ancestrais humanos datados daquele tempo, achado, segundo relatos de arqueólogos, no Quênia, Etiópia, Europa e China e que poderiam sugerir que nossos antepassados estavam mais espalhados do que o efeito de gargalo possibilitaria.
"A hipótese de um colapso global não se encaixa com as evidências arqueológicas e de fósseis humanos", disse Nicholas Ashton, do Museu Britânico, à revista Science.
Em resposta, os autores do estudo indicaram que hominídeos que viviam na Eurásia e no leste da Ásia podem não ser ancestrais dos humanos modernos.
A humanidade de hoje é descendente destes que sobreviveram milagrosamente, explica Li. "Essa pequena população é o ancestral comum de todos os humanos modernos. Do contrário, não teríamos vestígios dela em nosso DNA", completou.
- "Extremamente cético" -
Stephan Schiffels, presidente do grupo de genética populacional do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, declarou-se "extremamente cético" em relação às precisões do estudo.
Stephan Schiffels, presidente do grupo de genética populacional do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, declarou-se "extremamente cético" em relação às precisões do estudo.
Para ele, "nunca será possível" utilizar a análise de genomas de humanos modernos para obter um número tão preciso como 1.280, como o estimado pelo grupo, que disse ter calculado que esta população estaria entre 1.270 e 1.300 indivíduos.
Schiffels afirmou ainda que os dados utilizados pelo estudo já existiam há anos e que as análises anteriores, baseadas nestas informações, não identificaram nenhum evento que poderia levar à extinção.
Os autores da investigação chinesa simularam o efeito de gargalo, utilizando alguns destes modelos anteriores, mas desta vez detectaram uma grande queda populacional.
"É difícil ser convencido por esta conclusão", opina Pontus Skoglund, do Instituto Francis Crick, do Reino Unido.
Aylwyn Scally, pesquisadora de genética evolutiva humana da Universidade de Cambridge, disse à AFP que "uma resposta bastante unânime entre os geneticistas populacionais e de pessoas que trabalham neste campo é que o artigo não é convincente".
Segundo ela, os ancestrais dos humanos modernos podem ter estado à beira da extinção em algum momento, mas a capacidade de dados de genomas modernos de inferir tal evento é "muito fraca".
"Provavelmente, essa é uma daquelas perguntas que não seremos capazes de responder", concluiu.
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